Tocados por Dulce: freira contou sempre com voluntários para construir e manter seu legado

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Por Jorge Gauthier (jorge.souza@redebahia.com.br)

Na primeira vez que ajudou alguém - uma indiazinha cega na porta de sua casa no bairro do Barbalho - Irmã Dulce não estava sozinha. Tinha sua tia Madalena ao seu lado. Foi assim ao longo das quase sete décadas dedicadas à caridade. Dulce sempre teve auxílios para seguir sua missão de amar e servir. E não só freiras, padres e médicos: a ajuda vinha de qualquer lugar. De 1949, quando invadiu o galinheiro do convento para abrigar cerca de 50 doentes, até 1961 - quando o Albergue Santo Antônio funcionava com 150 leitos - Irmã Dulce não tinha médico ‘de carteira assinada’ atuando no cuidado das pessoas. O médico americano Frank Raila foi, em 1961, o primeiro a atuar em dedicação exclusiva com a freira.

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Voluntários sempre ajudaram Dulce no seu propósito de construção de obra social (Foto: Osid/Divulgação)

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Dulce começou trabalho social em Salvador nos anos 1930 (Foto: Osid/Divulgação)

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Os doentes eram colocados onde havia espaço: até debaixo das camas(Foto: Osid/Divulgação)

Atualmente, mais de 4,3 mil profissionais trabalham nas Obras Sociais Irmã Dulce (Osid) em toda Bahia. A entidade registrou um aumento na profissionalização a partir de 1983, quando o albergue virou Hospital Santo Antônio passando para 450 o número de leitos. Hoje, são mais de 3 mil funcionários somente no complexo de saúde das Osid na capital baiana, incluindo 300 médicos. Em 2019, são 954 leitos hospitalares no complexo da entidade, em Salvador.

Esses profissionais registrados pelas leis trabalhistas contam com a ajuda de 300 voluntários no acolhimento mais próximo ao que Dulce fazia quando estava viva. “Eles fazem manter vivo o legado de Dulce de amar e servir. Eles dão carinho, afeto e palavras de conforto que, pela rotina, os profissionais que estão atuando na área não conseguem. Eles são os olhos de Dulce no atendimento das pessoas. Há pessoas de todas as idades, inclusive crianças. Do total, 85% são mulheres e 75% são pessoas idosas”, explica a supervisora dos voluntários da Osid, Salma Araújo. O número de voluntários dobrou desde maio, quando foi anunciada a canonização de Dulce.

85%

dos voluntários são mulheres

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Dulce tinha atenção especial pelas pessoas com deficiência (Foto: Osid/Divulgação)

Nem todos os voluntários trabalharam ou conviveram diretamente com Dulce. Mas todos de alguma maneira foram tocados pelo exemplo da freira. Altanira foi sua menina. Pelos olhos de Dulce ela viu a pobreza, a miséria e caridade. Mudou seu olhar sobre a vida. Luzia segue seu exemplo no cuidado às pessoas com deficiência. Elza faz questão de manter o conforto do abraço. Ayda, assim como Dulce, sonha em aumentar o acolhimento às pessoas. Elas e os outros voluntários mantêm vivo o legado deixado pela nova santa da Igreja Católica.

Altanira, a menina de Dulce

“Alecrim, alecrim dourado, que nasceu no campo sem ser semeado”. Os versos da cantiga popular não saem da mente de Altanira Reis de Araújo Goes, 79 anos, desde 1948 quando começou a estudar na Escola Santo Antônio do Círculo Operário da Bahia (COB), fundado por Irmã Dulce.

A música, que hoje Altanira canta para pacientes do Hospital Santo Antônio, no Largo de Roma, em seu trabalho voluntário, era cantarolada por Dulce quando chegava ao colégio para acalmar as crianças.

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Altanira Reis de Araújo Goes era chamada de 'menina' por Dulce (Foto: Yuri Rosat/CORREIO)

“Meu contato primeiro com ela foi no bairro da Massaranduba, onde eu morava. Tinha uma capela lá que ela ia dia de domingo participar das missas. Quando eu fiz minha primeira comunhão, ela estava lá tocando na missa. Estudei na escola do COB por cinco anos e ela sempre acalmava as crianças tocando o acordeon”, conta Altanira, que perdeu o pai para a tuberculose nos anos 1940, quando ainda tinha seis meses de vida. Foi Dulce quem ajudou o pai de Altanira a receber atendimento médico. A freira também conseguiu o enxoval para os pais dela se casarem.

Por gratidão, Altanira dedica, há mais de 30 anos, pelo menos um dia da semana a ser voluntária nas obras criadas por Dulce. “Aqui eu faço de tudo. Corto fita, envelopo cartas, ajudou a limpar. O que precisar. E toda terça-feira, eu fico na geriatria e na oncologia dando apoio aos pacientes e os parentes. Às vezes, é só um abraço, mas que melhora o dia dessas pessoas e o meu também. Aprendi esse exemplo de caridade com Dulce e quero manter isso na minha vida. Ela me ajudou muito e eu tenho que retribuir isso”.

Altanira, que era carinhosamente chamada por Dulce de ‘Menina’, era uma das preferidas para seguir com ela nas ruas em busca de doações. “Ela me chamava sempre de Menina e gostava de sair comigo na Kombi branca para pedir doações. Foi em um desses dias que tive a maior lição de minha vida de amor ao próximo. Jogaram um homem com uma ferida enorme na perna. Estava cheia de bichos na ferida e ela se abaixou e tirou um por um, sem fazer cara feia. É uma lembrança que me toca até hoje e que me motiva a continuar no voluntariado”, recorda-se Altanira, que também tem uma neta como voluntária mirim nas Osid.

Quando ficou adulta, Altanira continuou sendo acionada por Dulce. “Por quatro meses, eu fiquei cuidando da lavanderia do hospital. Quando ela começou a receber doação de roupas dos Estados Unidos, nos anos 1970, ela resolveu fazer bazar para vender as roupas e me colocou para tomar conta. Eram galpões enormes na região do Comércio. Ela era muito pidona e contava com a ajuda de muita gente. Quando ela queria uma coisa, não demorava muito e as portas se abriam”, fala Altanira, que ainda foi aconselhada por Dulce a casar com seu marido, Arildo. “Ela perguntou se eu tinha encontrado o par perfeito porque só valia a pena casar assim. E achei. São 50 anos juntos”.

Elza, 19 anos de abraços

Em 1980, uma grande enchente devastou bairros da Cidade Baixa de Salvador. Irmã Dulce fez uma campanha para arrecadar donativos. Moradora de Ilhéus (BA), Elza Barbosa, hoje com 75 anos, estava em Salvador e decidiu ajudar. Mal sabia que aquela ida ao Largo de Roma, para levar roupas e alimentos, marcaria sua vida.

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Elza Barbosa virou voluntária após ser 'tocada' por Dulce (Foto: Yuri Rosat/CORREIO)

Eu não convivi com Irmã Dulce, mas todas as vezes que entro nas Obras que eu vejo a foto dela eu sinto que ela está aqui sorrindo para mim

Elza Barbosa, professora

“Quando eu vim trazer o donativo, achei que ia entregar na portaria e ir embora. Mas a própria Irmã Dulce estava na porta. Ela pegou as sacolas e me agradeceu. Não falou muito, mas o olhar dela me tocou. Ela ficou alisando meu braço e passando a mão na minha cabeça. Uma santa tocou na minha cabeça. Ela me olhava e acariciava agradecendo. Foi uma questão de segundos mas, naquele momento, eu me prometi que, quando eu me aposentasse, eu me dedicaria a ser voluntária para ajudar o próximo”, emociona-se Elza, que já trabalhou como voluntária nas Osid em vários locais - a exemplo das visitas domiciliares - e é professora, assim como Dulce foi.

Promessa cumprida. Desde o ano 2000, é voluntária no serviço social do ambulatório do Hospital Santo Antônio, que integra as Obras Sociais Irmã Dulce. Duas vezes por semana, sai de sua casa em Brotas, chega 9h e só sai 17h. “Eu não sinto que isso aqui é um trabalho. É um prazer para mim. Eu acolho as pessoas que chegam no serviço social para fazer ficha de internamento. Depois da ficha feita, eu levo a pessoa para a área de internação. E também faço outras coisas que tenham para fazer. O importante é ajudar. O abraço às vezes vale mais do que qualquer dinheiro”, resume a professora.

Além do episódio na doação, só viu Dulce no enterro da freira, mas a lição da religiosa norteia a vida de Elza. “Eu mantenho vivo no meu coração o legado do amar e do servir que ela pregou tanto na terra. Nós não somos santos igual a Irmã Dulce, mas temos que ter muita paciência. Tem gente que às vezes nos ofende durante o trabalho, mas isso não me afeta. Irmã Dulce sofreu e também foi maltratada. Quando eu penso nisso, eu me sinto mais forte para ajudar com amor e carinho quem precisa”, explica Elza, que é católica praticante.

O compromisso de Elza não é só com os pacientes. É também com a fé. Todo dia 13 a professora aposentada participa do grupo que reza mil ave-marias na Igreja da Imaculada Conceição da Mãe de Deus, do Santuário de Irmã Dulce, em ação de graças. “Eu nem peço nada a ela. Mas todos os dias que eu venho aqui, eu vou no túmulo dela e entrego tudo a ela e a Deus. Eu não convivi com Irmã Dulce mas todas as vezes que entro aqui nas obras, que eu vejo a foto dela, eu sinto que ela está aqui sorrindo para mim”.

Luiza, uma vida dedicada às pessoas com deficiência

“Essas crianças com deficiências são rejeitadas pelas famílias. Não querem elas porque acham que são defeituosas, mas aqui elas terão sempre acolhimento e amor”, disse Irmã Dulce certa vez para Luiza Menezes. As palavras de Dulce reverberam até hoje no coração da voluntária que, há 31 anos, dedica sua vida para ajudar no Centro de Acolhimento à Pessoa com Deficiência João Paulo II (CAPD) - inaugurado cinco meses após a morte de Dulce. O Centro presta assistência integral a pessoas com múltiplas deficiências. Atualmente, 88 pessoas, de ambos os sexos, ainda têm no CAPD a sua morada - menos de 40% possuem alguma referência familiar.

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Luzia Menezes é voluntária nas Osid há 33 anos (Foto: Yuri Rosat/CORREIO)

Antes de Dulce morrer, o acolhimento das pessoas com deficiência era feito em outra área do Hospital Santo Antônio, no Largo de Roma. Era o pavilhão denominado Lar Fabiano de Cristo, exclusivo para pessoas com deficiência, que foi construído em 1974 com doação feita pela Capemi, através do coronel Jaime Rolemberg.

“O sonho de Irmã Dulce sempre foi ter uma casa para acolher as pessoas com deficiência. Muitas crianças eram deixadas aqui na porta porque eram rejeitadas pela família, por terem nascido com deficiência. Ela foi cuidando de cada uma dessas crianças. Há 31 anos entrei nesse projeto com ela. Ela me ensinou a cuidar de tudo. Dávamos banho, cuidávamos das feridas”, conta Luiza, que se lembra precisamente de como chegou nas Osid.

“Eu sempre na minha vida trabalhei como voluntária. No dia 26 de maio de 1988, durante o aniversário de Irmã Dulce, eu estava fazendo trabalho nas favelas e soube do apelo dela de que estava precisando de voluntários aqui. Eu sempre quis trabalhar aqui. Vim, conheci as obras todas e escolhi ficar com as pessoas com deficiências. Tocou meu coração desde o primeiro momento”, conta Luiza, destacando que, na época, havia poucos funcionários registrados de carteira assinada nas obras. “A grande maioria era de voluntários”.

Luiza foi atraída para o trabalho voluntário pela humanidade de Dulce. “Ela era uma pessoa incrível. Tinha uma energia inacreditável. Por três anos, convivi com ela mais diretamente e aprendi com o brilho nos olhos dela a ter forças para não desistir e cuidar de todos com amor e dedicação. A vida de Irmã Dulce para mim foi um milagre. Ela pegava o paciente com tuberculose sem nenhuma proteção e botava no colo. Ela não tinha preconceito nenhum”, explica a voluntária.

Mesmo sem a presença física de Dulce, Luiza se recorda com afetividade dos momentos em que pôde conviver com ela e pelo seu exemplo de abnegação. “Ela sempre gostava de pegar na minha mão. Lembro bem dela na cadeira, frágil, tomando nebulização, mas ela tinha uma força muito maior. O amor dela pelo próximo é meu exemplo de vida”, conclui.

Ela sempre gostava de pegar na minha mão. O amor dela pelo próximo é meu exemplo de vida

Luiza Menezes

Ayda e a eterna gratidão

Ayda Santos, 70 anos, percorreu diversos mares do mundo como técnica em enfermagem da Marinha. Quando se aposentou, decidiu dedicar-se ao trabalho voluntário por gratidão depois que seu irmão recebeu tratamento no Hospital Santo Antônio das Obras Sociais Irmã Dulce (Osid). O ano era 1999 e a freira já havia morrido. “Meu irmão entrou no hospital por problemas causados pelo alcoolismo. Os médicos falaram que ele iria ter que amputar a perna. Tem uns quadros aqui nas obras com a frase ‘Tenha fé. Continuo presente’ com a foto dela. Rezei com muita fé e meu irmão foi curado e não precisou amputar”, emociona-se Ayda, ao lembrar o início da sua trajetória nas Osid.

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Ayda Ferreira sente uma eterna gratidão por Dulce (Foto: Yuri Rosat/CORREIO)

A partir desse momento, Ayda passou a se dedicar como voluntária, auxiliando Dona Dulcinha, irmã de Dulce que ficou junto com a filha Maria Rita responsável pelas obras quando a freira morreu, em 1992.

Assim como Dulce, Ayda sonha em ajudar as pessoas ainda mais. “Meu sonho de vida é fazer uma casa de acolhimento, para dar pouso para pacientes do interior, que chegam aqui para as Osid fazer tratamento contra o câncer e não tem onde ficar. Um dia, quem sabe, Dulce não me ajuda realizar esse desejo”, almeja.

Enquanto isso não acontece, Ayda sai de sua casa todas as segundas-feiras para acolher pacientes nas Osid. “Eu tenho uma meta aqui. Quem chega triste, tem que sair feliz”, conta Ayda, que anda sempre com um sorriso no rosto e um terço na mão.

Tenho uma gratidão enorme por Irmã Dulce. Quando tenho alguma dificuldade, eu sempre faço minhas orações

Ayda Santos

Ayda começou seu voluntariado nas obras quando Dulce já tinha morrido, mas na adolescência de Ayda a freira sempre ia até a casa dela em busca de donativos. “Ela era sempre incisiva na hora de pedir e meu pai sempre ajudava. Irmã Dulce tinha o dom de fazer com as que as pessoas ajudassem umas às outras. Minha mãe mesmo sempre ia ajudar a limpar o que estava sendo sujo nas obras do Hospital Santo Antônio”, recorda Ayda.

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