Cérebros da Ufba – Cérebros da Ufba https://especiais.correio24horas.com.br/ocerebrodaufba Conheça alguns dos maiores dos pesquisadores da Bahia Sat, 27 Jun 2020 15:15:07 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=5.3.17 Jairnilson Paim: o médico pesquisador que decidiu cuidar do SUS https://especiais.correio24horas.com.br/ocerebrodaufba/jairnilsonpaim/ https://especiais.correio24horas.com.br/ocerebrodaufba/jairnilsonpaim/#respond Thu, 25 Jun 2020 04:19:16 +0000 https://especiais.correio24horas.com.br/ocerebrodaufba/?p=3214 Vinculado ao Instituto de Saúde Coletiva (ISC), professor é autor do ‘best-seller’ O que é SUS Depois de quase duas horas de conversa, o professor Jairnilson […]

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Vinculado ao Instituto de Saúde Coletiva (ISC), professor é autor do ‘best-seller’ O que é SUS

Depois de quase duas horas de conversa, o professor Jairnilson Paim levantou da cadeira onde esteve sentado durante toda a entrevista. Saiu pela porta de seu gabinete, no Instituto de Saúde Coletiva (ISC) da Universidade Federal da Bahia (Ufba) para voltar alguns minutos depois com um livro nas mãos: O que é SUS, publicado por ele em 2009. 

Entregou-o à repórter. Era um presente. “É um best-seller”, acrescentou. De fato, as vendas são impressionantes para uma publicação científica: de acordo com a editora Fiocruz, responsável pelo livro, foram mais de 15 mil exemplares e sete reimpressões em mais de dez anos. 

O professor Jarnilson não é de falar de si. Não gosta nem de falar na primeira pessoa do singular. Sempre lembra da dificuldade que teve para escrever um memorial acadêmico – um tipo de texto que resume toda a vida acadêmica de alguém.

“Não sei falar muito ‘eu, eu, eu’, na primeira pessoa, não, e no memorial você escreve assim”, explicou, antes de seguir falando sobre ‘o professor’ na terceira pessoa do singular. 

Ele prefere falar sobre o SUS. Faz sentido que alguém assim tenha se dedicado a pesquisar sobre o sistema baseado justamente na igualdade e na premissa de que todas as pessoas têm direito à saúde. E esse também é um dos motivos pelos quais tem trabalhado tanto, apesar do confinamento imposto pela pandemia da covid-19. 

Jairnilson sabe que esse é um dos momentos em que o SUS mais deve ser debatido. Entre reuniões presenciais substituídas por encontros virtuais, tem destinado horários também para falar sobre saúde pública no enfrentamento ao coronavírus em novos ambientes: das palestras em entidades científicas e da sociedade civil aos seminários com jornalistas, estudantes e mesmo pesquisadores de outras áreas, como o Direito. 

“Estamos no mesmo barco, mas, no Titanic, os que tinham primeira classe morriam menos que os demais”, enfatizou, em uma das lives que participou – o seminário ISC em Casa, promovido por pesquisadores do instituto. 

O cenário, segundo ele, é de um Brasil que vive crises políticas, econômica, sanitária e social – tudo ao mesmo tempo. Tudo isso agrava a pandemia no país.

“No nosso caso específico, temos um SUS extremamente potente, com uma possibilidade grande de ser criativo nessa situação. Mas, ao mesmo tempo, ele vive, nos últimos 30 anos, com um subfinanciamento crônico, convivendo com um setor privado subregulado e que tem sido objeto de prioridade”, analisou, na ocasião. 

O professor Jairnilson Paim ingressou na Ufba pela primeira vez em 1967, na graduação em Medicina
(Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO)

Mas não basta debater: a covid-19 e o SUS também viraram um projeto de pesquisa. Submetido a um edital do CNPq e sob a coordenação da professora Isabela Pinto, diretora do ISC, o projeto foi aprovado e deve reunir investigações sobre modelos, estratégias e ações de vigilância e de proteção aos trabalhadores, comparando sistemas de saúde. 

“A vigência é de dois anos, ainda que os resultados devam ser publicizados no processo e não apenas no término do projeto”, adiantou o professor Jairnilson. 

O pesquisador

Mas, no que se refere a ele mesmo, os dados – a exemplo do próprio número de cópias vendidas por um de seus principais livros – falam por si. Aos 71 anos, aposentado desde janeiro de 2019, ele é um dos pesquisadores com produtividade 1A na Ufba, onde cursou todos os seus estudos. Da graduação em Medicina, iniciada em 1967, passando pelo doutorado em Saúde Coletiva, concluído em 2007, até chegar ao ponto mais alto da carreira científica no CNPq, toda sua trajetória esteve ligada à Ufba. Prata da casa, diriam alguns. 

Nas comunidades acadêmicas, é comum haver movimentos para evitar a chamada endogenia – o nome, emprestado da Biologia, diz respeito à ação de se formar e ficar, o tempo todo, no mesmo grupo, no mesmo lugar. Daí, inclusive, os programas de estímulo à internacionalização das universidades. Mas o professor Jairnilson, de alguma forma, foge à toda regra. 

“Tudo que fiz foi na Ufba a partir da Ufba. Eu não fiz nenhum curso no exterior. Não falo isso por soberba; falo para expressar minha gratidão à Ufba. Tudo que eu sou e fiz foi pela Ufba”. 

(Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO)

Em sua entonação, muito mais uma constatação do que qualquer outra coisa. Se sua vida tivesse sido alvo de uma investigação científica, no meio do caminho, os autores de estudo certamente se deparariam com os seguintes números: 163 artigos completos publicados em periódicos, 14 livros publicados, 33 mestres orientados (inclusive o ex-reitor da instituição Naomar de Almeida Filho) e 15 doutores formados. 

Comunidade

O professor entende que, para quem está distante da vida na universidade, esses números representam outro universo – ou podem nem representar nada. Acredita que muita gente não conhece o trabalho que é feito por pesquisadores. Alguns até usufruem do que é produzido pelos estudos, mas não sabem que aquilo ali começou com cientistas.

Por isso, em junho do ano passado, foi um dos responsáveis por uma aula pública na reitoria da Ufba. Ele e outros colegas tiveram a iniciativa de criar a aula, que teve como tema ‘A universidade e o direito à saúde’. Queriam defender a instituição e, ainda, mostrar à sociedade o que, de fato, se produz ali. O momento era crítico: em maio, o Ministério da Educação (MEC) tinha anunciado o bloqueio de mais de R$ 55 milhões do orçamento de custeio da Ufba – ou seja, mais de 30% da verba destinada a despesas como água, luz, limpeza e segurança.

Em junho de 2019, o professor Jairnilson ministrou uma aula pública com a participação de outros docentes, como o reitor João Salles
(Foto: Arisson Marinho/Arquivo CORREIO)

“Tem uma palavra em inglês que é ‘accountability’ (prestação de contas). Significa que você tem uma responsabilização pelo que está fazendo. Ao mesmo tempo que você dedicou sua vida à pesquisa, também é importante divulgar o que estamos fazendo”, disse. 

O exemplo para compreender como o trabalho dos pesquisadores chega à população não poderia ser mais claro, em seu caso. Em seu perfil na Plataforma Lattes, o professor Jairnilson resume seus interesses de pesquisa em política de saúde, planejamento em saúde, reforma sanitária brasileira e SUS. 

O SUS, sobre o qual tanto se debruçou, só existe graças a professores como ele. O sistema único que oferece desde vacinas e o programa de Saúde da Família até tratamentos contra o câncer não veio do estado. Não começou por uma iniciativa de governo, nem por projetos de partidos políticos. 

“A universidade fundamentou o direito à saúde pelos estudos, pela revisão da experiência prévia em outros países, pela discussão que os alunos faziam com professores nas semanas comunitárias de saúde, pelo fato de os professores e estudantes irem a comunidades na Zona Leste de São Paulo; em Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro; em Plataforma e no Nordeste de Amaralina, em Salvador”. 

Agora, diante da pandemia, o sistema tem sido colocado à prova mais uma vez. Uma das perspectivas de estudo do projeto elaborado sobre covid-19 é justamente tentar identificar quantas vidas foram salvas por sistemas universais de saúde, como o SUS, e sistemas privados, chamados por ele de pró-mercado. 

“Apesar de o SUS ter sido reduzido e desestruturado nos últimos cinco anos, diferentes setores da sociedade e do estado reconhecem a sua efetiva contribuição para o enfrentamento da pandemia no Brasil. Já o sistema de saúde norte-americano, segmento majoritariamente privado, acumula até o momento mais de 113 mil mortes”, disse, referindo-se aos números na ocasião em que falou com a reportagem, na segunda semana do mês de junho.  Hoje, as mortes por covid-19 nos Estados Unidos já passam de 126 mil. 

Interesse pela pesquisa

No segundo ano do curso de Medicina, no fim da década de 1960, o então estudante Jairnilson participava de seu primeiro grupo de estudos. Ainda não era na universidade; o grupo era vinculado ao Hospital Aristides Maltez. Na Ufba, a pesquisa veio lá pelo quinto ano da graduação, quando foi convidado a participar de uma pesquisa sobre Doença de Chagas. 

“Em um verão baiano, enquanto todo mundo estava indo para praia, eu estava fazendo pesquisa com camundongos, ratinhos e as culturas de Trypanosoma cruzi (o agente etiológico da Doença de Chagas)”, lembrou, aos risos. 

Nessa época, a Ufba já contava com um departamento de Medicina Preventiva. Por ali, continuou se aproximando das pesquisas. Tornou-se monitor e, quase todo fim de semana, viajava para a zona rural de cidades como Sapeaçu e Cruz das Almas. Lá, faziam exames com as fezes das crianças para a pesquisa de campo. Depois, participou de um projeto em um centro de saúde no Nordeste de Amaralina. 

Foi na monitoria que percebeu que queria ser professor universitário. Era algo que, até então, nunca tinha sido cogitado. Daí, emendou a graduação no mestrado. Ainda no sexto ano da faculdade, sabia que faria mestrado em Medicina e Saúde. Foi ali que teve o primeiro contato com um tema que viria a acompanhá-lo durante toda a vida: os indicadores de saúde no Brasil. 

“Nós vivíamos, na época, numa ditadura, em que essas relações entre saúde e sociedade não era bem discutidas. Nós vivíamos um paradoxo: era um momento em que o PIB crescia 10% ao ano, em média, e as condições de saúde da população estavam piorando”. 

Em 1975, ano que defendeu a dissertação, se tornou professor – passou em uma seleção pública para ser professor auxiliar. Naquele mesmo ano, abriu um concurso para professor assistente, em que os candidatos precisariam ter uma tese, que equivaleria à tese de doutorado hoje. Assim, naquele mesmo ano, o professor Jairnilson defendeu uma dissertação e escreveu uma tese. Passou por cada degrau da carreira acadêmica até alcançar o mais alto – o de professor titular – em 2000. 

Só a versão impressa do livro vendeu 15 mil exemplares e, de acordo com a Editora Fiocruz, é um dos carros-chefe. É possível conferir o texto na íntegra no e-book interativo de acesso aberto e gratuito clicando aqui. A versão digital tem mais de dois mil acessos por mês (Foto: Divulgação/Editora Fiocruz)

Produtividade

A relação com o CNPq veio de forma concomitante. Desde 1978, é bolsista do órgão. Se tornou 1A, pela primeira vez, em algum momento entre 1980 e 1990. Não sabe ao certo. Só que a produtividade é constantemente avaliada. Em algum ano, passou a ser 1B e depois, há uns cinco ou seis, voltou a ser 1A. 

“Você poderia imaginar ‘ah, ficou mais burrinho’, mas não é bem assim. É que se tiver outros tantos disputando vagas, você termina, às vezes, deslocando algum para 1B. Se eu publiquei 10 trabalhos e alguém chegou e publicou 30, pode ser que ele pegue minha vaga, porque é uma situação muito competitiva”. 

De 2013 até o ano passado, tocou um de seus maiores projetos. Venceu um edital do CNPq com o Ministério da Saúde para criar uma rede de pesquisadores em política de saúde com uma ferramenta chamada Observatório de Análise de Políticas e Saúde e um centro de Documentação Virtual alimentado pelas próprias pesquisas. 

O projeto do Observatório de Análise Política em Saúde foi coordenado pelo professor por cinco anos
(Foto: Reprodução)

Esse projeto tinha 12 eixos de pesquisa, além de reunir profissionais da Bahia, e de instituições como a Universidade de São Paulo (USP), a Universidade de Brasília (UnB) e a Universidade Federal do Ceará (UFC). Juntos, estudaram temas como a judicialização da saúde, o próprio SUS, a saúde na infância e a relação da mídia com a saúde. No início do ano passado, apresentaram o relatório. 

“Uma das coisas que mais chamou atenção foi ver um país em que a saúde sempre foi subfinanciada enfrentar, a partir de 2015 e 2016, um conjunto de políticas de austeridade. A política de austeridade é um remédio para a crise, mas o remédio pode ser pior do que a doença”, ponderou. 

O alerta vem acompanhado de uma lista. Cita exemplos concretos que documentaram de lá para cá: o crescimento da mortalidade infantil, o reaparecimento do sarampo, ameaças ao avanço do controle do HIV/AIDS. 

Sem férias

Para os alunos, tem uma orientação frequente: o pesquisador não deve negar o senso comum, mas superar. Não basta ler um artigo. Tem que olhar a metodologia para ver se é compatível com o objetivo e as conclusões. Se não for, os resultados, por consequência, serão questionáveis.

Pesquisador 1A do CNPq, dedicou a vida a estudar o SUS e as políticas de saúde
(Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO)

“A atenção básica diminuiu as internações hospitalares. Antes, a maioria das hospitalizações era por diarreia e, depois do SUS, praticamente ninguém com diarreia se hospitaliza. Ou seja, é porque está resolvendo na atenção básica”, dizia. 

A Ufba tinha anunciado funcionamento parcial no início do segundo semestre de 2019; a medida foi justamente para reduzir os gastos após os cortes de recursos repassados pelo MEC. Muitos professores aproveitaram o período para tirar férias, inclusive porque o acesso à universidade estava restrito. Mas não o professor Jairnilson. 

“Eu já estava de férias”, riu, referindo-se à aposentadoria. Em seguida, explicou: mesmo com ele aposentado, o grupo de pesquisa continuava trabalhando, com reuniões transferidas para o turno da manhã. Antes da entrevista, marcada para 10h, tinha feito duas sessões de orientações. 

Nas aulas, tenta fazer relações com a arte. Durante toda a conversa com o CORREIO, fez citações e analogias. Citou Karl Marx duas vezes; numa delas, a célebre frase de que ‘se a aparência e a essência das coisas coincidissem, a ciência seria desnecessária’. Em outro momento, lembra a Estação Primeira de Mangueira. 

“Infelizmente, só vi o desfile pela televisão. A Mangueira é uma favela, um morro, que produziu coisas incríveis. Cartola era da Mangueira. Mas eu quero chegar em Paulinho da Viola”, explicou, retornando ao assunto inicial: como, nas aulas, citava a música de Paulinho da Viola para a Mangueira para mostrar a relação entre ciência e a arte. 

“A vida não é só isso que se vê. É um pouco mais, que os olhos não conseguem perceber”, completou, parafraseando Sei Lá, Mangueira, música de Paulinho da Viola e Hermíno Bello de Carvalho. Ou seja, continua, existem outras formas de entender a vida. William Shakepeare fez isso, Nelson Rodrigues também. 

Para o professor Jairnilson Paim, a sociedade tem obrigação de fazer ciência, mas não deve se deslumbrar com ela.

“A gente tem que entender que tem outras formas de saber que também são válidas para entender a vida, a realidade, o mundo”, enumerou.

O professor Jairnilson já formou 15 doutores e mais de 30 mestres
Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO)

Biografias

É por isso que não lê só o que é produzido na sua área. Gosta de literatura, política, filosofia. É apaixonado por biografias. Na ocasião da entrevista, citou a leitura de Sobre Lutas e Lágrimas: Uma Biografia de 2018, lançado no ano passado pelo jornalista Mário Magalhães. 

Diz que demora de aprender coisas novas. Não tem e não usa celular. “Quem lhe disse isso, menina?”, perguntou, entre uma gargalhada e a explicação para evitar o aparelho. Além de se considerar ‘jurássico’, acha o celular muito invasivo. 

Escuta João Gilberto e, antes da pandemia, só não ia mais ao cinema porque os horários não lhe são muito atraentes. Ama a praia, especialmente o Porto da Barra e Guarajuba, em Camaçari. Também antes de ficar confinado, saía todos os dias para caminhar pelo Centro da cidade. Caminhando, explica, costuma ter ideias para projetos de pesquisa. De uma ‘andada’, no mínimo, vem a inspiração para um parágrafo ou um artigo. 

Pai de dois filhos (uma publicitária que fez doutorado em Saúde Coletiva e hoje é professora do ISC; e um advogado que integra o Conselho Estadual de Saúde), tem dois netos: um de 15 anos, outro de cinco. O mais velho diz que vai cursar Biologia; o mais novo ainda “está muito pirralhinho”. 

Se alguém, em algum momento, tentou desestimulá-lo na pesquisa, não funcionou. Vez ou outra, escuta uma brincadeira de algum amigo: os colegas médicos estão bem, financeiramente, e têm até fazendas; ele, por outro lado, ‘tem muito lattes’. 

“Eu nunca tive muito ânimo para ser rico, para ganhar dinheiro. Meus interesses são outros. Eu defendo o público. Fui, a vida toda, um servidor público. Na verdade, eu sou um servidor do público. Mesmo que o estado me pague, meu compromisso é com a população. Isso que me deu satisfação na vida”, justificou o professor Jairnilson, explicando, de forma indireta, o motivo de não gostar de falar na primeira pessoa do singular. 

Formação acadêmica, segundo o Lattes:

  • 2006 – 2007
    Doutorado em Saúde Coletiva – Ufba
  • 1973 – 1975
    Mestrado em Medicina e Saúde – Ufba
  • 1967 – 1972
    Graduação em Medicina – Ufba

Produtividade em números

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Maurício Barreto: o epidemiologista que está na linha de frente dos estudos sobre covid-19 https://especiais.correio24horas.com.br/ocerebrodaufba/mauriciobarreto/ https://especiais.correio24horas.com.br/ocerebrodaufba/mauriciobarreto/#comments Thu, 25 Jun 2020 04:18:18 +0000 https://especiais.correio24horas.com.br/ocerebrodaufba/?p=3062 Trabalhos do professor correram o mundo: da Universidade de Londres à OMS; hoje, ele também assessora os estados do Nordeste Em pouco tempo, o professor e […]

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Trabalhos do professor correram o mundo: da Universidade de Londres à OMS; hoje, ele também assessora os estados do Nordeste

Em pouco tempo, o professor e epidemiologista Maurício Barreto percebeu que o cenário era diferente. Desde o início de 2020, a produção científica tinha atingido níveis altíssimos devido à pandemia da covid-19. A cada dia, centenas de novas publicações continuam a ser divulgadas, em todo o mundo. Em algumas plataformas que reúnem artigos científicos, como Pubmed, há mais de 25 mil estudos disponíveis. 

O movimento não é injustificado: pouco se sabia sobre o novo coronavírus. Mesmo hoje, ainda há muitas perguntas sem resposta. Muito do que se conhece vem de experiências anteriores, como a gripe espanhola, em 1918. Por isso, tantos cientistas começaram a se debruçar sobre a doença. 

Mas não adianta que a produção seja tão grande e difusa se não houver quem consiga analisar e, a partir disso, divulgar para a sociedade – até porque muitas investigações sequer tiveram tempo de passar por revisão de pares. Foi nesse contexto que o professor Maurício decidiu criar a Rede Covida – um projeto de produção, seleção e divulgação científica sobre a covid-19. 

“Esse conhecimento precisa ser digerido para ser transformado em dado para a sociedade. O processo de produção é muito controverso. Tem dúvidas em várias áreas e saem controvérsias; um diz uma coisa, outro diz outra”, explica ele, que é professor aposentado da Universidade Federal da Bahia (Ufba) e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), onde coordena o Centro de Integração de Dados para Saúde (Cidacs). 

A Ufba e o Cidacs são justamente as duas instituições que coordenam a Rede Covida, formada, hoje, por cerca de 150 pesquisadores e comunicadores voluntários. A maior partes está ligada a pelo menos uma delas, mas há gente de todo o Brasil e mesmo de outros países. 

Inicialmente, o objetivo não era fazer pesquisa. O principal foco do grupo, hoje coordenado por 11 pessoas, inclusive o professor Maurício, era organizar e sistematizar o conhecimento que vem sendo produzido. Divididos em áreas temáticas, fazem revisão de literatura, esclarecem dúvidas, produzem documentos e notas técnicas para a sociedade. 

Na mais recente, divulgada em junho, a Rede Covida desaconselhou o uso de ivermectina no tratamento da covid-19, devido à falta de provas científicas de que seja efetiva. 

“Se a gente começasse cada um com seu problema de pesquisa, o conhecimento continuaria muito disperso. Porém, mais recentemente, isso vem gerando questões de pesquisa. Como todo mundo é pesquisador, foi um desdobramento natural”, diz o professor Maurício, que está diretamente envolvido com um projeto que investiga os possíveis efeitos do bacilo de Calmette-Guérin (BCG) no coronavírus.

Pelo mundo

Por muitos anos, ele desenvolveu trabalhos sobre BCG na Ufba, mesma instituição onde formou-se médico e, posteriormente, virou mestre. Lá, com uma longa trajetória, se tornou um dos pesquisadores com produtividade 1A do CNPq, o mais alto grau de progressão na carreira científica do órgão federal, na instituição. 

Seus projetos, na verdade, foram além dos muros da Ufba. Os trabalhos sobre epidemiologia e saúde coletiva correram o mundo: da Universidade de Londres à Fiocruz Bahia; do Ministério da Saúde à Organização Mundial da Saúde (OMS). 

Em março deste ano, após uma atualização do CNPq, sua bolsa passou a ser ligada à Fiocruz, onde também atua há seis anos. Desde 2014, após ter se aposentado da Ufba no ano anterior, ele trabalha como pesquisador-especialista na fundação. Mas o vínculo com a Ufba continua tanto como professor emérito quanto professor permanente do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva. 

É por isso que, enquanto um dos grandes nomes da pesquisa em epidemiologia e doenças infecciosas, não consegue deixar de se preocupar com recentes tendências no Brasil e do mundo – a exemplo do movimento antivacina, considerado pela OMS uma das dez ameaças à saúde em 2019. 

Até poucos anos, esse comportamento era impensável, segundo o professor. Isso porque o programa de imunização brasileiro é considerado por especialistas uma conquista importante. 

“Tem muita pesquisa no Brasil, um movimento de tecnologia e a importância de mostrar os efeitos da vacina. Isso era impensável, mas acho que, com todo um movimento de descrédito da ciência surgindo nos últimos anos, é como se a ciência fosse uma coisa meio diabólica e o que ela contribuiu não fosse suficiente ou verdadeiro”, criticou.

Para o professor Maurício, a tendência anticiência é uma das mais estranhas, porque, por muito tempo, acreditava-se que a ciência estava consolidada. Ainda que seja sujeita a críticas e questionamentos, havia uma compreensão generalizada da sua importância. 

“Mas a epidemia (da covid-19) trouxe uma coisa: como a doença é muito nova, o único método de conhecer algo novo é através do método científico. Mais do que nunca, todo mundo viu que era necessário ter o método científico. E quem domina isso são os pesquisadores”, reflete. 

Nesse momento, a ciência tem conseguido orientar governantes – no Brasil, pelo menos governadores e prefeitos. Foi com o objetivo de fazer recomendações para políticas de saúde dos nove estados nordestinos que foi criado o comitê científico do Consórcio Nordeste, do qual o professor Maurício é um dos membros. 

No comitê, coordenado pelo neurocientista Miguel Nicolelis e pelo ex-ministro da Ciência e Tecnologia Sergio Rezende, ele é responsável pelo subcomitê de epidemiologia. 

“Cada estado tem sua autonomia, mas o comitê foi criado para dar assessoria. O papel é de interpretar o conhecimento científico e fazer recomendações. Tendo em vista que é algo que ninguém conhece bem, esse é o papel que a gente entende para a ciência”, diz o professor. 

Todo o trabalho tem sido feito de casa, de forma virtual. “Tenho 66 anos. Sou grupo de risco, então tenho me mantido em casa, mas é uma mudança na rotina de vida. Tudo por Zoom e outros aplicativos. Nós já tínhamos o hábito de fazer reuniões com grupos de fora no Cidacs, mas agora se intensificou”, conta.

Educação

Aos oito anos de idade, o pequeno Maurício Barreto viu seus pais tomarem uma decisão que mudou o destino da família: para dar uma educação melhor aos sete filhos, saíram de Itapicuru, no Nordeste baiano, com destino a Salvador. 

Foi o primeiro passo para que sua trajetória cruzasse os caminhos da ciência, anos mais tarde. Vieram os anos da adolescência; percebeu que gostava de Ecologia e quase acabou tornando-se biólogo. Mas, depois de conversas com a família e os amigos, foi aprovado no vestibular de Medicina da Ufba aos 17 anos – o único que prestara, em 1972.

“Eu já me interessava em fazer (o curso) na Ufba. Não fiz em outras universidades não só por questões econômicas, mas porque sabia que, na Ufba, existiam coisas diferentes”, lembrou. 

Seus principais interesses de pesquisa são doenças infecciosas e epidemiologia
(Foto: Marina Silva/CORREIO)

Mesmo sem ter muita clareza do que significava ser um pesquisador, o Maurício da época do vestibular já sabia que queria trabalhar com questões do conhecimento. Queria estar ligado à ciência. Assim, logo no segundo ano do curso de Medicina, já tinha se aproximado dos professores que desenvolviam pesquisa. 

Com um grupo de colegas, acompanhou um professor que estudava os tecidos do corpo humano. Em seguida, deparou-se com a Epidemiologia – aquela que viria a ser sua companheira pelos anos seguintes. Na época de internato, no quinto ano, quando estava no Hospital Couto Maia, aplicou para uma bolsa de iniciação científica do CNPq.

“Naquela época, as bolsas eram muito raras. Hoje, é comum, mas, antes, tinha todo um processo de aplicação e consegui”. 

Enquanto cursava a graduação, percebia uma coisa: seu principal interesse era por questões gerais, que fossem além do paciente. Assim, a Epidemiologia apareceu como uma das possibilidades para entender as causas de saúde e de doença com relação às populações, da sociedade e do ambiente. 

Fez o mestrado em Saúde Coletiva e, a partir dali, decidiu que queria amadurecer como pesquisador. Começou a buscar, imediatamente, uma bolsa para fazer doutorado fora do Brasil. Foi assim que, em 1983, deu início ao doutoramento em Epidemiologia na Universidade de Londres, na Inglaterra. 

A adaptação foi difícil: era a primeira vez que viajava para fora do Brasil, justamente em um ano em que Londres passava por um inverno rigoroso.

“Eu tinha alguma fluência em inglês, mas até me acostumar com a língua, foi um pouco difícil. Mas, no final, foi uma experiência positiva, principalmente para conhecer o ambiente diferente das nossas universidades”, admitiu. 

Professor

Na Ufba, já era professor colaborador antes mesmo do doutorado – desde 1980.

Aposentado desde 2013, ele continua na pós-graduação fazendo pesquisas
(Foto: Marina Silva/CORREIO)

“Não fiz a opção de estar na universidade só por ensinar, mas para fazer pesquisa. Mas sempre gostei de ensinar e acho importante ter relação com os estudantes. É sempre uma coisa enriquecedora, porque não entendo o pesquisador como algo isolado do mundo”. 

Mas, uma hora, é preciso parar. A vida de professor é dura. Por isso que se aposentou em 2013, mas decidiu continuar na pós-graduação, desenvolvendo suas pesquisas.  

Nos últimos anos, essa pesquisa foi direcionada ao estudo de impactos de grandes intervenções sobre a saúde da população. Primeiro, desenvolveu um teste para saber se a revacinação com BCG tinha efeito na saúde. Depois, o professor Maurício e seu grupo avaliaram o Bahia Azul, programa de saneamento ambiental dos anos 1990, na saúde. Por fim, vieram estudos sobre os efeitos de programas sociais como Bolsa Família nos indicadores de saúde. 

Desde 2016, ele coordena o Cidacs – um centro ligado à Fiocruz-Bahia por meio de um convênio com a Ufba, que utiliza grandes bases nacionais para fazer estudos epidemiológicos sobre impactos nas populações. Só no centro, lidera um grupo grande de jovens pesquisadores, a exemplo de 14 pós-doutores. 

“Nós tivemos a sorte de ainda não ter sofrido um impacto grande no cotidiano porque a gente conseguiu alguns financiamentos antes dessa crise e tem conseguido manter o centro. Mas a situação é extremamente preocupante e estamos ficando no nosso limite. Se agravar mais, pode se catastrófico”, alertou.

Em 2016, o professor Maurício Barreto deu um depoimento especial para as comemorações dos 70 anos da Ufba. “Minha história toda é na Ufba”, afirmou

Reconhecimento

A classificação para 1A veio há mais de 20 anos, em 1998. Já era pesquisador do CNPq há pelo menos 11 anos. Para ele, é um reconhecimento da comunidade científica. Algo que indica que, entre seus pares, é aceito como alguém que contribuiu para sua área. Mas, além disso, é membro de entidades como a World Academy Science – associações que, para participar, é preciso ser escolhido por outros pesquisadores. 

Esse prestígio, na avaliação dele, é importante para a Ufba. Ao contrário de intelectuais e escritores, por exemplo, que escrevem para si, o pesquisador tem um vínculo institucional. 

“O prestígio está dividido com esse vínculo. Acho que a universidade é muito baseada em pessoas. Claro que tem a estrutura, mas uma das coisas mais importantes e centrais é a contribuição que as pessoas dão”, disse. 

Ele nunca teve meta de produção. Mesmo assim, tem índices altos – 482 artigos publicados em periódicos, por exemplo. A diferença, ressalta, é que sua área é uma das que os pesquisadores mais trabalham de forma integrada. 

Ou seja: todos trabalham como um grande time. Ainda que existam experiências e lideranças, a maioria das áreas da ciência não tem mais o pesquisador que trabalha individualmente.

“Temos a idealização do vencedor do Prêmio Nobel (como alguém que é destaque individual), mas isso está se diluindo cada vez mais, principalmente quando envolve trabalhos empíricos”.

Hoje, o professor Maurício coordena um centro de dados em parceria com a Fiocruz, o Cidacs
(Foto: Marina Silva/CORREIO)

Em casa

Na família do professor Maurício, alguns dos irmãos – filhos de um coletor (o antigo auditor fiscal) e de uma costureira – tornaram-se professores da Ufba. O professor Maurício casou com uma professora: a também médica Estela Aquino, referência nos estudos de Gênero e Saúde. 

Dos três filhos que teve, apenas um não seguiu a carreira de pesquisador – formou-se cirurgião. A outra fez Direito e, atualmente, cursa o doutorado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A terceira filha, historiadora, já fez mestrado e trabalha no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

Nas horas em que não está pesquisando, continua lendo. Mas procura outros interesses; já esteve muito interessado em filosofia, por exemplo. Acompanha periódicos porque sente que precisa estar constantemente atualizado com o que acontece no mundo.

Parte da família do professor Maurício é de pesquisadores: assim como ele, a esposa e duas filhas são cientistas
(Foto: Marina Silva/CORREIO)

“Não sou um solitário, mas gosto da solidão. Gosto de ficar sozinho, às vezes, para pensar. Eu tento me conectar com outras coisas que vão além do limite da ciência que eu faço”, explicou.

Formação acadêmica, segundo o Lattes:

  • 1983 – 1987
    Doutorado em Epidemiologia – University of London, UL, Inglaterra
  • 1979 – 1982
    Mestrado em Saúde Coletiva -Universidade Federal da Bahia
  • 1977 – 1977
    Especialização em Saúde Pública – Fundação Oswaldo Cruz, Fiocruz
  • 1972 – 1977
    Graduação em Medicina – Universidade Federal da Bahia

Produtividade em números

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Professor do Instituto de Química, ele também estuda o coronavírus na água e no ar

A mãe do professor Jailson de Andrade tem aquela que talvez seja a melhor definição do filho. Costuma dizer que ele é formado por três ‘Ps’: é professor, pescador e pesquisador. Aos 90 anos, ela não poderia estar mais certa. 

O primeiro ‘P’ é mais óbvio: desde 1976, Jailson é docente do Instituto de Química da Universidade Federal da Bahia (Ufba). Em 1999, se tornou titular – ou seja, atingiu o nível mais alto da carreira acadêmica, na progressão de cargos das universidades federais. 

O ‘pescador’ vem do fato de ter barco há quase 30 anos. Ao longo desse período, trocou de embarcação algumas vezes. “Navegar é uma coisa que faz parte do meu dia a dia”, revelou ele, que diz ter um amor especial pela praia de Cacha Pregos, na Ilha de Itaparica, na Região Metropolitana de Salvador (RMS). Desde que foi pela primeira vez, aos 13 anos, não consegue ficar muito tempo longe. O hábito, porém, foi interrompido na quarentena.

E, por fim, é pesquisador à frente de alguns dos principais projetos do estado: ele é um dos pesquisadores com produtividade 1A pelo CNPq na Ufba. Pesquisadores 1A são aqueles que estão no nível mais alto da pesquisa científica no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, definidos entre aqueles que se destacam entre seus pares.

Em março deste ano, após uma atualização do CNPq, sua bolsa passou a ser ligada ao Senai Cimatec, onde também atua. Também colaborador de outras instituições, ocupa o cargo de pró-reitor de Pós-graduação e Pesquisa do Centro Universitário Senai-Cimatec.    

(Foto: Marina Silva/CORREIO)

Mas foi a partir da Ufba, onde entrou pela primeira vez em 1970, como estudante de graduação em Química, que traçou sua trajetória nos 50 anos seguintes. 

“Meu DNA está ligado à Ufba. Na parte de pós-graduação, por exemplo, coordenei a implantação do doutorado em Química e, depois, o de Energia e Ambiente, com colegas”, contou o professor, hoje com 68 anos.

“Quando solicitei a renovação, eles consideraram o endereço formal (do Cimatec), mas não quer dizer que eu esteja fora da Ufba. Tudo continua igual”.

Como pesquisador 1A, é o coordenador de um dos oito Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs) da Ufba. Os institutos são ligados ao CNPq e foram criados para apoiar os principais grupos de pesquisa do país. Desde 2008, com o surgimento do primeiro edital, ele conseguiu trazer um INCT para a Ufba. Era um núcleo que reunia pesquisadores da USP, UFRJ, Unicamp, UFRJ, UFRGS, entre outras instituições.

(Foto: Marina Silva/CORREIO)

Química na pandemia

Com tanta experiência e toda essa estrutura, o professor Jailson logo se envolveu com as pesquisas sobre a covid-19. Nos últimos meses, elaborou dois projetos que devem dar respostas importantes à pandemia do coronavírus: um é sobre a presença do vírus em corpos d’água e em esgotos e outro sobre a presença no ar dos ambientes internos (hospitalares) e externos, bem como as possibilidades de contágio em cada um. 

O primeiro, inscrito em um edital do CNPq para o tema, já foi aprovado, mas no limite dos recursos. Ou seja, ainda que o órgão tenha autorizado, não selecionou a proposta para receber investimento nesse primeiro momento. “Assim, a ideia é absorver esses estudos nos projetos que temos em andamento”, explica o professor, hoje também confinado, como a maioria dos colegas. 

“Já temos trabalhos ligados à parte atmosférica e à parte da água. As perguntas agora são: o que está sendo determinado, que tipo de amostradores podemos fazer, o tamanho do vírus em escala nanométrica”, diz. 

O Senai Cimatec foi o responsável por desenvolver as câmeras de desinfecção que foram instaladas em hospitais da rede pública, para profissionais que estão na linha de frente do combate à covid-19. Os túneis, que pulverizam hipoclorito de sódio por 10 segundos nos profissionais, já são utilizados em unidades de referência para coronavírus, como o Hospital Espanhol e o Instituto Couto Maia, ambos em Salvador.

É por isso que, para o professor Jailson, é tão importante saber o que tem no ar. “O que está no ar é o que deposita na roupa. Depois que a pessoa passa pela câmera, isso diminui. Mas a forma de transporte mais eficiente (do vírus) é o ar. Em seguida, vêm os corpos de d’água. Então, se você combina a mobilidade do ar com a dos corpos d’água, dá uma boa visão de contaminação de ambientes internos e externos”. 

De casa, mantém o que chamou de “diário do presidiário”. “Hoje é o dia 84. Cada dia, anoto na minha agenda há quanto tempo estou sem sair de casa, sentado na frente do computador”, disse, quando conversou novamente com a reportagem, na segunda semana do mês de junho. 

A rotina no computador se intensificou. Além das reuniões de trabalho, é frequentemente convidado para palestras e seminários por videoconferência – ou, como tanto se popularizou na quarentena, as ‘lives’. Às vezes, são tantos convites para  um mesmo dia que precisa recusar. Mas as demandas virtuais têm tido seu lado bom.

“Antes, reunir o comitê gestor do nosso INCT custava entre R$ 15 mil e R$ 20 mil, porque tenho pessoas no Rio Grande do Sul, Paraná, São Paulo, Santa Catarina, Rio de Janeiro. Com custos de passagem, eu já ficava triste. Só isso era um valor imenso. Nesse pandemônio agora, já fizemos duas reuniões com custo zero e está todo mundo aprendendo”, conta. 

Só no INCT, são mais de 50 envolvidos. Para o professor Jailson, a pandemia da covid-19 trouxe a ciência de volta para o foco. “Mostrou que a ciência está na base de tudo. Você não consegue mover o mundo fora da base da ciência. É ela quem guia. Um país pode até não estar na ponta daquela questão, mas a resposta tem que vir da ciência”, defende.

Família ciumenta

O professor Jailson não é casado, nem teve filhos. Durante toda a vida, dedicou-se à ciência. “Para mim, a ciência é uma outra família extremamente ciumenta”, divertia-se. Talvez o caminho tivesse sido outro se, ao entrar na graduação, não tivesse tido contato com professores que foram tão importantes para que seguisse na academia. 

Cheio de orgulho, cita dois: o professor Raphael de Menezes Silva Selling, um dos primeiros a desbravar a Química Inorgânica na Ufba, e o professor Antônio Celso Spinola Costa, da Química Analítica. De alguma forma, foi como se os dois apresentassem, ao estudante Jailson, um mundo novo. Assim, enquanto muitos colegas foram para o setor empresarial – o Polo Petroquímico de Camaçari era um dos que mais atraía recém-formados –, Jailson ia no sentido oposto. 

Assim que terminou a graduação, emendou o mestrado. Naquela mesma época, começou a dar aulas no curso de Química. Foi justamente quando o professor Raphael se aposentou e Jailson assumiu a disciplina que ele dava, no Departamento de Química Geral e Inorgânica. 

“Daí começa meu interesse pela ciência. E é o que eu sempre quis na vida: ser professor, fazer pesquisa científica”, afirma ele, que começou a ser bolsista de produtividade do CNPq entre 1988 e 1989.

Passou por todos os degraus até chegar à classificação de 1A, em 1999. 

(Foto: Marina Silva/CORREIO)

Entre o fim dos anos 1980 e o início dos 1990, a pesquisa em Química no Brasil cresceu. Ali, o país lançou um programa de incentivo à ciência em parceria com o Banco Mundial, que tinha, como um dos principais aspectos, a meta de aproximar a academia do mercado. Na Bahia, com o Polo Petroquímico, esse ambiente ficou ainda mais favorável. 

Foi quando o doutorado em Química da Ufba foi criado, em 1992, com direito a financiamentos diversificados e pesquisas com foco no setor empresarial. Enquanto isso, o professor Jailson desenvolvia o próprio trabalho, tornando-se cada vez mais interdisciplinar. 

Se, na Química, hoje, as divisões parecem ser bem definidas, ele prefere não escolher. Na Ufba, foi professor titular do Departamento de Química Geral e Inorgânica. No CNPq, sua área é a Química Analítica. Há quem aposte que seu trabalho, na verdade, é em Química Ambiental, e muita gente diz que ele faz a ligação entre Energia e Meio Ambiente. 

“Eu sou professor de Química e gosto de olhar os fenômenos com a visão mais larga possível. Essas classificações são para facilitar, colocar o indivíduo em uma caixinha, mas o principal é ter uma visão ampla”, rebate o professor, também presidente da Academia de Ciências da Bahia e vice-presidente regional para o Nordeste da Academia Brasileira de Ciências.

(Foto: Marina Silva/CORREIO)

À frente da ACB, ele deve promover, mais uma vez, o 2 de Julho da Ciência. A data, que costuma ser celebrada em manifestações juntamente aos festejos públicos pelo Dia da Independência da Bahia. Dessa vez, haverá uma marcha virtual em defesa da ciência.

Baía de Todos os Santos

Em 2008, em uma reunião com a Fundação de Amparo à Pesquisa da Bahia (Fapesb), percebeu algo importante: a Baía de Todos os Santos poderia ser um bom foco de pesquisa. A Fapesb se interessou pelo programa e o professor passou um ano inteiro construindo o projeto, mapeando as instituições baianas que queriam estudar a Baía. Podia ser de qualquer área, desde que a Baía de Todos os Santos fosse o foco do estudo.

Resultado: o professor Jailson se viu à frente de um enorme projeto, que reunia Ciências Humanas, Exatas e Artes. Além do tamanho, a própria duração é um diferencial, em comparação a outros programas: o projeto total deve levar 30 anos, dividido em seis ‘ondas’ de cinco anos. 

“Fazer as pessoas falarem a mesma língua levou um tempo, mas decolamos. A dúvida era: vocês terão fôlego?”, lembrou.

Pois, as duas primeiras ondas já foram concluídas. Entre os produtos da pesquisa, há livros sobre história colonial, estudos sobre baías, ações poéticas, atlas da culinária e relatórios sobre aspectos humanos, oceanográficos e em segurança, meio ambiente e saúde. Até uma coletânea com textos escritos por professoras da rede municipal de Vera Cruz, com histórias sobre a Ilha de Itaparica, foi lançada.

O projeto sobre a Baía de Todos os Santos reúne pesquisadores de diferentes áreas
(Foto: Reprodução)

Atualmente, estão na terceira fase, cujos recursos vieram do próprio CNPq, após praticamente todo o ano de 2018 de negociações. Assim, até 2023, há recursos garantidos. 

Para a quarta fase, a Fapesb, que andava com dificuldades financeiras, deve conseguir apoiar mais cinco anos. “Mesmo com toda tempestade, a Baía de Todos os Santos continua navegando. E é importante porque eu diria que o grande mote desse projeto é que ele junta ciência da melhor qualidade de todas as áreas com trabalho junto às escolas. É totalmente integrado”, reflete. 

No final do ano passado, veio até um projeto sobre a Antártida. Pela primeira vez, um grupo do Nordeste – capitaneado pelo professor Jailson e pelo professor Moacyr Cunha Filho da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) – conseguiu aprovar estudos sobre o continente mais frio do planeta.

Mais do que isso: em outubro, o grupo embarcou dez pesquisadores que fizeram estudos na região de convergência das Ilhas Malvinas com o Oceano Antártico.

“Projetos como esse colocam a Bahia em posições de destaque. Não estamos de carona. Estamos pautando”, reforçou. 

(Foto: Marina Silva/CORREIO)

No final de 2019, ainda encontrou tempo para se dedicar às investigações e discussões sobre o óleo que atingiu o litoral do Nordeste e alguns estados do Sudeste. Uma das frentes do INCT coordenado por ele é especificamente ambiente, além de energia. O instituto é vinculado ao Centro Interdisciplinar de Energia e Ambiente (Cienam), também sob a coordenação dele.

Em fevereiro de 2020, um artigo assinado pelo professor Jailson e outros cinco pesquisadores, sobre a contaminação de organismos marinhos na Baía de Todos os Santos foi publicado na revista Nature.

“É um estudo completamente novo que foi feito pouco antes do derramamento do óleo. Agora, ele é considerado um marco, porque temos uma referência para tudo que vier depois do derramamento”.

Nos últimos meses, as experimentações ficaram comprometidas devido ao fechamento do laboratório. No entanto, as análises sobre o que já havia sido coletado continuam. Uma das próximas edições da revista da ACB deve ser dedicada a projetos sobre o óleo.

Brilho

Para dar conta de tantos projetos, acorda entre 4h20 e 4h30. Antes da quarentena, às 5h30, saía para caminhar. Antes disso, porém, já leu os principais jornais do país – Estadão, Folha de S. Paulo e O Globo – e os jornais locais. Depois da caminhada, saía para trabalhar. Não voltava para a casa antes das 20h. 

“Minha mãe diz: ‘poxa, você não para de trabalhar. Eu digo: ‘minha mãe, eu não trabalho’. Eu me divirto. Eu gosto. Fazer ciência é o que eu gosto”, garantiu.

(Foto: Marina Silva/CORREIO)

Na família, não há outros pesquisadores. Diz ter sido o único a fazer voto de pobreza. Entre os estudantes, porém, nem consegue contar quantos influenciou para seguir a carreira científica. Identificá-los é relativamente fácil: nas aulas, enquanto tentava ligar o assunto do dia com situações da vida real, observava os alunos. Em alguns, um aspecto em comum – o tal do ‘brilho’ no olho. 

“Esse brilho no olho é fundamental. É uma coisa que é o estar inquieto, de querer saber mais. E eu sempre tive estudantes interessados”, contou. 

Mas ele sabe que a carreira acadêmica não é para qualquer um. Ciência é bonita, mas é competitiva. Quem fica parado, diz, fica para trás. Para manter a qualidade, é preciso ter um ritmo cada vez mais intenso.

“O Brasil e a Bahia precisam investir em ciência, tecnologia e educação. Sem educação, não tem ciência. E, se você não faz, você anda para trás, porque outros vão andando por nós”.

Formação acadêmica, segundo o Lattes:

  • 1982 – 1986
    Doutorado em Química – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
  • 1976 – 1978
    Mestrado em Química – Universidade Federal da Bahia
  • 1970 – 1975
    Graduação em Licenciatura e Bacharelado em Química – Universidade Federal da Bahia

Produtividade em números

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Edgar de Carvalho Filho: o médico que trouxe a imunologia para a Bahia https://especiais.correio24horas.com.br/ocerebrodaufba/edgardecarvalhofilho-2/ https://especiais.correio24horas.com.br/ocerebrodaufba/edgardecarvalhofilho-2/#respond Thu, 25 Jun 2020 04:15:29 +0000 https://especiais.correio24horas.com.br/ocerebrodaufba/?p=3012 Ele desenvolve pesquisas sobre doenças como leishmaniose e infecções tropicais Edgar Marcelino de Carvalho Filho acabara de se tornar especialista em reumatologia e imunologia. Tinha chegado […]

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Ele desenvolve pesquisas sobre doenças como leishmaniose e infecções tropicais

Edgar Marcelino de Carvalho Filho acabara de se tornar especialista em reumatologia e imunologia. Tinha chegado ao fim de uma pós-graduação na Universidade da Virginia, nos Estados Unidos, quando recebeu um convite de um de seus mentores no curso.

“Estou sendo convidado para ser o chefe do setor de reumatologia e imunologia na Universidade do Sul da Califórnia. Gostaria de levar dois fellows daqui. Um deles é você”, disse o mestre, naquele ano de 1979. Quando o hoje professor Edgar conta o episódio, mantém o termo em inglês que se refere aos pesquisadores.

Na época, já tinha feito mestrado em Medicina e Saúde pela Universidade Federal da Bahia (Ufba). Concluíra o curso em 1977, mesmo ano em que aportou nos Estados Unidos. Talvez por isso nem tenha pensado muito sobre a resposta.

“Eu disse: minha decisão já está tomada. Quero voltar para a Bahia, para a Ufba”, lembra, em entrevista ao CORREIO.

Hoje, ele é um dos pesquisadores com produtividade 1A pelo CNPq na Ufba. Ou seja, ele está no nível mais alto da pesquisa científica no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Quando decidiu retornar, porém, esse não era sequer um cenário que costumasse imaginar. “Mas voltar sempre foi o meu pensamento”, diz ele, hoje com 70 anos.

(Foto: Marina Silva/CORREIO)

Na verdade, o professor Edgar queria mais do que voltar à Ufba. Tinha planos maiores. Queria criar um setor de imunologia que funcionasse dentro do Hospital das Clínicas – como é comumente chamado o Hospital Universitário Professor Edgar Santos (Hupes). Acreditava que era o lugar mais apropriado para isso.

“Não existia imunologia na Bahia e esse sempre foi o meu desejo. Também sempre fui ligado a doenças infecciosas, porque as doenças tropicais eram endêmicas aqui na Bahia, mas não se fazia imunologia aqui”, explica.

Foi assim que chegou à Universidade da Virgínia. Queria trazer uma nova área de estudo e atendimento para o estado natal. De fato, era uma área nova. Mesmo em países desenvolvidos, ainda não eram comuns cursos específicos sobre o sistema de defesa do organismo. Muitos, como o que ele cursou, eram especializações em conjunto com a reumatologia.

(Foto: Marina Silva/CORREIO)

De lá para cá, a imunologia e os estudos sobre imunidade se desenvolveram tanto que permitiram que o professor Edgar vivesse uma situação diferente da maioria dos pesquisadores, diante da pandemia da covid-19. Ele foi diagnosticado com a doença em 24 de março, quando a Bahia não tinha sequer óbitos registrados e a maioria dos casos era importado.

As pesquisas sobre imunidade ao novo coronavírus ainda não são totalmente conclusivas, mas alguns estudos indicam que ela pode existir. A maior incógnita é de quanto tempo essa imunidade pode durar. No caso dele, depois de 12 dias de sintomas leves, estava completamente recuperado.

“Não precisei ir para o hospital e praticamente não tive manifestações respiratórias. Mas senti muito cansaço, dor, perda de apetite e do olfato”, lembra. Isso, explica ele,  fez com que se sentisse seguro para continuar trabalhando após o período de isolamento, tanto com os atendimentos, quanto com a pesquisa.

Ainda que não trabalhe diretamente com a covid-19, assim como tantos outros médicos e profissionais de saúde que adoeceram e voltaram a trabalhar, ele retornou ao campo de batalha. “Não parei. Continuo trabalhando igual”, garante. 

Estrutura

Trazer a imunologia para a Bahia não era uma tarefa fácil. Edgar queria desenvolver o projeto na Ufba, mas não tinha nenhum vínculo empregatício com a universidade. A sorte, porém, foi que teve um apoio importante: o professor Heonir Rocha, que tinha sido seu orientador no mestrado. Rocha, inclusive, se tornaria reitor da universidade anos depois, entre 1998 e 2002.

O ex-orientador abriu portas, até no sentido literal. Ofereceu o próprio laboratório para que Edgar começasse a desenvolver as pesquisas. Conseguiu, ainda, uma sala para que o laboratório de imunologia começasse a ser implantado. O espaço não devia ter mais do que 20 m², no quinto andar do hospital.

“Naquela ocasião, minhas pesquisas eram voltadas para estudar população de linfócitos e isso era feito através de um microscópio de imunofluorescência que eu não tinha”, diz o professor Edgar.

O setor da patologia, porém, tinha o equipamento. Assim, se acostumou a descer escadas constantemente: preparava o material no 5º andar; descia para analisá-lo no terceiro subsolo em seguida. Quando fazia avaliações de proliferação linfocitária, outra peregrinação: o único equipamento capaz disso, em todo o estado, ficava na Maternidade Climério de Oliveira, também da Ufba.

A distância entre as duas unidades de saúde é de pouco mais de cinco quilômetros – enquanto o Hupes fica no Canela, a maternidade está localizada em Nazaré.

O laboratório de imunologia só recebeu os próprios equipamentos em 1980. Na ocasião, já professor da universidade, Edgar foi convidado por um professor da Cornell University a participar de um grande projeto de pesquisa apoiado pelo National Institute of Health. Desse projeto, vieram os recursos.

(Foto: Marina Silva/CORREIO)

Mas foi só dez anos mais tarde que o serviço se organizou como sonhava. Na época, um programa da Organização Mundial da Saúde, do governo federal e do governo da Bahia forneceu os recursos para o Serviço de Imunologia. 

“Esse é um serviço grande, que ocupa uma área de cerca de 600 m² no quinto andar do Hospital Universitário, onde temos cinco laboratórios. Isso fez com que vários pesquisadores se agregassem ao serviço e esse trabalho em conjunto fez com que a imunologia na Bahia crescesse nacionalmente e internacionalmente”, orgulha-se.

Leishmaniose

Desde o início, o professor Edgar tentou desenvolver diferentes pesquisas simultâneas. Atribui essa característica à juventude. Os principais focos foram as leishmanioses – visceral e tegumentar (cutânea). Essa doença é provocada por um parasita que se multiplica justamente no sistema imunológico. Se o diagnóstico for tardio, pode mais facilmente levar à morte.

Basicamente, queria entender como o corpo humano se defende dos agentes infecciosos e parasitários ao mesmo tempo em que investigava se esses mesmos agentes provocavam doenças nas pessoas. Um dos pontos norteadores da pesquisa, ao longo desses anos, foi o fato de que a resposta do hospedeiro tem relação direta com o desenvolvimento da doença.

Aos poucos, chegaram a conclusões como a de que alguns infectados pela leishmaniose não podem ser identificados como doentes. Pelo contrário: são protegidos da doença. “Esse é um dado importante porque esses indivíduos nos ensinam como podemos nos defender contra esses agentes infecciosos. Eles contribuem, por exemplo, para o desenvolvimento de vacinas”.

Foi também o grupo do professor Edgar que identificou uma mudança no tratamento da leishmaniose, que é estudado há mais de 60 anos. Eles mostraram que, em pacientes com a leishmaniose mucosa, a associação do tratamento que já é usado, com a pentamidina, com outra droga – a pentoxifilina – aumentava a eficácia, as chances e o tempo de cura. Ainda foram os primeiros a documentar a eficácia de uma droga por via oral na leishmaniose – a miltefosina, que foi liberada pelo Ministério da Saúde em 2018.

(Foto: Marina Silva/CORREIO)

Consultas

No Serviço de Imunologia, funciona, ainda, um ambulatório de HTLV. Descoberto em 1981, o vírus HTLV1 é muito frequente na Bahia. Salvador fica em primeiro lugar, entre as capitais brasileiras com maior índice de infectados. O percentual varia, segundo os estudos, de 1,5% a 3% da população.

Em 2001, duas décadas após a descrição do vírus, o professor Edgar criou o ambulatório. Ao longo dos anos, descreveram várias manifestações clínicas até então desconhecidas do vírus. Sem tratamento, o vírus causa problemas urinários. A pessoa passa a não conseguir controlar a urina.

Uma vez, enquanto atendia no ambulatório, ficou comovido com uma paciente – uma senhora idosa que lhe disse que não conseguia mais usar calcinha. Que não tinha como controlar, quando precisava urinar. Ela sentava apenas na parte de trás do ônibus porque, quando o coletivo abria a porta, ela saía correndo. Precisava urinar.

“Fizemos um trabalho com o serviço de fisioterapia do hospital e temos tratado esses pacientes com eletrofisioterapia. Assim, eles têm melhorado esse quadro associado ao HTLV”, diz.

(Foto: Marina Silva/CORREIO)

Por pesquisas assim, foi natural ser financiado pelo CNPq, ainda na década de 1990. Ele não sabe, ao certo, quando se tornou 1A – provavelmente em 1995, antes dos anos 2000. É natural, claro, que daí saiam outras oportunidades. O Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Medicina Tropical, que coordena desde 2009 com 25 pesquisadores, é uma delas.

Foi com as pesquisas de medicina tropical, inclusive, que o professor Edgar coordenou a descrição e a caracterização de um surto de esquistossomose aguda. Esses bichos, diz, em tom leve, são muito inteligentes.

“A resposta imune é uma coisa que a gente luta muito, mas, quando a resposta é exagerada, ela que causa o problema. E esses bichos escapam do mecanismo de defesa e continuam no organismo”, explica.

Os INCTs, como são mais conhecidos, só podem ser coordenados por pesquisadores classificados como 1A ou 1B.

“Eu sempre tive essa atenção voltada para poder melhorar, em alguma coisa, essas doenças que eu estudo. Esse é o foco principal do pesquisador. Ser 1A é uma consequência natural das coisas”.

Sala de aula

Edgar sempre quis ser professor. Quando entrou no curso de Medicina da Ufba, em 1968, se aproximou de professores e já acompanhava as atividades científicas que eles desenvolviam. Logo viu que queria ser um deles.

Filho de um clínico geral e de uma professora também dona de escola infantil, tinha crescido em um ambiente em que as duas profissões conversavam – literalmente. O pai também era professor; dava aulas na escola primária da família. Fundada em 1934, a Escola Antônio Calmon funcionou até cinco anos atrás. 

Quando regressou à Bahia, vindo da Virginia, um colega, professor da Ufba, perguntou: entraria na medicina privada? Respondeu que não. A criação do serviço de imunologia no estado estava diretamente ligada ao seu objetivo de vida: ser professor da Ufba. “Não vai passar de um Fusca”, ouviu, do colega. 

Além da Ufba, também foi professor titular da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública de 1986 a 2016. Mesmo com a agenda apertada, foi chamado a dar aulas duas vezes por semana. Aceitou por um motivo: ampliar o ensino da imunologia.

“Não vamos discutir se o homem interfere no meio ou se o meio interfere no homem. O fato é que minha decisão de fazer Medicina e de gostar de ensinar começou realmente na adolescência”, conta.

De 1980 a 2014, quando se aposentou, nunca deixou de ensinar na graduação. Ministrava as disciplinas de Clínica Médica e Imunologia Clínica – foi na primeira, uma obrigatória, que tornou-se professor titular. De 2002 a 2014, também, foi chefe de uma das enfermarias do Hupes. Lá, era responsável por 16 doentes que ficavam internados, além dos três ambulatórios (dois de imunologia e um de HTLV).

Hoje, só dá aulas na pós-graduação, mas não deixou de atender. Às quartas-feiras, por exemplo, pode sempre ser encontrado no ambulatório de HTLV. A cada quinze dias, passa as quintas e sextas-feiras no posto de saúde de Porto de Pedra, um distrito de Presidente Tancredo Neves, município no Sul da Bahia.

Em 1986, identificaram que a região era endêmica para leishmaniose no estado. De lá para cá, instituíram o espaço como um centro de referência para o diagnóstico e tratamento das leishmanioses.

“O ensino sempre foi minha meta maior e, enquanto eu puder transmitir coisas relevantes para os alunos, vou fazer isso. A pesquisa foi uma consequência. Mas também nunca pensei em parar essa rotina de contato com os pacientes”, garante.

Em 2016, o professor Edgar gravou um depoimento especial para as comemorações dos 70 anos da Ufba

Além disso, duas tardes por semana, atende consultas particulares em seu consultório, em Salvador, e ainda vai diariamente à Fundação Oswaldo Cruz, onde também é pesquisador. Depois de ter se infectado e se curado da covid-19, o professor Edgar continua indo e atendendo presencialmente em todos esses espaços. 

Porém, conseguiu notar uma redução no número de pacientes que busca os serviços – seja devido às restrições de transporte público, seja porque muitos têm evitado ir a hospitais. “Mas as atividades continuaram. Sei que não é o que aconteceu com todo mundo, porque eu tive a doença e fiquei imune, e não podia parar pelo fato de lidar com pacientes”. 

Família

De fato, não dá para dizer quem influencia – o homem ou o meio. O que se sabe é que, após ter unido a carreira dos pais, o professor Edgar viu dois dos três filhos se tornarem médicos pesquisadores. O mais velho, Lucas Pedreira de Carvalho, também é professor de Imunologia da Ufba e pesquisador nível 2 do CNPq. O mais novo, Augusto, faz pós-doutorado na Universidade da Pensilvânia, também na área de imunologia. O filho do meio, por sua vez, é publicitário.

A esposa também é médica – pneumologista; o neto de 21 anos estuda Medicina. Mas, pelo visto, não deve seguir a área de imunologia.

“Ele é muito interessado pela parte clínica e acho que a pessoa deve ser assim mesmo”, disse.

Das 7h da manhã até o início da noite, ele está focado nos trabalhos de pesquisa, ensino e no dia a dia ambulatorial. Depois, é como se desligasse a tomada. A vida é outra. Antes do período de confinamento, era o momento de ler, jogar tênis, fazer caminhadas, ir ao teatro.

“A vida de pesquisa não atrapalha, de maneira nenhuma, a vida social”, garante.

Formação acadêmica, segundo o Lattes:

  • 1985 – 1986
    Doutorado em Medicina – Ufba
  • 1977 – 1979
    Especialização em Reumatologia e Imunologia – University of Virginia (Estados Unidos)
  • 1974 – 1977
    Mestrado em Medicina e Saúde – Ufba
  • 1968 – 1973
    Graduação em Medicina – Ufba

Produtividade em números

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Wilson Gomes: o filósofo que discute comunicação e política nas redes sociais https://especiais.correio24horas.com.br/ocerebrodaufba/wilsongomes/ https://especiais.correio24horas.com.br/ocerebrodaufba/wilsongomes/#respond Thu, 25 Jun 2020 04:14:30 +0000 https://especiais.correio24horas.com.br/ocerebrodaufba/?p=2924 Professor da Ufba foi à CPMI das fake news, no Congresso Nacional; tema é linha de pesquisa Vez ou outra, o professor Wilson Gomes precisa lembrar […]

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Professor da Ufba foi à CPMI das fake news, no Congresso Nacional; tema é linha de pesquisa

Vez ou outra, o professor Wilson Gomes precisa lembrar a quem o acompanha: ele não gosta de política. Se gostasse, faria política. Andaria em círculos partidários. Assumiria paixões por um ou outro lado. Mas pesquisar política, comunicação e democracia é diferente.

“Eu estudo política para entender como funciona e ajudar as pessoas a entender. Não sou militante. Nunca fui”, diz ele, que, hoje, aos 56 anos, é um dos principais nomes da ciência brasileira a discutir o tema em ambientes digitais.

Mais do que isso: faz parte de um grupo de intelectuais do país que conseguiu sair de ambientes acadêmicos. Milhares de pessoas acompanham suas ideias sobre o tema, quase que diariamente, em redes sociais.

Com 11 livros publicados, o professor Wilson Gomes já estava acostumado a ser referência em sua área. O mais vendido, Transformações da Política na Era da Comunicação de Massa, pode ser considerado um sucesso editorial em um nicho. Lançado em 2004, teve mais de 3,5 mil exemplares impressos. É figurinha conhecida na bibliografia de cursos de Comunicação e Política. Não é difícil encontrar estudantes, mesmo na graduação, que tenham lido a obra completa.

Livro Transformações da Política na Era da Comunicação de Massa é um sucesso de nicho
(Foto: Divulgação)

Por muito tempo, era esse o seu público. Nos últimos anos, porém, teve que se adaptar à nova audiência: aqueles que, dentre as diferentes profissões e áreas do conhecimento, começaram a se interessar pelos seus comentários sobre política e democracia.

(Foto: Marina Silva/CORREIO)

Entre pílulas diárias e textões, chamou atenção pela linguagem acessível e por uma ou outra dose de humor que acrescenta aos pensamentos. “Precisamos da lucidez, sensibilidade e inteligência de gente como ele”, avaliou uma das seguidoras de sua página no Facebook, em fevereiro deste ano, com direito a emojis de coração. Outra, em agosto do ano passado, disse que o mundo precisava de olhar crítico. “Além de humor inteligente com uma boa dose de cinismo”, completou.

Só em seu perfil pessoal no Facebook são quase cinco mil amigos, além de mais de 38 mil seguidores. Na página que leva seu nome e onde publica os mesmos textos, tem outras 23 mil curtidas. O perfil no Twitter, onde participa desde 2009, tem mais de 34 mil seguidores. Os números de engajamento fariam inveja a influenciadores digitais que ganham a vida com isso: impacto de 1,4 milhões de contas no Twitter em 28 dias e um alcance três vezes maior no Facebook.

Em sua página no Facebook, Gomes tem mais de 23 mil curtidas
(Foto: Reprodução/Facebook)

“Cresci, mas é um crescimento controlado”, diz ele, que reforça que não faz questão de aumentar os números. Tem a impressão de que as pessoas não querem ler apenas comentários políticos, mas comentários políticos partidários. Se resolvesse ser um comentarista petista, por exemplo, escolhendo um lado, acredita que seu público seria maior.

“Mas isso é ruim para o meu trabalho intelectual. Naturalmente, deve ter um impacto falar para três, quatro milhões de pessoas. Do ponto de vista acadêmico, considero isso um trabalho de extensão”, afirma, referindo-se à atividade que, ao lado da pesquisa e do ensino, costuma ser um dos pilares das grandes universidades do país.

No caso dele, a pesquisa e o ensino são vinculados à Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (Ufba), onde chegou em 1989, ainda com vínculo de bolsa de recém-doutor. Professor titular desde 2000, ele é um dos pesquisadores da instituição que têm produtividade 1A pelo CNPq.

Nos últimos três meses, porém, o professor Wilson viu sua rotina ser alterada pela pandemia. Teve que sair do laboratório e da convivência diária com os pesquisadores residentes do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) que coordena. As reuniões semanais ainda acontecem, pelo menos, uma vez por semana, mas, para ele, não é a mesma coisa. O trabalho, por outro lado, aumentou.

(Foto: Marina Silva/CORREIO)

“Sem as demandas de viagem, participei de mais conferências, aulas e mesas-redondas (lives) do que em períodos normais. E trabalhamos ainda mais em artigos e ofertas de cursos de extensão e pesquisas”, exemplifica.

Ano diferente

Os acontecimentos no cenário político brasileiro davam sinais que 2018 seria um ano complexo. No mínimo, diferente. Foi por isso que o professor Wilson decidiu fazer algo que não costuma fazer: ter deadlines. Hesitou no início. Não gosta de prazos. Se tiver uma data limite, deixa o texto para o último momento. Sem limites, é capaz de fazer dois ou três por dia.

No fim, acabou aceitando se tornar colunista de veículos de comunicação. Era mais um passo para contribuir com a desinformação. Desde então, é colaborador da Revista Cult e da Rádio Metrópole, em Salvador. Para os dois, prepara comentários semanais. O acerto é o mesmo – no dia que lhe derem uma pauta ou retirarem uma linha do que tiver escrito ou dito, deixará o posto.

Nos últimos meses, antes da pandemia, as viagens aumentaram. Passou a ser convidado, com frequência, para falar inclusive em Tribunais Regionais Eleitorais. O sentimento de dever, enquanto pesquisador, talvez tenha sido a principal razão para que aceitasse falar na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das fake news, no Congresso Nacional, em outubro.

Wilson Gomes participou da CPMI das fake news, no Congresso Nacional
(Foto: Divulgação)

O professor Wilson Gomes foi o primeiro a falar – fora as reuniões internas. Em casa, houve resistência. Os mais próximos não queriam que ele fosse. Tinham medo do que podia acontecer. Podia ser linchado, ser alvo de ataques mais graves.

“De fato, havia muita tensão no ar. Mas achei que eu, como coordenador de um instituto que trabalha com esse tema – porque fake news hoje é uma linha de pesquisa da gente – não podia não ir. Não podia me privar de ir apenas pela minha segurança. Eu tinha de ir, mas tinha de ir como pesquisador”, explica.

A estratégia foi apresentar todos os dados. Informação com dados. E deu certo. O vídeo de sua fala, com cerca de 10 minutos, pode ser facilmente encontrado em algumas plataformas.

Foi a primeira e única participação da CPMI, que continua com uma lista imensa de participantes, passando por celebridades e influenciadores digitais. O humor ácido pelo qual é conhecido por alunos e colegas, porém, aparece quando cita o deputado federal Alexandre Frota (PSDB-SP), que deu seu depoimento à comissão dias depois do professor.

“Acho que ele fez mais sucesso do que eu. Imprimiu os tuítes. Eu não tive a ideia de imprimir os tuítes do Olavão (o astrólogo Olavo de Carvalho). Já me quebrou. Já não sou o cara mais influente da CPMI das fake news. Agora é Alexandre Frota”, diz, aos risos.

As fake news também são tema de uma pesquisa mais recente – agora, também estuda o uso daquelas sobre a pandemia do coronavírus em plataformas digitais. “Os nossos temas estão efervescentes, já que trabalhamos com os efeitos sociais dos usos de tecnologia e a demanda por questões relacionadas a fake news e as ferramentas para transparência e para governo eletrônica cresceram”, diz.

(Foto: Marina Silva/CORREIO)

Europa

A pesquisa em comunicação e política veio aos poucos. Por muito tempo, não foram seus principais objetos de estudo. Aos 17 anos, ainda adolescente, fez vestibular para Filosofia na Ufba. Na faculdade, um professor sugeriu que fosse estudar fora. Disse que podiam conseguir uma bolsa para que depois ele voltasse ao Brasil.

“Os cavalos foram passando e eu montei. Não tinha dinheiro, então, tinha que aproveitar a oportunidade. Não imaginava, de jeito nenhum, morar na Europa”, lembra.

Wilson saíra de Camacã, no Sul do estado, onde cursou o Ensino Médio. Antes, até os 15 anos, morou em uma fazenda no interior de Mascote, uma cidade vizinha. O nome da propriedade era sugestivo: Fazenda Brasil.

Na casa onde cresceu, os pais não tiveram educação formal. Por muito tempo, o único livro que tinha no imóvel era uma Bíblia Sagrada. Alguns anos depois, o pai comprou uma enciclopédia. Mesmo assim, desenvolveram o hábito da leitura. A mãe, leitora voraz, consumia de literatura de cordel a fotonovelas.

Uma vez por semana, iam à banca de revistas de Camacã, e os pais permitiam que comprasse o que quisesse. Escolhia, quase sempre, quadrinhos de Tex Willer, enquanto o irmão comprava revistas esportivas e a mãe, a fotonovela. “A livraria da gente era a banca de revista. ‘Seu Sergipe’ foi muito importante na minha vida”, brinca.

Da Fazenda Brasil, foi para a Itália. Não falava nada de italiano. No colégio estadual onde estudou, tinha aprendido francês e um pouco de inglês. Aprendeu a língua nova ‘na marra’. Lá, fez duas graduações simultâneas: Filosofia, na Pontificia Università San Tommaso D’aquino, e Teologia, na Pontificia Universitá Gregoriana.

Na época, cogitava ser padre. Mas, na graduação, estudou outras coisas, como Antropologia. Decidiu continuar estudando. Emendou mestrado e doutorado em Filosofia, ambos na Pontificia Università San Tommaso D’aquino. Completou os dois em apenas quatro anos. Aos 24, já era doutor. Hoje, só para dar uma ideia, o tempo médio apenas de um doutorado costuma ser de quatro anos.

“Eu sempre fiz no menor tempo possível, primeiro porque não recebia bolsa nenhuma do governo brasileiro. Não recebia dinheiro dos meus pais. Tinha que trabalhar para me manter. O melhor era ficar o mínimo possível”, conta.

Na Filosofia, tinha duas grandes áreas de interesse: a filosofia da linguagem, que incluía a teoria dos signos, interpretação e passando pela filosofia da cultura; e a teoria democrática, que tinha temas relacionados à filosofia política e à ética.

Facom

Ao fim do doutorado, voltou ao Brasil. Não conhecia ninguém, não tinha mais nenhuma relação aqui. Não recebia convites de universidades. “Alguns departamentos fechavam claramente as portas porque as pessoas queriam aproveitar a chamada prata da casa”.

(Foto: Marina Silva/CORREIO)

Foi assim por seis meses. Mesmo antes de chegar ao país, vinha enviando cartas a departamentos de Filosofia em todo o Brasil, se apresentando e dizendo que estava disponível para oportunidades de trabalho. As respostas vinham de instituições privadas – em geral, católicas – e de algumas públicas.

“Podemos solicitar uma bolsa de recém-doutor no CNPq”, diziam. Outra resposta comum era de que tinham concurso em vista. Quando os editais fossem lançados, ele poderia participar. Na época, não tinha um lugar que preferisse. Queria estar mais perto da família e, naquele contexto, só de estar no Brasil, era um avanço.

Até então, o que lhe parecera mais atraente fora uma proposta da Universidade Federal de Santa Maria, que tinha um mestrado de Filosofia. Era um dos locais que sugeria pedir uma bolsa de recém-doutor até que tivesse concurso. Wilson preparou o projeto.

Na véspera do último dia do prazo de envio, encontrou um amigo de Camacã. O amigo ficara sabendo que a Faculdade de Comunicação da Ufba pretendia abrir um mestrado em Comunicação e Cultura no ano seguinte.

O rapaz falou de Wilson ao já professor Albino Rubim, que também fez parte da lista dos pesquisadores 1A da Ufba – hoje, ele é pesquisador sênior. “Chegou um cara aí com doutorado, que trabalha com filosofia da cultura. Ele está mandando projeto para Santa Maria”, anunciou. “Pede para ele vir aqui antes”, respondeu Rubim.

Na mesma noite, Wilson pegou um ônibus de Jequié, no Centro-Sul baiano, com o projeto debaixo do braço. Conheceu Albino Rubim, que lhe mostrou a grade de disciplinas. Na lista, algumas bem próximas do campo que trabalhava: semiótica, teoria da interpretação, estética.

“Você não quer mudar esse seu projeto para cá?”, propôs Rubim. Foi quando pensou na família, nos pais. Era filho “de pai velho”, como frisou em pelo menos dois momentos da entrevista ao CORREIO. “Usei Liquid Paper (a marca de corretivos) para apagar Santa Maria e escrever Federal da Bahia em cima. Usei exatamente o mesmo projeto para a Ufba”, conta o professor Wilson.

Assim, chegou à Facom em 1989 – o mestrado em Comunicação e Cultura, o primeiro dos cursos do chamado PósCom, acabou tendo início apenas em 1990.

Na internet

Filosofia, antropologia, filologia clássica, teologia, pós-doutorado em cima. O professor Wilson tinha muitos interesses. Diz que seu percurso nas ciências humanas foi um tanto ‘vagabundo’.

“A vida é muito curta para tantos interesses que a gente tem. Se tivesse mais vida, provavelmente teria estudado economia, direito, coisas assim”, reflete.

Mas, na Facom, se firmou em duas linhas: comunicação e política, com estudos sobre democracia, e interpretação. Por anos, foi professor de semiótica na graduação. Por aí, incluía cinema, estética. Ao se aproximar dos 50 anos, viu que tinha que se concentrar em uma só área, até para trabalhar de forma mais institucional.

Os ambientes digitais eram seu interesse desde a década de 1990, assim como de outros professores da Facom. De 2005 em diante, boa parte da energia já estava concentrada na comunicação política em ambiente digital.

(Foto: Acervo pessoal)

“Quando vieram os movimentos sociais em 2011, a internet de revolução, a Primavera Árabe, a gente já estava trabalhando. Já tinha muitas teses sobre participação em meios digitais, depois fomos para transparência, dados abertos. Fomos acompanhando as evoluções”.

Investiu na criação do Centro de Estudos Avançados em Democracia Digital (Ceadd), que foi também a base para a criação do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) em Democracia Digital. O instituto foi aprovado em 2014, mas os recursos só começaram a ser liberados em 2016.

Ao todo, são 120 pesquisadores, contando a partir de doutorandos. Ou seja, se a conta incluísse mestrandos, o número seria ainda maior. Só de professores pesquisadores, entre brasileiros e estrangeiros, são quase 70. Dos 120, 15, em média, são da Ufba.

“A gente tem que fazer a gestão disso, fazer relatório, manter essa estrutura. Se quebra o ar-condicionado, (Abraham) Weintraub (ministro da Educação na época da entrevista) não manda consertar. A máquina fica obsoleta. Precisamos ter autossuficiência, porque são seis anos de INCT”.

Pesquisador 1A

A bolsa em produtividade de pesquisa veio depois que se tornou professor efetivo da Facom, em 1992. Ele não sabe, ao certo, quando se tornou 1A – possivelmente, depois que se tornou professor titular. Não era um objetivo, diz, até por ser algo muito limitado.

“Tanto que eu acho que a Facom sempre foi muito superestimada nesse conjunto. Se você pegar dentro da área de comunicação, de fato, a gente tem um pouco de hegemonia”, analisa.

Dos 14 pesquisadores 1A com bolsas em Comunicação, em todo o Brasil, dois são da Facom. Até 29 de fevereiro de 2020, eram três, com o professor Marcos Palacios, que não solicitou a renovação da bolsa de produtividade após essa data.

A Ufba ainda tinha outro pesquisador 1A com bolsa de Comunicação até fevereiro – o professor Albino Rubim, que, hoje, é ligado ao Instituto de Artes, Humanidades e Ciências (Ihac), mas que, por muito tempo, foi lotado na Facom. Desde o início de março de 2020, ele se tornou pesquisador sênior.

Ao longo da carreira, Wilson influenciou outros pesquisadores. Criou uma rede que, atualmente, está espalhada por universidades em Minas Gerais, Paraná e Alagoas. Na família, a filha está terminando Direito e o filho cursa Educação Física. É casado com a também professora titular da Facom Maria Carmem Jacob, uma das principais pesquisadoras de televisão e telenovelas do Brasil.

Como alguns de seus colegas, uma de suas maiores dificuldades é tirar férias. Mesmo apaixonado por cozinhar, jardinagem e tênis – chega a passar quatro horas por dia na quadra, nos finais de semana – costuma escutar, em casa, que não tira um tempo livre.

Passou a ter um costume, que transferiu para os orientandos, de trabalhar junto. Outro dia, numa manhã de domingo, quando não há aulas na Ufba, precisou voltar ao INCT. Viajaria para uma palestra em Aracaju (SE) e tinha que buscar o tablet esquecido.

“Tomei um susto quando vi que tinha três (pesquisadores) trabalhando aqui. O trabalho junto, compartilhado, é muito mais rentável. Mesmo quando a Facom está fechada”. Esse hábito, porém, teve que ser interrompido na quarentena.

Formação acadêmica, segundo o Lattes:

  • 1986 – 1988
    Doutorado em Filosofia – Pontificia Università San Tommaso D’aquino, P.U.S.T, Itália.
  • 1984 – 1986
    Mestrado em Filosofia – Pontificia Università San Tommaso D’aquino, P.U.S.T, Itália.
  • 1981 – 1985
    Graduação em Teologia – Pontificia Universitá Gregoriana, P.U.G., Itália.
  • 1981 – 1984
    Graduação em Filosofia – Pontificia Università San Tommaso D’aquino, P.U.S.T, Itália.

Produtividade em números

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Ana Fernandes: com um olho na pesquisa e o outro na cidade, criou observatório de bairros em Salvador https://especiais.correio24horas.com.br/ocerebrodaufba/anamariafernandes-2/ https://especiais.correio24horas.com.br/ocerebrodaufba/anamariafernandes-2/#respond Thu, 25 Jun 2020 04:12:00 +0000 https://especiais.correio24horas.com.br/ocerebrodaufba/?p=2543 Nas horas vagas, paulista tem como um de seus passatempos passear e olhar a paisagem Em 2019, a professora Ana Maria Fernandes conseguiu desenvolver um novo […]

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Nas horas vagas, paulista tem como um de seus passatempos passear e olhar a paisagem

Em 2019, a professora Ana Maria Fernandes conseguiu desenvolver um novo projeto em sua vida. Ao longo da carreira, foram vários. Esse, porém, foi um tanto diferente. “Tirei um mês de férias e foi bem interessante”, diz, com naturalidade. Não é o único projeto do tipo: tem planos de instituir finais de semana em sua vida – sextas, sábados e domingos livres.

Ana é professora aposentada da Universidade Federal da Bahia (Ufba) desde 2018. Mesmo assim, não pensa em parar. “É parte da minha vida. Seria como se eu abdicasse de uma parte realmente muito significativa de mim. Até agora, não consigo”.

Nem mesmo durante a quarentena imposta pela covid-19, o ritmo foi menos intenso. Enquanto cumpre o próprio distanciamento social, ela dá conta dos compromissos que já tinha e dos novos cenários que foram aparecendo.

Talvez seja redundante, a essa altura, dizer que ela dedica muito de seu tempo ao trabalho. Professora da Faculdade de Arquitetura desde 1988, Ana já fez um pouco de tudo. Foi diretora de unidade, consultora de órgãos públicos que vão de secretarias municipais a programas de bolsas na Espanha, conselheira fiscal do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB) na Bahia, presidente da Associação Nacional de Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional (Anpur).

Enquanto desenvolvia cada função, se fascinava com a cidade. Cada aspecto do ambiente urbano, com suas dinâmicas, problemas e destaques, lhe parecia interessante. Foi o que a fez perceber que, ainda que apaixonada pela arquitetura, era o urbanismo sua maior paixão. A possibilidade de existir mais trabalho coletivo, no urbanismo, era o que a atraía.

“Ainda que a produção da arquitetura sempre indague a sociedade como um todo, culturalmente, tecnicamente, socialmente, o urbanismo parte do coletivo. Essa questão sempre me intrigou”, explica a professora de 65 anos.

Nos últimos meses, com seu grupo de pesquisa, ela continuou fazendo o acompanhamento das políticas criadas para as cidades. “Esse é um período de aceleração muito grande das políticas urbanas e isso gerou uma apresentação no congresso virtual da Ufba”, conta, referindo-se ao evento virtual que aconteceu em maio.

Fragilidades

A pandemia acabou conectando a pesquisa ainda mais à conjuntura atual. Para a professora Ana, as fragilidades nas cidades vieram à tona com muita força nesse momento; inclusive, contribuindo para virulência da doença. É como se houvesse um reposicionamento das ausências de infraestrutura nos municípios brasileiros. 

“Aquilo que se fala que o Brasil resolveu o problema da água, da infraestrutura, da saúde pública… Numa situação como essa, com as características que essa pandemia tem, falta água, falta saneamento, as encostas continuam desabando e pessoas alagadas. Isso torna o cenário ainda mais dramático. Se você tem que lavar a mão e não tem água, é uma situação quase kafkiana”, analisa, numa referência à obra do escritor austríaco Franz Kafka.

Autor de livros como A Metamorfose e O Processo, Kafka se tornou uma referência para citar situações que parecem absurdas, surreais ou mesmo que remontam a um pesadelo. Por outro lado, ao mesmo tempo, a professora acredita que é preciso analisar que tipos de demandas devem ser atendidas nos bairros populares. 

Nesse contexto, para ela, os agentes comunitários de saúde são de extrema relevância. “Claro que a questão do tratamento final, com respiradores, hospitais de campanha e UTIs (Unidades de Terapia Intensiva) é importante. Mas todo o cuidado de proximidade, que é possível fazer através dos agentes comunitários de saúde, ficou no escuro”.

Mulheres

Foi com esses interesses de pesquisa que ela se tornou uma das principais pesquisadoras de sua área, no Brasil. Ana Maria é uma das pesquisadoras com produtividade 1A no CNPq na Ufba, o que significa dizer que ela está no nível mais alto da pesquisa científica no órgão federal. Mais que isso: ela é uma das duas únicas mulheres da lista, ao lado da professora Paola Jacques, também da Faculdade de Arquitetura.

(Foto: Arisson Marinho/CORREIO)

O dado a surpreendeu. Não o fato de a outra pesquisadora ser justamente uma colega de área – a Arquitetura e o Urbanismo, ao longo dos anos, têm sido associados, em maioria, a profissionais mulheres. Por muito tempo, o próprio vestibular da Ufba já teve entrada de 80% de mulheres na graduação.

“Acho que tem a ver com geração. Lá atrás, só tinha homem. E se a gente olhar todas as bolsas do CNPq, vai ter mais mulheres, mas de qualquer forma, não tenho dúvida de que haverá muitas mulheres na Ufba com plenas condições de serem pesquisadoras 1A”, opina.

Na Ufba, de fato, quando são observadas todas as 209 bolsas de produtividade, a diferença diminui: a proporção passa de apenas 12,5% de mulheres entre as pesquisadoras 1A para 40% no universo total, com 80 bolsistas em todas as classificações.

O número, porém, ainda é pequeno. A maioria das pesquisadoras do CNPq na Ufba está na classificação 2 do órgão – 53 delas. Outras 12 são classificadas como 1D, enquanto as que estão nos níveis 1C e 1B são oito e cinco, respectivamente. Entre as áreas, as mais frequentes são Saúde Coletiva, que tem oito pesquisadoras; Artes, que tem seis, e Letras, com cinco. Historicamente, a presença de mulheres é maior nessas áreas.

(Foto: Arisson Marinho/CORREIO)

Urbanismo

Paulista de Birigui, município no interior de São Paulo, aos 17 anos, Ana Fernandes escolheu Arquitetura e Urbanismo no vestibular. A ideia sobre o campo, em sua própria definição, era bem pueril.  Foi justamente na época em que um primeiro arquiteto chegara na cidade.

O curso só era oferecido nas grandes universidades, como a de São Paulo (USP) e a Presbiteriana Mackenzie. Ou seja: junto com a entrada na faculdade, viria também uma mudança para uma cidade grande.

Aprovada na USP, começou a ter contato com pesquisa desde cedo. Já no segundo ano do curso, convivia de perto com professores que se dedicavam à pesquisa e estimulavam os estudantes. Desde a década de 1970, já era uma opção para a formação dos estudantes.

Filha de um bancário e de uma dona de casa, Ana não tivera contato com produção científica em nenhum outro momento da vida. Em casa, os pais valorizavam muito a educação. Sabiam que era um ponto de partida para os filhos. Mesmo assim, a pesquisa não fazia parte do horizonte.

Logo percebeu que gostava mais do urbanismo. O ambiente ajudava. “A gente vivia uma ditadura militar com expansão brutal das cidades. E um outro elemento muito importante de todo esse processo é o próprio movimento estudantil”, explica.

(Foto: Arisson Marinho/CORREIO)

Tinha sido líder do movimento estudantil? “Fui massa do movimento estudantil”, responde. Na faculdade, a professora Ana fazia parte de uma tendência política chamada Liberdade e Luta, de influência trotskista. Foi nessa época que conheceu aquele que seria um dos principais motivos para ter decidido vir para a Ufba: o baiano Milton Santos Filho, então uma das lideranças do movimento e, como o nome indica, herdeiro do renomado geógrafo nascido em Brotas de Macaúbas, na Chapada Diamantina.

Os dois se reencontrariam anos depois, em São Paulo. Foram juntos para a França e, de lá, decidiram aportar em Salvador, cidade natal dele. Àquela altura, Ana chegara à capital baiana com um doutorado e a possibilidade de solicitar uma bolsa de desenvolvimento científico regional com foco no Nordeste.

Com essa bagagem, bateu na porta do mestrado em Arquitetura e Urbanismo – naquela época, em 1985, o doutorado ainda não existia. “Falei com o professor Pasqualino (Magnavita, um dos pesquisadores 1A) e o professor Eliodoro Sampaio. Eles me acolheram prontamente”, lembra.

Olhar para a cidade

Entre bolsas e vínculos como de professora visitante ou substituta, passaram-se sete anos na Ufba. O concurso para docente efetivo só aconteceu em 1992. Ao longo de todo esse período, desenvolvia estudos que se apropriavam tanto do Urbanismo quanto da História, da Geografia e da Sociologia.

São disciplinas que, no processo, permitiram que ela compreendesse o processo de estruturação das dinâmicas urbanas, desigualdades e segregação. “Ao longo do tempo, isso vai se desdobrando em dois caminhos principais. Um que é a história do urbanismo e da cidade, que é um outro jeito de você se apropriar do próprio caminho e ter a possibilidade de entender a temporalidade dos processos”, diz. Ao mesmo tempo, ela focava também em políticas urbanas e em entender a relação do Estado com a cidade.

(Foto: Arisson Marinho/CORREIO)

Esse olhar para a cidade a acompanha. Mesmo nas horas vagas, um de seus passatempos é passear por Salvador e olhar a paisagem – principalmente, entre o Centro, a Península de Itapagipe e o Subúrbio Ferroviário.

“Salvador é uma cidade muito bonita, embora muito desigual. (Meu costume) É sempre observar a cidade, se estou passando pela Avenida Paralela, pela Orla, se vou para o Miolo, pela Baía de Todos os Santos. Acho que tem uma certa atenção aguçada com a cidade”, explica.

Ela foi a criadora e uma das coordenadoras do Observatório de Bairros em Salvador, que construiu uma plataforma que reúne indicadores sobre temas de bairros da capital baiana. Mais recentemente, começou a desenvolver um projeto sobre a reforma urbana no Brasil, na década de 1960, diante de todo o contexto social e político da época.

Com a maioria dos pesquisadores desta lista, a professora Ana nunca teve o objetivo de chegar à classificação 1A. É difícil lembrar a data em que chegou ao maior degrau. Talvez 2013, 2014; é certo que alguns anos depois de ter começado, no início da década de 2000.

(Foto: Arisson Marinho/CORREIO)

“Claro que, quando me tornei, fiquei feliz. Mas sou uma pessoa modesta, de forma geral. Não tenho ambição nesse sentido de ter essas metas todas a serem conquistadas. Realmente, não sou uma pessoa ambiciosa, mas não tenho nada contra ninguém que seja”, reitera.

Em casa, acabou ajudando a disseminar a veia de pesquisadores na família. Enquanto o marido fora professor da Escola de Economia, em vida, a filha fez doutorado em Comunicação e segue na área. O filho, que cursou Engenharia Mecânica, faz hoje mestrado em Economia na Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo.

“Acho que tem, aí, uma sementinha que foi plantada”.

Para ela, hoje, a ciência vive uma dupla crise. A primeira vem justamente do negacionismo. A outra, por outro lado, vem de um aspecto mais elitista. “É uma crise em termos do próprio modo que se construiu, com esse saber extremamente centralizado, vertical, descolado da realidade. Temos, aí, dois desafios políticos e também epistemológicos”, diz.

Formação acadêmica

  • 1982 – 1985
    Doutorado em Amenagement Et Environnement – Université Paris-Est Créteil Val-de-Marne, UPEC, França
  • 1981 – 1982
    Mestrado em Diplôme D’études Approfondies – Université Paris-Est Créteil Val-de-Marne, UPEC, França
  • 1979 – 1979
    Especialização em Planejamento E Participação – PUC-SP
  • 1974 – 1978
    Graduação em Arquitetura e Urbanismo – Universidade de São Paulo

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Milton Porsani: professor comanda rede de pesquisa em exploração de petróleo https://especiais.correio24horas.com.br/ocerebrodaufba/miltonporsani/ https://especiais.correio24horas.com.br/ocerebrodaufba/miltonporsani/#respond Thu, 25 Jun 2020 04:11:35 +0000 https://especiais.correio24horas.com.br/ocerebrodaufba/?p=3127 Ele acompanha trajetória de alunos e destaca importância de ‘despertar o sentimento do aluno para a indagação’ Era uma semana difícil. O professor Milton Porsani, 67 […]

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Ele acompanha trajetória de alunos e destaca importância de ‘despertar o sentimento do aluno para a indagação’

Era uma semana difícil. O professor Milton Porsani, 67 anos, tinha pelo menos duas viagens para apresentações de trabalho em uma semana. Depois, na semana seguinte, devia concluir um relatório. “Está vendo como é?”, comentou, enquanto tentava conseguir encontrar espaço para a entrevista na agenda.

No dia marcado, no final de 2019, logo depois da conversa, levou o CORREIO para conhecer o Instituto de Geociências (Igeo), unidade em que é lotado na Universidade Federal da Bahia (Ufba). Geólogo de formação, tornou-se referência em Geofísica Aplicada enquanto professor e pesquisador da instituição.

No Igeo, que conhece de uma ponta a outra, está desde 1990. Enquanto conduzia a equipe de reportagem pelos corredores do prédio, apresentava alunos e laboratórios. Reconheceu cada estudante que encontrou no percurso: uma tinha trabalhado na Petrobras e recentemente entrara na pós-graduação, por exemplo; outro atuava com pesquisa desde a iniciação científica.

Em junho de 2020, pouco mais de seis meses após esse primeiro encontro, essa cena já não é tão corriqueira. Agora, o professor Porsani encara a distância do instituto – pelo menos, de sua estrutura física. Desde o dia 18 de março, está recolhido e cumprindo o isolamento social devido à pandemia do coronavírus.

Ainda que suas pesquisas e projetos não tenham relação direta com a covid-19, não havia como não terem sido afetadas por ela. Mas, de certa forma, nada parou: as viagens e reuniões técnicas presenciais deram lugar a encontros virtuais, assim como a gestão e a orientação de alunos.

“Meu desejo e esperança são de que nossos colegas pesquisadores que atuam em estudos relacionados à covid-19 tenham sucesso breve na descoberta de vacinas e medicamentos que permitam salvar vidas e reduzir o sofrimento dos brasileiros”, diz Porsani, que, por sua vez, trilhou um caminho na ciência há pelo menos três décadas.

Com o desenvolvimento e aplicações de métodos geofísicos para exploração de petróleo, gás, água subterrânea, recursos minerais e controle de qualidade do meio ambiente, chegou a um dos pontos mais altos da carreira acadêmica em 2004: foi quando se tornou um dos pesquisadores com produtividade 1A da Ufba no CNPq.

(Foto: Marina Silva/CORREIO)

No próprio instituto onde trabalha, são três pesquisadores nessa condição. Ao lado da Faculdade de Comunicação e da Faculdade de Arquitetura, o Igeo é a unidade com o maior número de bolsistas 1A.

“O Instituto de Geociências tem quatro cursos de graduação: Geografia, Geologia, Geofísica e Oceanografia. O de Geologia é o mais antigo. Por isso, ter três pesquisadores 1A é até pouco para a história que nós temos”, diz.

A trajetória no CNPq também foi longa: a primeira bolsa veio com a classificação 2, em 1993. “Acho que é uma passagem natural de quem se envolve na pesquisa e se dedica à formação de pessoas. A gente tem obrigação de orientar alunos, dar aulas, formar pessoal e fazer pesquisa”, completa.

Geofísica

O professor Milton Porsani nasceu no município de Urupês, no interior do estado de São Paulo. Com pouco mais de 13 mil habitantes, a cidade fica próxima de São José do Rio Preto. No vestibular, acabou fazendo Geologia e Educação na Universidade de São Paulo (USP). Mas, como gostava de Matemática e Computação, acabou se aproximando da Geofísica.

“Achei que era a área que poderia me sentir mais confortável”, explica ele, que emendou o fim da graduação em Educação, em 1978, com um mestrado em Geofísica, na Universidade Federal do Pará (UFPA).

Ficou cinco anos em Belém. O plano inicial, na verdade, era se estabelecer por lá, mas as dificuldades de contratação no estado fizeram com que viesse para Salvador. “Entendi que era o caso de continuar estudando e comecei a estudar a geofísica da exploração de petróleo”, lembra.

Assim, ele já fez o doutorado na Ufba, entre 1983 e 1986, desenvolvendo algoritmos para o processamento de dados sísmicos. Por três anos, esperou por uma possibilidade de contratação – que só veio com o concurso de 1989, com ingresso na instituição em 1990.

“Foi quando comecei de verdade e já me envolvi com a pesquisa. Depois, já apliquei para o CNPq”, diz o professor.

De fato, a graduação em Geofísica da Ufba foi um dos primeiros do Brasil. Criado em 1992 – mais de duas décadas após a fundação do Igeo, em 1968 -, o curso só veio depois do da USP.

Extração de petróleo

Os algoritmos, já presentes no doutorado do professor Porsani, continuaram em sua pesquisa nos anos seguintes. Ainda hoje, ele trabalha desenvolvendo métodos e algoritmos para filtragens, decomposição e análise subterrânea.

“Trabalhamos com a descoberta do petróleo e, para isso, são envolvidas várias técnicas de tratamento de dados e construção de imagens sísmicas”, explica.

(Foto: Marina Silva/CORREIO)

Nesse contexto, estão incluídas desde a obtenção de imagens físicas e de melhoria dos sinais até a confiabilidade da informação registrada em 2D ou 3D.

O assunto pode até soar complexo, mas o professor Porsani costuma responder de forma objetiva quanto ao impacto da pesquisa dele na vida das pessoas: todo mundo precisa de gasolina, ainda que de forma indireta. “E, hoje, o Brasil produz gasolina. Só que, até chegar nisso, existe toda uma cadeia que envolve a descoberta, a exploração”, cita.

O petróleo é encontrado em bacias sedimentares. Mas, durante o processo de perfuração, há a participação de profissionais de diversas especialidades.

“A Petrobras precisa desses especialistas em Geofísica, por exemplo”, argumenta. É por isso que ele estima que 95% dos profissionais formados em Geofísica sejam absorvidos justamente por essa cadeia.

Desde 2009, o professor Porsani coordena um dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT) sediados na Ufba – o de Geofísica do Petróleo. Renovado em 2016 para seguir até 2022, o projeto conta com mais de 40 pesquisadores de instituições como a Universidade de Campinas (Unicamp) e do Senai Cimatec.

A missão, de acordo com ele, é desenvolver uma rede de pesquisadores que contribuam para os estudos de exploração de petróleo.

O INCT coordenado pelo professor Porsani ainda faz parte do GasBras, um programa ainda maior de pesquisa ligado à USP. Além dele, o INCT liderado pelo professor Jailson Andrade, que é de Energia e Ambiente, também faz parte do projeto. A proposta é estudar as melhores formas de desenvolver a indústria do gás convencional no Brasil.

“Faz parte do nosso objetivo estudar quais impactos e quais os cuidados poderiam ser tomados de forma segura. Na Geofísica, estudamos a qualidade das rochas geradoras, que são aquelas que podem sofrer estímulos para produzir o gás”, explica.

(Foto: Marina Silva/CORREIO)

Aposentadoria

Em 2000, o professor Porsani se tornou professor titular da Ufba – justamente da disciplina de Extração de Petróleo. No segundo semestre do ano passado, porém, decidiu se aposentar.

“Mas continuo por aqui”, garante. Na ocasião, apontava as salas do corredor do Igeo onde ficam os pesquisadores do seu departamento.

“Essa aposentadoria me tira a obrigação de várias coisas. Embora eu esteja aposentado, nunca estive trabalhando tanto”.

Ele sabia que, se estivesse aposentado, conseguiria tocar outros projetos – inclusive, já tem ideias para escrever dois novos livros. Até hoje, já publicou mais de 70 artigos científicos. Um dos maiores problemas, porém, é perder o contato com os alunos na graduação. E, como alguém que dedicou a vida à ciência, ele sabe bem o que essa relação pode significar.

“Os professores que a gente tem são muito importantes para despertar o sentimento do aluno para a indagação, para a pesquisa”, diz ele, que vive em uma família de cientistas.

A esposa, Elizabeth Ramos, é professora do Instituto de Letras da Ufba e os dois filhos também são pesquisadores.

Formação acadêmica, segundo o Lattes:

  • 1983 – 1986
    Doutorado em Geofísica – Universidade Federal da Bahia
  • 1978 – 1981
    Mestrado em Geofísica – Universidade Federal do Pará
  • 1978 – 1979
    Especialização em Ensino de Geologia – Universidade Federal do Pará
  • 1974 – 1978
    Graduação em Faculdade de Educação – Universidade de São Paulo
  • 1972 – 1976
    Graduação em Geologia – Universidade de São Paulo, USP, Brasil

Produtividade em números

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Em sua banca para se tornar professor titular na Ufba estava Milton Santos; seleção durou uma semana

Não era qualquer banca. Eram nomes como o geógrafo baiano Milton Santos, o pernambucano Manuel Correia de Andrade, o paulista Antonio Christofoletti e o carioca Sylvio Bandeira. Tinha, ainda, o advogado baiano Joaquim Batista Neves – que, hoje, a memória custa a trazer o nome de volta.

Esse foi o grupo que o professor Pedro de Almeida Vasconcelos encontrou, em seu concurso para a cadeira titular de Geografia na Universidade Federal da Bahia (Ufba), em 1987. “Hoje, estão todos no céu”, diz ele, que foi aprovado depois de uma semana de avaliação. Mas Pedro também era um candidato diferente.

Os concursos para titular, normalmente, são prestados por professores que já fazem parte de uma instituição. São uma espécie de progressão interna da carreira acadêmica. Mas, à época, o professor Pedro não tinha qualquer vínculo formal com a Ufba. Já dono de um PhD concluído na Universidade de Ottawa, no Canadá, fora convidado a dar aulas no mestrado em Arquitetura como colaborador. Fora isso, nunca tinha feito concurso para ensinar ou pesquisar na universidade.

(Foto: Marina Silva/CORREIO)

Mesmo assim, decidiu tentar o concurso. Em três meses, escreveu uma tese com 160 páginas comparando o transporte público do Brasil com o canadense. Era uma tese totalmente diferente da que defendera no Canadá, em 1985, que era uma análise histórica sobre a variação espacial de regiões metropolitanas brasileiras, e com pouco mais de 360 laudas.

Milton Santos fora exigente. Manuel Correia, que já o conhecia de Pernambuco, percebeu a ansiedade e chegou a fazer um sinal para que se tranquilizasse. Mas o professor Joaquim Batista Neves, ex-diretor da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, por sua vez, tinha preparado 21 páginas de perguntas sobre a defesa.

“Imagine uma tese feita em três meses. Estava cheia de erro até de digitação, porque naquela época era datilografia. Eles pediam 50 exemplares. Para que 50 exemplares? Acho que era para não ter candidato pobre”, reflete ele, hoje com 72 anos.

O professor de São Paulo não queria aprová-lo. Christofoletti  argumentava que o cargo de titular era o final da carreira de um professor. “Mas, em dez anos, não tinha aberto nenhum concurso. Eu não fiz concurso para ser titular, fiz para entrar na universidade. E entrei pela porta da frente”, defende.

(Foto: Marina Silva/CORREIO)

Com uma trajetória bem própria, o professor Pedro se tornou pesquisador do CNPq em 1987. Em 2001, recebeu a mais alta classificação: a de 1A. Hoje, ele é um dos pesquisadores 1A da Ufba.

A covid-19 poderia ter interrompido seu trabalho, mas o que aconteceu foi exatamente o contrário. Com a pandemia e a suspensão de aulas, ele conseguiu acelerar o trabalho de pesquisa. Ao mesmo tempo, porém, se intensificaram as reuniões de colegiado e bancas finais de pós-graduação por videoconferência. 

“Como eu tenho muito material na biblioteca, eu posso trabalhar em casa sem problemas. Pela manhã, trabalho no computador e, à tarde, nas leituras e notas no material. Nos fins de semana, não trabalho no computador e os horários são diferentes para que todos os dias não sejam iguais”, conta.

Aprendizagem

A entrada do professor Pedro na Ufba não foi o único momento em que destoou de outros pesquisadores. Até mesmo o caminho pela ciência foi um tanto dissonante. Natural de Recife (PE), ele cursou Geografia na Universidade Católica de Pernambuco, entre 1966 e 1969. Como muitos colegas da época, um de seus objetivos era se tornar técnico da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene). 

Mas não foi o que aconteceu. Assim que se formou, o professor Manuel Correia de Andrade – o mesmo da banca e que tinha sido seu professor durante a graduação – fez um convite. Queria que ele desse aulas em uma disciplina de Geografia no curso de Economia daquela universidade. Foi Manuel quem o incentivou a buscar uma pós-graduação fora do país.

Decidiu entrar em contato diretamente com os consulados da Bélgica e da França para tentar uma bolsa. Escolheu os dois países porque já falava francês. “A França nunca me respondeu, mas a Bélgica disse que eu ia”.

(Foto: Marina Silva/CORREIO)

Foi assim que acabou fazendo um mestrado em Urbanismo e Planejamento Territorial. Ao mesmo tempo em que essa oportunidade o levou ao mestrado, também pode tê-lo afastado, inicialmente, da sala de aula. “Eu não tinha moral nenhuma. Tinha aluno que abria o jornal na minha frente. Eu tinha que bater a porta para dizer que o professor chegou. O professor Manuel Correia foi muito gentil, mas não devia ter me convidado”, diz.

Depois de três anos na Bélgica, onde casou e teve um filho, voltou ao Brasil. 

Sem laços profissionais em Recife, escutou o cunhado, um baiano, chamando-o para morar em Salvador. O professor Pedro acabou fazendo a dissertação sobre os preços de terreno na capital baiana com base em anúncios de jornais. Defendeu a dissertação e, em 1973, voltou de vez às terras soteropolitanas.

Logo foi chamado para trabalhar na Companhia de Desenvolvimento Urbano da Bahia (Conder). Foi estagiário, técnico, assessor e se tornou diretor-superintendente. A vivência como diretor também não agradou.

“Detestei”, diz, categórico.

“Não tenho perfil. Eu sou um estudioso. Não sou um homem de ação, de comandar, dar ordem e tal. Imagine, com essa minha timidez, dar ordem para os colegas?”, argumenta, com o mesmo tom de voz baixo que manteve ao longo de duas horas de entrevista.

(Foto: Marina Silva/CORREIO)

Arquitetura

Quase dez anos depois, em 1982, participou de um evento em Campina Grande (PB), representando a Conder. Lá, encontrou um professor canadense que o chamou para fazer doutorado no Canadá. Até então, nunca tinha cogitado a possibilidade.

“Fui fazer o doutorado e adorei. Imagine ser pago para estudar? Aí, voltei para a Geografia. Fiz geografia urbana, para não mudar muito, e fiquei quatro invernos naquele país. O clima também ajuda você a estudar”, brinca.

Ao longo da entrevista, o professor Pedro reforçou algumas vezes: foi apenas no doutorado que aprendeu a pesquisar de verdade. Na Bélgica, durante o mestrado, explica, estava perdido. “Eu era muito jovem. Não sabia nem fazer fichamento direito”.

(Foto: Marina Silva/CORREIO)

Depois dos quatro anos com a família no Canadá, voltou a Salvador e à Conder. Um de seus colegas na companhia foi quem fez a ponte para que ele fosse chamado para dar aulas no mestrado em Arquitetura. Na época, não havia programa de pós-graduação em Geografia.  Depois que passou no concurso para titular, passou a dar aulas na graduação em Geografia e continuou associado ao programa de pós-graduação em Arquitetura. Quando a pós-graduação em Geografia foi criada, em 1993, deu aulas nos dois.

Urbanismo

Durante todo esse tempo, a geografia urbana foi sua companheira. A tese do doutorado analisava nove regiões metropolitanas brasileiras e o mercado informal em cada uma delas. Já a tese que fez para concorrer à vaga de professor titular comparava o sistema de transporte do Canadá com o do Brasil.

A cidade, de certa forma, sempre foi o centro de suas pesquisas. “Com o desenvolvimento das novas formas dos aglomerados urbanos, seja através do aparecimento de nebulosas urbanas, seja através do crescimento de aglomerações desmesuradas como Los Angeles, os conceitos de cidade e de urbano estão sendo cada vez mais contestados: é quase impossível constatar onde termina uma grande cidade, e mesmo estabelecer a especificidade do urbano neste final de século, com o desenvolvimento de novas formas de comunicação”, escreveu o professor Pedro, em 2006, em um artigo publicado na revista científica Geousp Espaço e Tempo.

Nos últimos anos, orientou trabalhos que vão desde a formação de cidades baianas como Jequié e Serrinha até o comércio informal na Cidade Baixa, em Salvador.

(Foto: Marina Silva/CORREIO)

Porém, ao mesmo tempo, seu trabalho não é apenas sobre o contemporâneo. Alguns de seus livros se debruçam justamente sobre o período da escravidão no Brasil – mas a escravidão urbana, como faz questão de frisar. Nos últimos cinco anos, essa tem sido uma de suas pesquisas principais. Ao fim da vigência da bolsa de produtividade atual, em 2021, ele deve lançar um livro sobre o tema.

Ao contrário da escravidão rural, a urbana oferecia mais alternativas. Os chamados ‘escravos de ganho’ andavam com certa liberdade pelas ruas. Uma vez por semana, davam uma combinação aos seus senhores.

“O resto era deles. Isso era uma contradição do próprio sistema. O escravo não podia ter bens, mas deixava em uma caixinha e normalmente comprava a alforria”, explica o professor Pedro, que também tem estudos sobre escravos libertos, artesãos e os chamados brancos pobres dos períodos colonial e imperial.

A partir da pesquisa sobre a escravidão, ele busca entender a desigualdade social no Brasil.

O trabalho é diferente do conduzido pelos historiadores, como explica. “A gente na Geografia tem um olhar importante porque, por exemplo, os historiadores têm muita dificuldade com mapa, de localizar o intraurbano. E outra coisa é que as relações espaciais são diferentes. A Geografia dá uma contribuição complementar e os temas vão além das disciplinas”, diz.

Um exemplo dessa diferença é justamente os relatos sobre os africanos que chegavam ao Rio de Janeiro e os que chegavam a Salvador. No Rio, cidade portuária que mais recebeu escravos em toda a América, aportavam nativos de países como Angola e o Congo.

Já para Salvador, por outro lado, a maioria dos africanos que chegava era de locais como Benin e onde hoje fica a atual Nigéria. Só que, enquanto o Rio recebia muitos agricultores – em localidades de Angola, por exemplo, já havia ocupação portuguesa -, quem mais vinha para Salvador eram guerreiros. Estados independentes, como a Nigéria, guerreavam com outros. Os perdedores eram mandados para cá – principalmente jejes e nagôs.

(Foto: Marina Silva/CORREIO)

“Isso virou uma engrenagem comercial. E é delicado porque, sem a colaboração dos africanos, como você encheria um navio com mil pessoas? E outras coisas terríveis. Por exemplo: aqui, um escravo valia cinco vacas. Na África, um cavalo valia dois escravos. Esse é um lado que precisa ser conhecido para não virar folclore. Essa é a história pesada que a gente arrasta”, diz.

Antes do livro sobre escravidão, porém, vai publicar outro. Originalmente, em maio, lançaria O Universo Conceitual de Milton Santos, pela editora CRV com apoio da Ucsal. “Não quero contar a história dele, mas como os conceitos dele foram evoluindo ao longo do tempo”, explica. Porém, a data de lançamento foi adiada devido à pandemia; a nova data ainda será divulgada.

Contribuição

Em 1998, quando se aposentou da Ufba, começou a dar uma disciplina na Universidade Salvador (Unifacs). Logo foi convidado também para ministrar uma matéria na Universidade Católica do Salvador (Ucsal). E permaneceu assim, com os quatro vínculos, até 2003, quando a Ucsal pediu que ele criasse a pós-graduação em Desenvolvimento Territorial, onde ele trabalha até hoje.

“Quando você se aposenta (da Ufba), não pode dar aula na graduação nem se você quiser. E eu gosto de manter o contato com os jovens”, diz. Também sentia que ainda precisava contribuir com a Ufba; assim, nunca se desligou totalmente dela.

“A população brasileira pagou para eu ficar no Canadá, pagou para eu estudar em Paris no pós-doutorado (em 2004, na Sorbonne). Por isso, eu achei que devia continuar contribuindo com a geografia. É uma espécie de retorno que eu trouxe”, explica.

Vasconcelos, Roberto Santos e João Leão: Pedro foi o vencedor da terceira edição do prêmio Roberto Santos de Mérito Científico da Fapesb, em 2017
(Foto: Ufba/Divulgação)

Mas, desde a morte do geógrafo Sylvio Bandeira – que também foi um dos pesquisadores 1A da Ufba e um de seus grandes amigos -, em 2017, decidiu desacelerar. Pediu para reduzir a carga horária na Ucsal de 40 horas para 20 horas. Na Ufba, no ano passado, pediu para sair do quadro de pesquisadores permanentes do programa de pós-graduação em Geografia para ficar com o status de docente colaborador.

Começou a fazer pilates, natação, emagreceu e mudou até a postura.

“Tentei melhorar a cabeça também porque, se eu parar, estudo o tempo todo. Você pode imaginar como a família reclama. Minha mulher fica brava”, admite.

O estudo, de fato, costuma ser colocado em primeiro lugar, entre suas preferências – junto à pesquisa, que considera relacionada. Em seguida, vem o gosto pelo ensino. Só depois, em terceiro lugar, lista as orientações de trabalho – que são tão importantes para os pesquisadores com produtividade 1A. “Porque as cabeças não são iguais”, justifica.

Formação acadêmica, segundo o Lattes:

  • 1982 – 1985
    Doutorado em Geografia – University of Ottawa, Canadá.
  • 1970 – 1973
    Mestrado em Urbanisme Et Aménagement Du Territoire – Université Catholique de Louvain, Bélgica.
  • 1980 – 1980
    Aperfeiçoamento em Planejamento Urbano e Regional – Carleton University, Canadá.
  • 1966 – 1969
    Graduação em Geografia – Universidade Católica de Pernambuco.

Produtividade em números

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Ele é um dos 700 cientistas brasileiros mais citados em todas as áreas

No início dos anos 1990, a internet ainda era algo novo; quase uma coisa escondida. Ninguém sabia muito bem o que estava acontecendo. Não era assim só no Brasil – mesmo na França, onde o professor André Lemos cursava o doutorado em Sociologia na Université Paris Descartes, a Paris 5, na capital francesa, o assunto era novidade. 

Até na França, ele foi um pioneiro: começou a estudar cultura digital em 1991. “Pierre Lévy estava na minha banca. Depois, viramos amigos e ele me disse que minha tese de doutorado foi a primeira sobre o tema”, lembra o professor, referindo-se ao sociólogo francês que é um dos mais importantes pesquisadores da cibercultura do mundo. 

A tese inovadora vinha com o assunto logo no tema: o título, em francês, era algo como ‘Cibercultura – as novas tecnologias e a sociedade contemporânea’. A parceria entre os dois continua até hoje: em setembro de 2019, inclusive, Lévy veio a Salvador para participar do Fronteiras do Pensamento em um debate mediado justamente pelo professor André Lemos. 

Filósofo francês Pierre Lévy participou do Fronteiras do Pensamento Salvador 2019; na foto, André Lemos está à esquerda e Levy ao centro
(Foto: Divulgação/Fronteiras do Pensamento/Erick Salves)

“Acho que conservo isso até hoje. Uma espécie de inquietação teórica e epistemológica se deu pela mudança de área e hoje estou na Comunicação porque, na Sociologia, a grande revolução é que essas máquinas estavam se transformando em máquinas de comunicação”, explica. 

Hoje – ou melhor, desde 1997 – ele é professor da Faculdade de Comunicação (Facom) da Universidade Federal da Bahia (Ufba). Lemos está no mais alto nível da carreira em dois aspectos: desde 2014, é professor titular da Facom, além de ser um dos pesquisadores com produtividade 1A do CNPq na Ufba, o que indica o nível mais alto da pesquisa científica. 

“Eu tive acolhimento na Facom para trabalhar com isso (cultura digital). Acho que conservo essa inquietação na minha própria área para buscar energias para compreender o contemporâneo”, diz ele, hoje com 58 anos. 

Assim como os colegas, o professor André teve a rotina nas salas na Facom alterada pelo avanço da covid-19. De casa, trabalha normalmente, exceto pelas aulas suspensas. 

“Reúno meu grupo de pesquisa toda semana, estou fazendo as pesquisas, escrevendo, publicando, orientando meus alunos de TCC, mestrado e doutorado, fazendo muitas conferências (lives)”, cita. 

A pandemia, por sua vez, se tornou um dos assuntos de um dossiê lançado por seu grupo, que ainda tem desenvolvido pesquisas sobre fake news e vigilância de dados.

Tecnologia e a sociedade

Nascido no Rio de Janeiro, veio para Salvador com os pais na juventude. Aos 17 anos, passou para Engenharia Mecânica na Ufba, em 1980. No início, se imaginava engenheiro; queria fazer projetos de máquinas. Mais ao final do curso, cresceu o interesse pelas leituras a partir da própria Engenharia. Começava, ali, a surgir um pesquisador.

(Foto: Arisson Marinho/CORREIO)

Até então, sua área não tinha muita bibliografia sobre o impacto da tecnologia na sociedade. Queria entender os problemas causados por esse desenvolvimento.

“A gente sabia como botar as indústrias do Polo (Petroquímico de Camaçari) para funcionar. Era isso que a gente era bem ensinado, mas a minha inquietação me levou para outra coisa”, conta.

Assim, decidiu buscar um curso de pós-graduação que respondesse esses dilemas. Chegou ao mestrado em Engenharia de Produção na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ao contrário da graduação, era um curso voltado à política de ciência e tecnologia, história da ciência e filosofia da técnica. 

Foi seu primeiro movimento de transição. O segundo veio logo após concluir o mestrado, com o estudo da Sociologia no doutoramento. Era o contexto em que a revolução da informática começava a explodir. Por isso, a Sociologia apareceu como um caminho para entender as transformações tecnológicas. 

“Minha formação, embora passeie por áreas, sempre teve um interesse sobre a técnica; os objetos técnicos e a relação com a sociedade”, analisa. 

Quando estava para defender a tese, em 1995, estava acompanhado por grandes sociólogos. No entanto, para a banca, precisava de alguém que entendesse mais diretamente do que estava falando. A maioria dos franceses nem mesmo usava email. Foi assim que chegou a Pierre Lévy, que já era um expoente da área.  De lá para cá, a amizade continuou. Até livro os dois já lançaram juntos – O Futuro da Internet: em direção a uma ciberdemocracia, de 2010.

Comunicação

O professor André concluiu o doutorado em uma época em que as universidades federais ainda eram carentes de doutores. Assim, era comum que as próprias universidades buscassem pesquisadores que estivessem fazendo doutorado fora do Brasil com bolsas do CNPq ou da Capes.

Assim, foi convidado pela Facom para uma bolsa para recém-doutores.

“Eu digo que fui convidado e acolhido porque muitas escolas de Comunicação talvez não me acolhessem, porque não sou formado em Jornalismo e Comunicação”. 

Quando chegou, o professor que ministrava a disciplina de Comunicação e Tecnologia estava se aposentando. E, naquele começo, ainda sem tanta aproximação com a nova área, era a única que acreditava ter condições de ministrar. 

De lá para cá, os interesses de pesquisa se expandiram – mas sempre ligados à cultura digital e aos fenômenos contemporâneos. O projeto mais recente foi sobre Smart Cities (cidades inteligentes) e Internet das Coisas (IoT, na sigla em inglês). O objetivo era entender o papel dos objetos a partir das novas funções que adquiriam. 

Agora, tem estudado mais a partir da epistemologia e como a visão dos objetos é negligenciada nas teorias da Comunicação. Para o professor André, a visão hoje é muito antropocêntrica. Com isso, torna-se difícil ver os produtos e processos da cultura digital.

“Quando eu posto no Facebook, sou eu ou o Facebook (quem posta)? Eu não tenho o menor controle de para onde a minha postagem vai. Se eu penso no Facebook apenas em relação aos humanos, não vou compreender o processo”.

Assim, o projeto de pesquisa aprovado para desenvolver de 2019 a 2024 é acerca da compreensão dos processos de mediação e sobre como absorver o papel dos objetos técnicos nas suas análises da cultura digital. Se uma pessoa posta no Instagram, por exemplo, ela pensa em legenda, hashtag, em um lugar ‘instagramável’ e, assim, um objeto passa a alterar a prática das pessoas no dia a dia. 

(Foto: Arisson Marinho/CORREIO)

Em 2015, estava entre os 700 pesquisadores mais citados – entre todas as áreas. Na Ufba, apenas 27 pesquisadores estavam no ranking Webometrics Ranking of World Universities, que listou três mil profissionais com base nas citações do Google Acadêmico. Mas o maior reconhecimento talvez tenha vindo antes: em 2014, foi classificado pesquisador 1A do CNPq.

Como a maioria dos colegas, vê a classificação como um “reconhecimento” do trabalho.

“Não é um direito adquirido. Se eu começar a não ser produtivo, perco esse status”, reflete.

A produtividade, de forma geral, é avaliada por critérios como o número de publicações. No caso do professor André, a média é de cinco a seis artigos por ano.

Por paixão

“Eu faço o que gosto. Me dedico à pesquisa por prazer. Gosto de orientar, gosto de dar aula. Minha dedicação é total, mas não acho que abdiquei de nada. Minha família me acolhe muito bem, compreende minha carga de trabalho”, conta. 

Pai de dois filhos, se divide entre a rotina com a família e o trabalho. Ainda assim, não costuma passar noites trabalhando. Diz, com frequência, que é um burocrata: trabalha até meio-dia, depois das 14h às 18h. 

Aos orientandos, tenta mostrar a realidade – ou seja, “as dores e as delícias” de fazer pesquisa. Tenta estimular que prossigam com o ‘vírus’ da inquietação da pesquisa. E, em um contexto de contingenciamento e cortes orçamentários, sabe que o financiamento de pesquisadores, através de bolsas e outros auxílios, é importante. 

“Nem todo mundo tem o privilégio de trabalhar no que quer. Eu tive o privilégio pelo meu esforço e pelo governo brasileiro. Se não fosse o apoio, jamais estaria fazendo o que faço hoje. Talvez fosse um engenheiro no Polo. Talvez estivesse mais rico, mas não estaria mais feliz”. 

(Foto: Labfoto/Divulgação)

Além da vida na universidade, o professor André tem outras facetas. Uma de suas paixões, por exemplo, é a escrita. Já tem três livros de ficção lançados – dois romances e um livro de poesias. Costuma escrever nas férias, quando também aumenta a lista de livros de ficção lidos.

“Vejo algumas séries, filmes, mas sou leitor compulsivo. Leio uns 30 livros de ficção por ano e leio vários ao mesmo tempo”, revela. Em 2019, alguns dos títulos que leu incluíam Máquinas Como Eu, de Ian McEwan; A Transparência do Tempo, de Leonardo Padura, e O Sol na Cabeça, de Geovani Martins.

Respirar

A cada 15 dias, tenta ir à praia – geralmente, no Litoral Norte, entre Itacimirim, Praia do Forte e Arembepe. Gosta do contato com a natureza, ainda que sempre leve computador e alguma quantidade de trabalho. 

Quando estava para mudar para o Rio de Janeiro, por volta de 1984, descobriu o tai chi chuan. Desde então, pratica. Passou pelo judô, karatê, tae kon do, mas o tai chi trouxe equilíbrio até na respiração. 

“Me dá tranquilidade de espírito”, explica ele, que é o do tipo de pessoa que gosta de fazer listas do que fazer para se organizar. “Gosto muito de andar também, de um lugar a outro. Acalma a mente e me permite pensar melhor. Vários pensadores faziam isso. (Arthur) Schopenhauer, (Friedrich) Nietzche pensavam andando”, completa. 

Nem sempre os dias em sala de aula são fáceis. Na graduação, principalmente, não é incomum chegar para dar aula e encontrar um estudante dormindo.

“Mas eu dou a melhor aula possível, porque o aluno do lado está prestando atenção. Eu sempre brinco com a Matrix: que pílula vão tomar? A azul ou a vermelha? Eles (os alunos) já são adultos. Não tem papai e mamãe obrigando”, diz. 

O desafio para os estudantes de graduação é difícil. No filme de 1999, o protagonista precisa escolher entre as duas pílulas. Se escolher a azul, vai continuar inconsciente de que percebe a realidade como uma ilusão. Se escolher a vermelha, vai compreender que tudo que acreditou ao longo da vida era mentira.

Agora, o professor André tem sentido diariamente a desvalorização dos professores e pesquisadores das universidades federais. Sabe que a carga emocional é tão pesada que afeta até mesmo a produtividade. 

“Por isso, cada vez que eu vou falar, digo que a Ufba é um patrimônio da Bahia. Somos produtivos e a universidade está sob ataque. É preciso que as pessoas entendam que a universidade é um lugar sério”, reforça.

Formação acadêmica, segundo o Lattes:

  • 1991 – 1995
    Doutorado em Sociologia – Université Paris Descartes, Paris V, França.
  • 1991 – 1992
    Mestrado em D.E.A.- Sociologia (Cult. e Comp. nas Soc.Contemp). – Université Paris Descartes, Paris V, França.
  • 1986 – 1991
    Mestrado em Engenharia de Produção – Universidade Federal do Rio de Janeiro.
  • 1980 – 1984
    Graduação em Engenharia Mecânica – Universidade Federal da Bahia, Ufba.

Produtividade em números

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Gleidson Giordano: o filho de produtor rural que se tornou o mais jovem pesquisador 1A https://especiais.correio24horas.com.br/ocerebrodaufba/gleidsongiordano/ Thu, 25 Jun 2020 04:08:00 +0000 https://especiais.correio24horas.com.br/ocerebrodaufba/?p=2702 Mineiro, virou professor do Departamento de Zootecnia da Ufba aos 28 anos Aos 28 anos, alguns jovens podem estar começando a vida adulta – tendo o […]

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Mineiro, virou professor do Departamento de Zootecnia da Ufba aos 28 anos

Aos 28 anos, alguns jovens podem estar começando a vida adulta – tendo o primeiro trabalho como recém-formado na graduação, por exemplo. Mas, no caso do jovem Gleidson Giordano, os 28 anos vieram com uma novidade: a aprovação para o cargo de professor na Universidade Federal da Bahia (Ufba), no que viria a ser o curso de Zootecnia.

Ali, no fim de 2008, deixou a família no interior de Minas Gerais para dar aulas à primeira turma do então curso recém-criado, que teve início no ano seguinte. O professor Gleidson tinha acabado de concluir o doutorado – fez o trajeto de quatro anos em aproximadamente dois anos e oito meses. Antes disso, terminou o mestrado em apenas um ano (metade do tempo previsto). 

Talvez por isso – e pelo fato de ter se interessado pela ciência tão cedo –, conseguiu um feito de poucos: aos 40 anos, é o mais novo, entre os pesquisadores 1A da Ufba. A classificação máxima veio em 2018, apenas sete anos depois de ter começado a receber a bolsa de produtividade. Quando a solicitou pela primeira vez, em 2011, só estava na Ufba há dois anos. 

“Foi meteórico, mas não sou vaidoso. Me considero muito simples, tanto que, em 2018, o CNPq já estava com sinais claros de falta de dinheiro. Eu tinha medo de não conseguir renovar o 1D, porque é de 1D para cima que você tem taxa de bancada”, lembra.

A taxa de bancada é o valor pago além da bolsa de produtividade para garantir a manutenção da pesquisa. É com esse recurso que muitos cientistas compram materiais como reagentes e insumos, material perecível de laboratório, material bibliográfico e até combustível para pesquisa de campo. 

Mesmo assim, o professor Gleidson garante que nunca teve o objetivo de ter a classificação 1A. O sonho, desde o início, era ser bolsista de produtividade. É aquela história: a bolsa é um reconhecimento. Da excelência, da qualidade do trabalho, do quanto aquela contribuição é importante para o meio científico. 

“Eu era pesquisador 2 e tinha renovado. Quando foi antes da metade (do período de vigência), o CNPq fez uma reclassificação porque viram que tinha muita gente nível 1 com baixa produtividade. Subi para 1D e fiquei quatro anos, até virar 1A no ano passado. Falo com todo coração: foi uma surpresa, mas uma surpresa muito agradável mesmo. Foi uma consequência natural”, explica. 

Mineiro, o professor Gleidson fez a graduação na Uesb; no mestrado e doutorado, estudou na UFV
(Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO)

Vida rural

O professor Gleidson nasceu na cidade mineira de Várzea da Palma, mas cresceu a menos de 50 quilômetros, em Buritizeiro, também em Minas Gerais. No ano passado, a população estimada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para Butizeiro era de pouco mais de 28 mil habitantes.

“A gente brinca que é cidade de primeira (marcha). Porque quando você passa a segunda, no carro, acabou a cidade”, conta. 

Filho de um pequeno produtor rural, logo percebeu que gostava das Ciências Agrárias. Na infância e na adolescência, estudava de segunda a sexta-feira. Aos finais de semana, seguia para a fazenda. Enquanto o pai tirava leite das vacas, descobria o que era Zootecnia. 

“Isso me despertou um interesse muito grande. Fui gostando da parte de produção animal mesmo”, diz. Na família, todos enveredaram pela área: uma das irmãs se tornou médica veterinária; a outra, engenheira de alimentos. O pai – um homem do campo, que só estudou até o terceiro ano do Ensino Fundamental – dificilmente pensaria que, no futuro, teria três filhos doutores. 

Gleidson fez o vestibular para Agronomia, na Universidade Estadual de Montes Claros e para Zootecnia nas Universidades Federais de Lavras (Ufla) e de Viçosa (UFV). Só foi aprovado em agronomia. 

Cumpriu três semestres até descobrir que, na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb), na cidade de Itapetinga, havia o curso de Zootecnia. E mais: que era possível fazer transferências entre as universidades estaduais, ainda que uma estivesse na Bahia, outra em Minas Gerais.

Desde cedo, foi como se entendesse como a ciência funciona. A pesquisa, para o professor Gleidson, começou quando foi bolsista de iniciação científica, no terceiro semestre. Em toda a Uesb, havia apenas 23 auxílios disponíveis para estudantes de graduação concorrerem.

“Pense aí, que briga de boi”, diz, aos risos.  

Ali, começou a acompanhar trabalhos na área de produção de forragem, silagem, feno, e dos chamados pequenos ‘ruminantes’ – que são caprinos e ovinos. Mas foi só no segundo ano de iniciação científica que começou a entender o que estava fazendo. Foi quando definiu: queria ser pesquisador. 

“Na verdade, meu maior sonho era ser pesquisador da Embrapa. Mas o concurso só abriu quando eu já era professor. Estava realmente muito determinado”, conta, referindo-se à Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. 

Estímulo

Na iniciação científica, ficou encantado pelas descobertas. Percebeu que, ao produzir uma forragem conservada, podia encontrar um novo alimento e testar na alimentação de caprinos e ovinos. A partir daí, conseguiria avaliar o potencial de ganho do animal e se o novo alimento poderia, ou não, substituir algum outro. 

O mestrado e o doutorado foram na UFV, ambos em tempo recorde. Durante cada um dos cursos, lembrava de um ensinamento do pai: toda vez que decidisse fazer algo, tinha que fazer a melhor forma possível. Assim, enquanto alguns colegas cursavam duas disciplinas por semestre, ele fazia três ou quatro. 

Ele se tornou pesquisador do CNPq em 2011, dois anos após entrar na Ufba
(Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO)

“Eu sempre me dedicava 100% aos estudos. O entusiasmo conta muito. Quando você faz com prazer, com amor, a dedicação é outra”, reflete. 

Nos últimos anos, tem testado produtos agroindustriais do biodiesel para a alimentação de caprinos e ovinos. Além disso, avalia silagens com aditivos químicos e microbianos para bovinos e caprinos. E se isso pode parecer distante demais da vida de quem não é produtor rural, a realidade é outra. 

Quando se estuda a possibilidade de uso de alimentos de menor custo na dieta animal, a médio e longo prazo, caso essas iniciativas passem a ser usadas de forma massificada, o custo de produção cai. Ou seja: a carne que vai ser vendida para o consumidor virá com um preço mais acessível. 

Mas, para que seja bom para todo mundo – mais barato para quem compra e também mais rentável para quem produz -, é preciso que a pesquisa exista. E é por isso que, por ano, o professor e seu grupo de pesquisa têm uma meta de publicar, no mínimo, cinco artigos. No entanto, esse objetivo é sempre superado. Às vezes, publica o dobro. Em alguns anos, o triplo.  

Na Bahia

Ainda que tenha feito Zootecnia na Bahia, no início, ele não pensava em vir para cá. Viu o concurso para professor quando estava prestes a terminar o doutorado, mas chegou a se inscrever para uma vaga na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Só que a seleção acabou sendo no mesmo período nas duas instituições. 

“Fiquei com a opção de tentar na Ufba pelo peso da instituição, por ser mais próximo de Minas, de meus pais. Pensei em vários fatores e, quando fiz, fui classificado em primeiro lugar”, diz Gleidson. 

No início, foi difícil se adaptar. Não tinha costume de viver em grandes cidades. Chegou apreensivo, mas foi bem recebido. “Minha chegada foi em alto estilo, perdendo para o trânsito de Salvador, com retorno a cada dois quilômetros”, lembra. Hoje, casado e pai de uma filha de oito anos, não pensa em sair da cidade – a menos que seja para um fim de semana com a família na praia de Imbassaí, em Mata de São João, onde tem uma casa. 

O professor Gleidson sabe que, para a Ufba, é importante que existam pesquisadores como ele. É assim que os programas de pós-graduação são avaliados e recebem notas. Além disso, a classificação 1A facilita a captação de recursos vindos de outras instituições – não só do CNPq, mas de agências também como a Fapesb.

“Se juntar os projetos individuais que já busquei com recursos dessas instituições e de outras, tenho certeza de que a soma é coisa para mais de R$ 1 milhão e grande parte desses recursos é para compra de equipamento que é da universidade”. 

Hoje, porém, a situação é diferente. Ele tem alguns projetos com recursos que tinham sido aprovados há mais de dois anos. No entanto, os investimentos estão contingenciados. Nos últimos quatro semestres, não aceitou novos orientandos no doutorado.

No último processo seletivo, aceitou um estudante de Valença que veio com um projeto financiado. Além disso, vai orientar uma estudante do mestrado porque já tinha sido seu orientador na iniciação científica. Agora, tentam adaptar o projeto para um trabalho mais básico, que possa ser executado nesse cenário de falta de recursos. 

Como outros pesquisadores, o professor Gleidson tem enfrentado dificuldades com o contingenciamento de recursos para a educação e a ciência
(Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO)

“Não está tendo recurso para pesquisar trabalho de dissertação e tese. A universidade está passando por grande dificuldade financeiras, sem condição de apoiar as pesquisas com transporte e outras coisas básicas”, diz, com o pesar de quem sempre chegou a ter dez orientandos ao mesmo tempo.

Tendo sido credenciado aos programas de pós-graduação da Ufba e também da Uesb, o professor Gleidson tem números altos de orientações – que é justamente um dos critérios para a avaliação das bolsas de produtividade. Contando os que chama de ‘co-orientandos’, em que não tinha o vínculo de orientador principal, mas participou ativamente da pesquisa, chega a 94 pesquisadores. 

Com a pandemia do coronavírus, os laboratórios fechados e a fazenda experimental da Ufba, em São Gonçalo dos Campos, também paralisada, ele estima que o trabalho tenha sido afetado em até 90% das atividades de campo. Mesmo assim, como os colegas, tenta se adaptar.

“As pesquisas de zootecnia têm impacto direto no agronegócio. A impossibilidade de continuar vai inviabilizar melhorias que poderiam otimizar as pesquisas na Bahia e no Brasil. Fora que o papel social que a instituição tem na vida das pessoas também vai ficar muito prejudicado, porque vamos ter menos gente entrando na universidade para se qualificar”, reflete. 

Formação acadêmica, segundo o Lattes

  • 2006 – 2009
    Doutorado em Zootecnia – Universidade Federal de Viçosa (UFV)
  • 2005 – 2006
    Mestrado em Zootecnia – UFV
  • 2000 – 2004
    Graduação em Zootecnia – Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb)

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