No dia em que a tragédia com a lancha Cavalo Marinho I, em Vera Cruz, completa um ano, a ilha permanece rodeada de luto, saudade e desejo de justiça por todos os lados. Como é fácil presumir, Mar Grande não é grande o bastante para superar, tão cedo, as 19 mortes e sua quase centena de feridos na travessia inconclusa. Todos os moradores da localidade, invariavelmente, tinham ou têm alguma relação com as vítimas. Senão sobreviventes, parentes, vizinhos, amigos, ex-colegas de escola, de trabalho, conhecidos de vista... A dor pelas vidas perdidas nem as ondas levaram, mas a maré de cobranças para que nada semelhante volte a ocorrer precisa permanecer alta. Entre as vítimas fatais, aliás, tentamos desvendar um mistério: uma menina de 12 anos seria a 20ª morte da tragédia. A tia da menina insiste que a levou para embarcar na lancha; a polícia desconfia que Lorena nem exista. A dor em Mar Grande, sim, ainda existe, persiste, perdura. Nessa tentativa de relembrar o ocorrido, homenagear as vítimas e atualizar a história de quem permanece em luto ou luta, o especial traz, além de grandes reportagens, artigos, vídeos, galerias de fotos e podcasts com depoimentos da equipe de reportagem. Todos os leitores terão acesso ao conteúdo exclusivo produzido pelos jornalistas do CORREIO, que fizeram 18 viagens de Salvador a Mar Grande, neste mês, para marcar o 1º ano da tragédia.
Infinita como o horizonte
Um ano depois, a dor de quem perdeu parentes no naufrágio da Cavalo Marinho parece sem fim
É como se todos os dias fosse 25 de agosto de 2017. A dona de casa Ana Paula Santana Monteiro, 29 anos, acorda sempre desamparada na data seguinte à tragédia.
Leia mais"Lembranças que a rotina não deixa apagar"
Sobreviventes da tragédia enfrentam a mesma travessia diariamente
A profissão de Paulo envolve ver gente morta todo dia. Funcionário do Instituto Médico Legal (IML), a proximidade com esse universo não lhe deu qualquer vantagem (ou desvantagem) na superação do trauma de ter estado dentro da Lancha Cavalo Marinho I no dia 24 de agosto de 2017.
Leia maisO comandante
Ao CORREIO, ele conta que adquiriu hipertensão, precisa de remédio para dormir, sofreu um infarto e vive atormentado pelas lembranças
Era ainda de manhã cedo quando Osvaldo saiu da casa onde mora, no Jaburu, bairro de Mar Grande, Ilha de Itaparica, para a primeira travessia do dia 3 de agosto. No caminho, avistou um outro morador da ilha, disposto a insultá-lo, e o coração quis sair do peito. Temia ser chamado, novamente, de assassino.
Leia maisA origem, a disputa e o fim trágico
Presente de pai para filho, a lancha Cavalo Marinho I virou alvo de disputa judicial até naufragar na Baía de Todos-os-Santos
A rota final da lancha Cavalo Marinho I não começou 6h30 no dia 24 de agosto do ano passado. A trajetória da embarcação, criada na década de 1970, começou a mudar no dia 18 de julho de 2005. Foi nessa data, há pouco mais de 13 anos, que a assinatura de um contrato traçou destinos, afetou famílias e deu início a uma fase diferente na travessia Salvador-Mar Grande.
Leia maisQuase nada mudou na travessia
Falta de segurança ainda é marca das lanchas que atravessam a Baía de Todos os Santos
A embarcação sai do Terminal de Vera Cruz depois de algumas horas de espera. Tudo é tranquilo, até que o mar parece um pouco mais agitado ao chegar no primeiro banco de areia
Leia maisOs restos da Cavalo Marinho I
CORREIO encontrou restos da embarcação que adernou na Baía de Todos-os-Santos
Uma tragédia e muitas lembranças. A dor que as ondas não levam não está só no sofrimento das famílias dos 19 mortos. As águas fortes trouxeram à praia mais do que partes da Cavalo Marinho I, embarcação de 44 anos toda em madeira. Deixaram em terra firme memórias físicas da maior catástrofe nas águas baianas.
Leia maisO mistério da menina perdida
Suposto 20º corpo da tragédia na Ilha nunca foi encontrado, e polícia desconfia até de sua existência
O dia começou para Lorena às 5h. Tomou banhou, vestiu a roupa e seguiu para o terminal de Mar Grande. A menina de 12 anos deveria chegar a Salvador por volta das 7h do dia 24 de agosto de 2017, na embarcação Cavalo Marinho I.
Leia maisDo amor ao dia de tragédia
Praia onde foram colocados os corpos da tragédia do dia 24 de agosto de 2017 é conhecida como Praia do Amor
A água cristalina balança uma pequena embarcação. Poucos nativos passeiam pela faixa de areia no ensolarado dia de inverno. Os únicos barulhos são ou da onda no mar ou dos pássaros rasantes. É um lugar bastante reservado. Por isso mesmo, mais à noite, é geralmente visitado por casais. A Praia da Gamboa tornou-se, então, a Praia do Amor. E assim foi até o fatídico 24 de agosto de 2014, quando virou a embarcação Cavalo Marinho I.
Leia maisOs heróis anônimos
Moradores que salvaram dezenas de vidas dispensam rótulo: ‘era obrigação’
A chuva nem assustava tanto, mas o vento e a maré desaconselhavam a pescaria na Praia da Gamboa, na manhã de 24 de agosto do ano passado. Batiam quase 7h e o pescador Orton Bastos, 49 anos, ante o dever frustrado, acabava de avisar a dois primos, parceiros de ofício, que estava indo em casa tomar café.
Leia maisA espera por Justiça
Caso teve ao menos 95 processos abertos, e decisões podem demorar mais seis anos
Nenhum culpado condenado e a angústia de 120 famílias. Esse é o saldo da tragédia de Mar Grande. A dor de quem perdeu parentes e de quem sobreviveu ao naufrágio da lancha Cavalo Marinho I pode se estender por, pelo menos, mais seis anos, prazo mínimo considerado por advogados para que os mais de 90 processos ingressados na Justiça sejam julgados.
Leia maisQuando decidimos ser defensores públicos, queremos salvar o mundo. Achamos que estamos preparados para todo tipo de mazela...ledo engano. Naquele dia, 24/08/2017, 19 pessoas que saíram de suas casas para pegar a lancha Cavalo Marinho I perderam suas vidas em um acidente marítimo em Mar Grande nas primeiras horas da manhã.
Leia maisA vida é incerta. Num lapso de tempo, tudo pode mudar. A rotina de pegar uma lancha para realizar atividades cotidianas como ir ao médico, ao trabalho ou a escola, se tornou uma tragédia no dia 24 de agosto de 2017. O naufrágio da embarcação Cavalo Marinho I aponta para o limite da estrofe de Fernando Pessoa “Navegar é preciso, viver não é preciso”.
Leia maisEm nossa sociedade, aprendemos a evitar e negar nossa relação com a morte. Isto implica em não reconhecer ou minimizar o sofrimento gerado por experiencias de perdas e lutos. Espera-se que as perdas sejam rapidamente superadas e que os sobreviventes reconstruam suas vidas e se adaptem às mudanças. No entanto, este é um processo complexo...
Leia maisUse o mouse ou touch (celular) para navegar na cronologia da tregédia. Utilize o zoom, na lateral direita, para aproximar e ver os acontecimentos de forma detalhada (+). Selecione menos (-) para ter uma visão geral dos fatos até hoje. Arraste para o lado e veja tudo o que aconteceu após o dia 24. Clique nas caixas de texto para saber detalhes sobre os fatos, histórias, horário, ver fotos e vídeos.
"Fui eu que levei eles para pegar a lancha. Então, eu vivo a cena todo santo dia. Não tem como esquecer."
Reportagens – Alexandre Lyrio, Amanda Palma, Bruno Wendel, Fernanda Lima (com supervisão do chefe de reportagem Jorge Gauthier), João Gabriel Galdea, Júlia Vigné, Naiana Ribeiro e Thais Borges Edição de textos – Dóris Miranda, João Gabriel Galdea, Mariana Rios, Tharsila Prates Edição de textos (impresso) – Monique Lôbo, Geraldo Bastos, Rodrigo Menezes, Tharsila Prates Chefia de reportagem/produção – Jorge Gauthier e Perla Ribeiro Fotografia – Almiro Lopes, Arisson Marinho, Betto Jr, Evandro Veiga, Marina Silva e Mauro Akin Nassor Edição de fotografia – Márcio Costa e Silva e Sora Maia Tratamento de imagens – Roberto Abreu e Erlaney Rocha Webdesigner – Rodrigo Cavalcanti Audiovisual – Brisa Dultra, Yuri Rosat Podcast - Ivan Dias Marques Coordenação geral – Mariana Rios e Jorge Gauthier Coordenação do impresso – Divo Araújo Coordenação digital – Wladmir Pinheiro