Três mulheres, mães e empresárias vencedoras contam como enfrentaram desafios para alcançar o sucesso no setor de beleza, mesmo se deparando com negativas e portas fechadas
Thais Borges e Lucy Brandão Barreto
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Zica Assis passou a vida recebendo “não”. Não pôde ter uma infância normal – começou a trabalhar aos 9 anos, cuidando de uma criança de 5. Mulher e negra, não podia sonhar com uma vida diferente da de uma empregada doméstica. Não podia sequer usar o próprio cabelo da forma que queria – deixando que enrolasse “meio metro para cima, meio metro para baixo”, como ela diz.
“Minha mãe trabalhava para umas mansões atrás da comunidade, no Rio. Ela buscou um emprego para mim e os donos de uma das casas me olharam e associaram meu cabelo black power a sujeira, desleixo. Disseram: ‘aqui você não entra”, conta a sócia-fundadora do Instituto Beleza Natural, uma referência em tratamento para cabelos crespos e ondulados, presente em cinco estados.
Por um tempo, Zica aceitou alisar os cabelos. Era isso ou não poderia trabalhar para ajudar a cuidar dos 12 irmãos. Até que, quando completou 21 anos, tomou uma decisão que mudou sua vida. “Disse para mim: ‘Chega, não quero mais’. Era a hora de as pessoas me valorizarem”. Começou, então, um curso de cabeleireira para entender como são os fios crespos e por que as pessoas não respeitavam quem tinha esse cabelo.
Naquela época, mais de 20 anos atrás, era difícil encontrar produtos para cabelo crespo que o valorizassem de forma natural – ou que não fossem alisamentos. Salão especializado em crespos, então… Só escondidos em garagens, sujos, largados.
Zica decidiu mudar isso. Sempre que encontrava um representante de comésticos, pedia “os pozinhos” – na verdade, matéria-prima dos produtos que usava no cabelo das clientes. “Levei para casa superconfiante, sem saber que ia cometer tantos erros. Separei uma bacia com colher de pau e comecei a misturar e passar no meu cabelo, logo na raiz”.
O cabelo caiu, mas ela não desistiu. Continuou testando e até usando seu irmão – que ostentava seu black power – como cobaia. Passou 10 anos assim… Até que conseguiu chegar a uma fórmula base para os produtos que hoje fazem parte da linha do Beleza Natural.
Química
Decidiu, então, pedir ajuda a uma de suas patroas para encontrar uma química que ajudasse na fórmula. “A química disse que eu era louca, para eu continuar onde eu estava, porque ali era meu lugar. Podia até ser cabeleireira, mas nunca desenvolver um produto”.
Mas Zica estava acostumada com críticas. Recorreu à segunda patroa, que também encontrou uma química. “Ela achou um barato. Me deu o caminho para registrar a patente e consegui tudo”. Só que, aos 33 anos, a empresária ainda trabalhava como empregada doméstica, “não tinha um tostão”, morava numa casa alugada e tinha três filhos. A principal renda da família era um velho fusca que o marido fazia de táxi.
Já com a fórmula em mãos, convenceu o marido a vender o fusca. Chamou o irmão e uma amiga do irmão e, juntos, montaram um pequeno salão, na comunidade do Catrambi, no Rio. “Abrimos o Beleza Natural numa casinha de mais de 100 anos, mas ali havia inovação. Ali havia uma coisa que o mercado tinha esquecido”.
Hoje, são 38 institutos e 16 quiosques espalhados pelo país, além de uma fábrica e quatro mil funcionários. “Eu sempre confiei em mim. Minha mãe dizia: ‘Vocês querem ser o quê? Igual a seu pai, que a gente pega na rua, ou querem ser alguém na vida?’. Peguei isso como desafio, não para chorar”, lembra.
Combustível de sucesso
O sucesso da Avatim também tem por trás uma história inspiradora. Mônica Burgos tinha acabado de se separar quando decidiu se mudar para o Rio de Janeiro com os três filhos. Largou a profissão de quase 10 anos como advogada para estudar moda. “A Avatim foi uma virada que dei na minha vida. Um belo dia, depois dos 30 anos e com três filhos, eu, que sou movida por felicidade, não me via mais assim. Esse combustível da alegria me faltou e eu precisava procurar um posto para me abastecer”, conta.

Mônica Burgos, da Avatim, diz que autoconfiança é a palavra mais importante do empreendedor. Sua empresa abriu mais franquias do que em outros períodos: ‘Interior é a salvação do país’
Com apenas R$ 4 mil que pegou emprestado com o pai e outros R$ 4 mil investidos pelo amigo e sócio, nasceu a empresa de perfume de interiores. “Eu vendia 10l de aromatizante por dia, que era a meta para conseguir pagar o aluguel no final do mês”, revela sobre as dificuldades do início do negócio.
Quatorze anos depois, a Avatim está com 82 lojas franqueadas em 17 estados brasileiros e a meta de crescimento para 2016 é de 40% em relação a 2015. “Hoje mesmo, eu olhei para me certificar e já crescemos 30% este ano”, disse.
O setor de beleza também foi a aposta de Nayana Pedreira, sócia-diretora da Aromarketing – Marketing Olfativo, para empreender. Vinda de uma família de empresários, ela escolheu estudar Administração e buscou o que ela chama de “pensar diferente”. “Não adianta reclamar da crise e não ousar. O empreendedor é um super-herói que tem que lidar com muitas variáveis. Mas se não gostasse de risco, não seria empreendedor”.
Até os casos de sucesso também cometem erros
Desde que fundou o primeiro Beleza Natural, ainda como salão, a empresária Zica Assis conta que cometeu erros durante o caminho. O primeiro foi logo no início, quando começaram a contratar funcionários, mas ainda não estavam acostumados à formalidade das coisas. “Salão de beleza, antigamente, acontecia de as pessoas não assinarem a carteira, de não pagarem comissão. E a gente não fazia isso no começo”.
Por conta disso, tiveram problemas com a Justiça. “Entendemos que a gente deveria fazer o certo porque seria uma empresa normal e ali haveria a valorização do funcionário. Agora, se abrisse uma coisa, já abriria certo”.
Outro erro, para ela, foi ter aberto institutos muito perto um do outro. “Foi uma coisa muito séria, porque a ideia era fazer um atendimento com horário marcado, mas acabou virando concorrente um do outro. A gente tem que pensar no nosso negócio e a gente errou nisso”. Mesmo com os percalços, o Beleza Natural segue em ritmo de expansão pelo Brasil e pretende “dar um pulinho” em Nova York em breve.
Mudança de ideia no meio do caminho
Mônica Burgos, sócia-fundadora da Avatim, é um exemplo de que não há nada mais certo na vida do que a mudança constante. Ao decidir mudar de rumo, ela deixou mais que uma carreira de advogada para trás. Terminou um casamento de 15 anos e mudou de cidade. No Rio, foi apresentada ao “mundo dos aromas”, no marketing olfativo, mas esta ainda não era mais que uma paixão para ela.
Voltou à Bahia para fazer consultoria de moda, mas trouxe na mala os aromatizantes. “As pessoas me diziam: ‘você é louca? Vai querer ser consultora de moda na Bahia? Depois de seis meses, eu não tinha feito nenhuma consultoria, mas vendi todos os frascos de perfumes de interiores”, conta. Foi aí que surgiu a ideia de fundar a Avatim.

Nayana Pedreira, da Acqua Aroma, busca alternativas na crise e sonha alto: inaugura este mês centro de distribuição na Flórida, EUA
Ousadia e foco em voos mais altos
A sócia-diretora da Aromarketing, Nayana Pedreira, se define como uma empresária conservadora, mas revela que a ousadia foi fundamental para que a fábrica de “sensações” (ou marketing olfativo) voasse mais longe. A indústria baiana está montando sua primeira distribuição internacional, na Flórida, Estados Unidos. “É uma ousadia muito grande, afinal é o maior mercado consumidor do mundo”, afirma.
O processo de internacionalização da marca, claro, foi bastante planejado e só aconteceu após 14 anos de experiência. Depois de desenvolver linhas personalizadas para marcas como Tok Stok e Camicado, a empresa lançou sua linha própria – a Acqua Aroma, que já tem três lojas em Salvador e mais de mil pontos de venda pelo Brasil.
Infraestrutura para crescer mais
A Bahia é o quarto maior produtor do mercado de Beleza (cosmético, perfumaria e higiene pessoal) e concentra 30% desse consumidor no Brasil. Mas ainda há muito espaço para crescimento. Para isso, no entanto, é necessário superar alguns desafios. Um deles é a infraestrutura precária, segundo a sócia-diretora da Aromarketing, Nayana Pedreira. “É uma das grandes dificuldades no Nordeste. Por mais que a gente tenha um potencial de crescimento alto, precisamos chegar até o mercado consumidor fora daqui”, diz a empresária, dona também da marca Acqua Aroma.
Nayana cita ainda outras variáveis, como acesso ao capital, qualificação profissional e ambiente regulatório propício. “Os órgãos reguladores devem garantir a segurança para o consumidor, mas também trabalhar junto aos empresários em prol da sua regularização. Hoje, muitos agentes de fiscalização chegam na empresa querendo achar alguma coisa errada. Não acho que deve ser assim”, desabafa e fala também sobre o acesso ao mercado: “Precisamos ter desenvolvimento econômico para gerar mais riqueza, mais mercado e, obviamente, mais desenvolvimento, é cíclico”.
Já a sócia-fundadora da Avatim, Mônica Burgos, encontrou no interior da Bahia a solução e alguns desafios para o seu negócio. Em relação ao acesso a profissionais qualificados, Mônica diz que é mais difícil e que faltam oportunidades de capacitação nas pequenas cidades. Ela tem investido em um programa de incentivo a bolsas de estudo para funcionários.
Além da diversificação do portfólio e valores atrativos, a Avatim também reduziu o custo de investimento nas lojas pela metade. Isso trouxe diferencial e permitiu maior crescimento mesmo na crise. “O empreendedor do interior é ávido por novidades. O interior é a força deste país.”