Berço de Glauber Rocha, Elomar, Xangai e Ricardo Castro, Conquista também abrigou a família Gil

Único brasileiro que já ganhou o Prêmio de Melhor Diretor do prestigioso festival de Cannes, na França, Glauber Rocha nasceu em Vitória da Conquista, em 14 de março de 1939. Muita coisa mudou, até o nome da rua, que era das Várzeas e agora se chama 2 de julho. Mas a casa construída pelo seu avô materno, Antônio Vicente Andrade, em 1938 continua lá. As iniciais A.V.A, que podem ser vistas no alto da fachada do imóvel, são dele. Décadas depois, Ava foi o nome dado por Glauber à filha que teve com a também cineasta Paula Gaitán.

Casa de Glauber Rocha – Foto: Renato Santana

A Prefeitura planeja transformar a casa em museu. “Temos mantido contato com a família. Uma das coisas que vamos fazer é tombar o imóvel, além de cumprir acordo financeiro com os proprietários”, revela Tina Rocha a secretária municipal de Cultura, Turismo, Esporte e Lazer.
Um dos criadores do Programa Janela Indiscreta, da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), o professor Esmon Primo, conta que a mãe de Glauber, Lúcia Rocha, que morreu em 2013, era entusiasta da iniciativa. “Ela foi peça fundamental na reaproximação com a cidade. Desde 1996, ela passou a vir com frequência e disponibilizou cópias do acervo”, conta ele.

Casa de Glauber Rocha – Foto: Renato Santana

A casa
São 15 cômodos e uma área de cerca de 1 mil metros quadrados. O expoente do Cinema Novo nasceu em um pequeno quarto do lado direito da residência, que tem uma porta de acesso para garagem. Após divisões de herança, o imóvel passou a pertencer ao seu tio Hermes Mendes de Andrade, irmão de Lúcia Rocha, que viveu até os 105 anos e foi o último morador da residência, onde morreu, naturalmente, há 4 anos.
“O parto de Glauber Rocha foi aqui no quarto mesmo, com ajuda de uma parteira e um médico da família”, contou a prima do cineasta, Elizermes Andrade Mendes, de 77 anos, atual dona do imóvel. Em sua casa, que fica ao lado do imóvel, ela exibe na parede da sala um pôster do filme A Idade da Terra, presente da tia Lúcia Rocha, a quem ela considerava uma segunda mãe.

Casa de Glauber Rocha – Dona Elizermes – Foto: Renato Santana

A casa, de estilo predominantemente Art Deco, mantém traços originais. Internamente, as paredes de cor verde construídas com adobe – tijolos de terra crua, água e palha -, o chão de madeira, as portas de madeira, os lustres e retratos dos bisavôs de Glauber resistem ao tempo.
Do lado de fora, os pés de banana, jabuticaba, limão e goiaba indicam o quão arborizado e frutífero era o jardim da família Andrade. “Tínhamos até rosas. Você chegava em casa e já sentia o aroma” relembrou, com saudade, Janete Andrade, 58, filha de Elizermes e prima de segundo grau do cineasta.
Em 1947, aos 8 anos, juntamente com seus pais e suas irmãs, ele se mudou para Salvador e retornou a Conquista raras vezes, sempre em passagens rápidas. Uma delas foi quando ele gravou cenas do seu primeiro filme a cores, O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro. A caminho do município baiano de Milagres, onde o longa foi rodado, o cineasta pernoitou na casa de familiares na sua terra natal.

Casa de Glauber Rocha – Foto: Renato Santana

Presente
Censurado pela ditadura militar, Glauber, que já havia sido preso por 23 dias por estar em um protesto durante uma reunião da Organização dos Estados Americanos (OEA), em 1965, partiu para exílio em Portugal, em 1971, de onde nunca voltou definitivamente. Morreu aos 42 anos, em 1991, vítima de um choque bacteriano.
Mesmo tendo vivido pouco em Conquista, Glauber influencia e é lembrado na cidade. Em 2009, 28 anos depois de sua morte, foi criado o Curso de Cinema e Audiovisual no campus de Vitória da Conquista da UESB. Eventos de cinema, como a Mostra Cinema Conquista, também mostram a influência dele na cidade. O cineasta ainda deu nome ao Centro Cultural municipal, que abriga uma escola de música, além do novo aeroporto, que tem previsão de ser inaugurado este ano, quando o cineasta completaria 80 anos.
Em março, mês de nascimento dele, a Prefeitura realizará a Mostra Glauber Rocha, com filmes, palestras e apresentações musicais em um local que ainda será divulgado. A sétima edição da Semana Glauber, que é realizada pela UESB a cada dois anos, contará com exibições de longas e curtas metragens e debates no Teatro Glauber Rocha.

Casa de Glauber Rocha – Moveis que estavam na casa – Foto: Renato Santana

Música
A terceira maior cidade da Bahia também tem grandes artistas da música. Elomar Figueira Mello, ou simplesmente Elomar, se formou em arquitetura, mas foi como cantor e compositor que ficou conhecido. Ele já gravou 16 álbuns, dois deles, Cantoria 1 e 2, são frutos de apresentações no Teatro Castro Alves, em Salvador, em 1984, nas quais Elomar dividiu canções com Geraldo Azevedo e Vital Farias.

Estrada de acesso a Fazenda Casa dos Carneiros – Divulgação

Em dezembro do ano passado, quem esteve em Conquista teve a oportunidade de assistir uma apresentação Elomar. O concerto Muntano o Modengo foi realizado ao lado do filho João Omar, que é maestro e compositor e acompanha o pai desde os nove anos. O cantor não dá entrevistas há 30 anos. Segundo sua produção, que falou com o CORREIO por telefone, o cantor mora, atualmente, na Fazenda Casa dos Carneiros, a 20 quilômetros do centro da cidade, onde ele tem construído a Associação Cultural Casa dos Carneiros, que pretende reunir suas obras.

Elomar – divulgação

Elomar, inclusive, influencia musicalmente outro conquistense famoso na música, o cantor Xangai, que nasceu na zona rural de Itapebi, mas foi registrado em Vitória da Conquista. “Somos da mesma família, mas, independentemente de parentesco, a minha relação com Elomar é por conta da música. Ele é uma referência em toda área”, conta Xangai. Em março, o cantor se apresentará na sua cidade no dia 19.

Xangai – Foto: Veronica Manevy – Divulgação

Com 10 álbuns gravados, Xangai voltou a viver em Conquista há dois anos, depois de ter vivido na capital baiana, em Minas Gerais e no Rio de Janeiro. “Todo lugar tem música, porém Conquista é um lugar que é referência cultural, pois é onde se conhece muitas pessoas ligadas a arte, como na literatura e na música”, declara.
O músico Ricardo Castro, fundador do Neojiba NEOJIBA (Núcleos Estaduais de Orquestras Juvenis e Infantis da Bahia), também é conquistense. Nascido em 1964, sua família se mudou para Salvador quando ele tinha nove meses. Aos cinco anos ingressou na Escola de Música e Artes Cênicas da Universidade Federal da Bahia. Estudou fora do país e ganhou prêmios internacionais, como o Honorary Membership da Royal Philharmonic Society (2013), que nunca antes havia sido dado a um brasileiro.

Ricardo Castro – Foto: Evandro Veiga – Arquivo Correio

Família Gil
“Um homem de bem e de sorriso aberto, que gostava de fazer amizade”. É assim o sociólogo e escritor Durval Menezes lembra do médico José Gil Moreira, pai do cantor Gilberto Gil. A família Gil chegou em Conquista em 1958, porém o artista não morou na cidade. Ficou, na época, em Salvador para concluir os estudos.
O pai de Gil foi para o sudoeste baiano trabalhar no Departamento de Endemias Rurais, que depois se fundiu a Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (SUCAM), que hoje integra Fundação Nacional de Saúde (Funasa). Além disso, ele atendia como clinico geral e dermatologista em um consultório na Praça da República. Atualmente, o espaço abriga um escritório de advocacia.
O patriarca se candidatou a vereador nas eleições de 1962. Se elegeu e tomou posse no ano seguinte. Além de médico e político, o pai de Gil ainda foi professor. Ele morou em uma casa que ficava na esquina entre a rua Siqueira Campos e a avenida Jonas Hortelio. Atualmente, um bar funciona no imóvel, que fica na Praça Orlando Leite, em homenagem a um amigo do velho Gil da política. Porém, local é popularmente chamado de Praça do Gil.
Não foram muitas as vezes que Gilberto Gil foi em Vitória da Conquista, porém o cantor tem boas lembranças de lá. Em 2014, durante apresentação no Festival de Inverno Bahia, ele falou da sua relação com a cidade. “Que prazer voltar a essa terra que é quase a minha terra, também é a minha terra. Saudade é assim, às vezes bate quando a gente chega, não quando a gente sai. Muitas lembranças, muitas coisas. Um prazer enorme”, disse.

Praca do Gil – Foto: Renato Santana
Dr. José Gil Moreira, pai de Gilberto Gil cercado por amigos – Foto: Renato Santana
Praca do Gil – a casa em que o Dr. José Gil Moreira, pai de Gil morou – Foto: Renato Santana

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