A MACHU PICHU BRASILEIRA
Muito mais do que as ruinas de pedra, lugar é uma vila cheia de vida
Por Juan Torres
juan.torres@redebahia.com.br
Existem dois tipos de nostálgicos: os que continuam sentindo saudades do passado e os que visitam Igatu. Em cada canto da vilazinha, encravada no meio da Chapada, há uma placa que diz: “Bem-vindo a 1800 e bolinha”. Não que essas placas sejam visíveis, mas elas estão lá, gritando ao coração do visitante. Localizada no município de Andaraí, Igatu é amplamente divulgada, inclusive pelo Iphan, como “a Machu Picchu brasileira”. Comparação esdrúxula, aliás, como toda comparação entre cidades. Afinal, o único paralelo entre as duas é um bocado de casinhas de pedras empilhadas. As razões, o momento histórico e as mãos que as empilharam, porém, são muito diferentes. No mais, quem vai atrás de Igatu e se limita a visitar as casinhas de pedras em ruínas, perde, justamente, o que Igatu teme Machu Picchu, não: vida. Não que não seja emocionante conhecer as tais ruínas. Elas eram antigas casas de garimpeiros que deram (muito!) duro na região no auge da atividade diamantina na Chapada, no século 19. Os barões, que exploravam essa mão de obra, viviam em casarões – esses estão preservados e compõem justamente a sede da vila hoje. De tão importante, o conjunto arquitetônico, urbanístico e paisagístico de Igatu foi tombado pelo Iphan, em 2010. No século 19, a população de Igatu chegou a ser de 10 mil habitantes. Hoje, são 300 e poucos. Pelo Censo do IBGE de 2010, são exatos 360. Mas, se quiser saber a conta atualizada, procure Amarildo–dono de uma quitanda na vila -, ele mantém o registro de quem nasce e morre no distrito.
NATIVOS
Igatu é um encrave tanto na Chapada quanto neste caderno, afinal, se tem uma coisa que Igatu não precisa é de guia. Uma vez chegado lá, o visitante saberá exatamente o que fazer: nada. Mas não é qualquer nada. É, sem dúvida, o nada mais prazeroso da Chapada, preenchidíssimo pela cultura e hospitalidade dos nativos. Eles, para além da história, são a grande riqueza do lugar. Chiquinho, Amarildo, Rita, seu Guina, Neo… são só algumas das figuras marcantes da cidade com quem você tema obrigação de conversar – e não se preocupe em procurá-los. Você certamente vai se bater com eles. Seu Guina, por exemplo, é dono do Bar Igatu, um marco na praça da vila. Rita, filha dele, toca o restaurante que fica logo atrás do bar – onde a grande pedida é a carne de sol com purê de banana. Neo é a figura simpaticíssima que atende no Restaurante Água Boa – onde a grande pedida é qualquer coisa. Chiquinho, ex-garimpeiro, é dono do restaurante Xique-Xique e um super guia para as trilhas da região. E Amarildo, além de recenseador da cidade, é talvez o maior fã de Xuxa do Brasil, dono de um incrível acervo de gravações e fotos da apresentadora – tudo exibido como máximo orgulho a quem visita sua vendinha.
SÃO JOÃO
E é no São João que todos esses personagens se juntam, numa experiência única. A festa junina na cidade é como um filme. A vila toda se decora feito casa de boneca, dando a impressão de se estar em um grande cenário. E não há—ainda bem—shows. Só apresentações de trios nordestinos locais. Mas o ponto alto mesmo é a grande quadrilha, no meio da praça, quando as velhinhas aparecem todas maquiadas e vestidas de xita, Rita puxa o gogó no amplificador e todos os nativos celebram, intimamente, essa vida tão única. Eles convidamos turistas a participar, mas é até estranho: como se estivéssemos invadindo a tradição alheia. Como se estivéssemos mexendo no passado.
SE SITUE
Como chegar
Seguindo pela BA–142, sete quilômetros depois de Andaraí está a saída para a estrada de pedras que leva a Igatu. São 6 quilômetros até a vila, mas pode levar até 20 minutos para percorrê-la. É bom evitar fazê-la à noite. De ônibus, a empresa Águia Branca leva até a entrada da estrada de pedras. Aí é preciso percorrê-la a pé. Há também ônibus intermunicipais que ligam com Mucugê ou Andaraí, mas os horários não costumam ser regulares.
Onde ficar
Para bolsos generosos, a Pousada Flor de Açucena é a opção. A Pousada da Vila é ótimo custo-benefício e o Albergue de Montanha Xique-Xique tem quartos e também camping.