Irmã Dulce tinha vergonha da imprensa, mas começou a aparecer para arrecadar dinheiro para os pobres

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Por Jorge Gauthier (jorge.souza@redebahia.com.br)

Panetone, camisas, velas e livros. Das lojas de artigo religiosos aos supermercados hoje é comum encontrar a imagem de Irmã Dulce em produtos variados. Se estivesse viva certamente isso a assustaria - e até incomodaria - a freira baiana que era tímida e bastante reservada. Mesmo quando, em 1959, foi feita a Fundação das Obras Sociais Irmã Dulce ela foi contrária à colocar seu nome. Inclusive, ela faltou à reunião de fundação que iria escolher o nome. Não queria aparecer.

 
 

Sua irmã caçula, Ana Maria da Silva Carneiro Lopes Pontes, hoje com 79 anos, relembra que Dulce era envergonhada e não entendia o interesse crescente da mídia por ela. Mas, quando percebeu que sua imagem ‘vendia’, se deu conta que teria nisso uma oportunidade de conquistar mais recursos para ajudar seus pobres.

Quando o ex-governador da Bahia ACM era ministro das Comunicações, em 1986, por exemplo, Dulce estrelou a campanha publicitária da Telebahia, empresa do grupo Telebras na Bahia antes da privatização, em 1998.

“A foto de Dulce estava espalhada em todo estado e houve um aumento significativo no número de doações. O mesmo aconteceu depois que a Globo exibiu o programa Caso Verdade [1982] - foi uma semana mostrando em horário nobre a história dela. Isso trouxe muita visibilidade e recursos que ajudaram a fechar as contas naqueles anos”, conta Ângelo Calmon de Sá.

A foto de Dulce estava espalhada em todo estado e houve um aumento significativo no número de doações

Ângelo Calmon de Sá, empresário e dono do Banco Econômico

Ana destaca que Dulce sentiu a força que tinha a sua imagem depois que o ex-presidente José Sarney e a rainha Silvia, da Suécia, a indicaram para o prêmio Nobel da Paz. “Ela não gostava de falar dela para a imprensa, mas percebeu depois da indicação do Nobel da Paz que a imagem dela tinha força. Contudo, ela não falava sobre dela. Dificilmente um repórter conseguia dela uma declaração sobre sua vida pessoal. Ela sempre arrumava um jeito de falar dos pobres, dos doentes e das necessidades das obras. Com isso, conseguiu muitos investimentos”.

Cargos e patentes importantes não amedrontavam a freira. O general João Baptista Figueiredo (1918-1999) foi o primeiro presidente da República que visitou Irmã Dulce, em Salvador. “Quando ele estava visitando o local, ela o levou, de propósito, para ver o necrotério e assim lhe sensibilizar. Funcionou. Na saída, ele disse: ‘Irmã Dulce, se for preciso assaltar um banco para ajudar, eu assaltaria’. Ela disse: ‘Eu vou lhe ajudar a assaltar este banco’”, conta Maria Rita, atual superintendente da Osid.

Em 1947, o então presidente Eurico Gaspar Dutra (1883-1974) visitava o Largo do Bonfim quando deparou com Dulce acompanhada por cerca de 300 meninos. Ela se colocou na frente da comitiva. O presidente mandou parar o carro para ouvir o pedido da freira. Deu certo. Dutra autorizou a ajuda federal para a inauguração do Círculo Operário, que ofereceria serviços à população mais carente.

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Irmã-Dulce e o presidente Dutra na inauguração do COB, nos anos 50 (Foto: Osid/Divulgação)

O presidente da República José Sarney cumprimenta Irmã Dulce (Gervásio Baptista/Divulgação)

Para atender às necessidades dos seus doentes, Dulce nem sempre agradava os políticos. Sua persistência em pedir era grande e em afrontar também. Em 1939, as ações dela foram alvo de repressão da prefeitura. Ela invadiu casas na Cidade Baixa para abrigar doentes. Então prefeito de Salvador, Wanderley Pinho (1890-1967) ordenou que ela deveria desocupar os imóveis. Naquele momento, a persistência de Dulce foi maior do que a intimidação. Diante do impasse, ela decidiu invadir o galinheiro que ficava nos fundos do convento, no Largo de Roma.

“Eu me lembrei que tinha o mercado abandonado, arrombei e botei 40 doentes lá dentro. (...) Aí o prefeito mandou me chamar reclamando. Eu disse que não tinha lugar para botar os doentes. Depois eu fui para as arcadas do Bonfim e o prefeito mandou sair de novo. Foi aí que eu pedi para a madre para botar eles no galinheiro do convento”, contou Irmã Dulce no documentário Mãos Carinhosas, produzido pela TV Canção Nova.

 
 

As galinhas que estavam no local viraram canja. Improvisou estruturas que serviram de camas e deu início ao embrião do Hospital Santo Antônio, que foi erguido anos depois com a ajuda do então governador da Bahia na época, Luiz Vianna Filho (1908-1990), e auxílio da organização portuguesa Fundação Gulbenkian de Portugal, que doou dinheiro.

1949_Ocupação do galinheiro_

Em 1939, freira invadiu o galinheiro que ficava nos fundos do convento, no Largo de Roma (Foto: Osid)

Já em 1964, o governador Lomanto Júnior (1924- 2015) doou a ela um terreno em Simões Filho. Lá, ela criou o Centro Educacional Santo Antônio, que serve até hoje como centro para auxílio de crianças e adolescentes, além da panificação.

O projeto Pelos Olhos de Dulce tem o oferecimento do jornal CORREIO e patrocínio do Hapvida