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Por Graciliano Rocha*
A canonização de Irmã Dulce é um fato que deveria ser comemorado por todos os brasileiros, independente da religião. Ao declará-la santa oficialmente, o papa Francisco indica que a vida desta baiana excepcional é um exemplo a ser seguido por todos os católicos. Mas, em termos não-canônicos, essa honraria também homenageia muitos valores que fazem tanta falta hoje em dia.
Para quem a conheceu ou estudou a trajetória dela, Irmã Dulce ganhou fama de santa quando ainda estava viva porque deixou entrar na própria alma o eco das angústias de quem via faltar o alimento, a roupa, a casa, a instrução, o trabalho e remédios.
A vida da cidadã Maria Rita de Souza Brito Lopes Pontes, seu nome civil e pelo qual atendeu até os 19 anos, foi reflexo dos acontecimentos históricos moldaram as circunstâncias que Irmã Dulce encontrou na Bahia. A população de Salvador foi multiplicada por sete durante o período da vida dela, enquanto a economia baiana cresceu menos do que deveria para incluir tanta gente.
A explosão demográfica e o atraso econômico incorporaram à paisagem favelas cada vez maiores e é neste contexto que a ação de Irmã Dulce fez a diferença. Nos Alagados, filha mais vistosa deste fenômeno, a freira teve uma atuação marcante a partir dos anos 1950, tendo sido o último recurso daqueles que necessitavam de assistência médica ou donativos.
Hoje, costumamos encarar a saúde como um direito fundamental, mas nem sempre foi assim. Antes da Constituição de 1988 e da criação do Sistema Único de Saúde, o acesso a hospitais públicos era muito difícil a quem não tinha carteira assinada. O hospital criado a partir de um antigo galinheiro em 1949 foi um alívio numa situação de urgência social extrema.
A expansão do hospital foi fruto de características da indomável personalidade de Irmã Dulce, a despeito de sua fragilidade física: a coragem de assumir riscos assustadores, o talento para forjar alianças com ricos e poderosos (sem se deixar usar por eles) e capacidade de gestão, pura e simples.
Irmã Dulce foi a maior brasileira do século XX. Seu legado de amor ao próximo, o mais bonito mandamento cristão, é o que a canonizou no coração dos baianos desde sempre.
Que bom ver o papa reconhecendo isso.
*Graciliano Rocha é jornalista e autor do livro Irmã Dulce, a Santa dos Pobres (Editora Planeta/2019)
O projeto Pelos Olhos de Dulce tem o oferecimento do jornal CORREIO e patrocínio do Hapvida