A ciência não explicou Para a Igreja Católica, as curas de Cláudia Cristiane dos Santos e José Maurício Bragança Moreira são provas do poder da freira baiana
Por Jorge Gauthier (jorge.souza@redebahia.com.br)
Há 18 anos o corpo de Cláudia deveria estar enterrado no cemitério municipal da cidade de Malhador, em Sergipe. Seu filho, Gabriel, jamais poderia ter olhado nos seus olhos. Maurício nunca teria visto os olhos de Marise, seu grande amor. Sua cão-guia Dini ainda seria a companheira pelas ruas do Recife, em Pernambuco, do baiano que ficou cego aos 36 anos em função do glaucoma
A trajetória da funcionária pública Cláudia Cristiane dos Santos, 50 anos, e do maestro José Maurício Bragança Moreira, 51, foi mudada pela fé em Irmã Dulce. A grave hemorragia de Cláudia em 2011 cessou. A nuvem turva à frente dos olhos de Maurício se dissipou.
As curas de Cláudia e Maurício são vistas e reconhecidas pelo Vaticano como os dois milagres realizados por Dulce após sua morte, em 1992. Investigadas por médicos brasileiros e italianos, os dois casos foram considerados milagres - quando a cura não pode ser explicada pela ciência - no terceiro processo de canonização mais rápido da história da Igreja Católica. João Paulo II e Madre Tereza de Calcutá viraram santos 8 e 19 anos, respectivamente, após suas mortes.
A devoção pela nova santa da igreja é crescente. Somente no Brasil, são 60 igrejas dedicadas a ela. Desde de 1999, quando começou o processo de canonização [investigação da igreja para que alguém se torne santa oficialmente], mais de 10 mil relatos de graças foram enviadas para as Obras Sociais Irmã Dulce (Osid). Mas só dois fiéis no mundo têm o toque salvador de Dulce comprovado após intensa investigação da igreja: Cláudia e Maurício, que são chamados de miraculados. Ou seja, as pessoas que, na terra, são os instrumentos dos milagres de pessoas santas.
Maurício: a cegueira e as mãos beijadas por uma santa
A primeira vez que Irmã Dulce tocou em José Maurício ele tinha 16 anos. Estava no estágio em uma fila para pegar um autógrafo de Dulce. Ao se aproximar da religiosa, lembrou-a que seu avô, dono do armarinho Bragança na Rua Chile, era seu apoiador e doador. Nessa hora, ela lhe deu um afago com o olhar, ele foi e beijou sua mão direita. Ela retribuiu o gesto. Os anos se passaram e a mão que Dulce beijou foi a última coisa que o então técnico em informática enxergou. Aos 31 anos, acometido por um glaucoma, ficou cego.
Em 2014, 14 anos depois de ficar cego e rezar para Irmã Dulce pedindo que ela aliviasse as fortes dores provocadas por uma conjuntivite, voltou a ver - a primeira coisa que enxergou foi justamente a mesma mão que, anos antes, a freira havia beijado. A cura de Maurício foi o segundo milagre atribuído a Dulce e reconhecido pelo Vaticano.
“Eu estava com uma forte conjuntivite e sentindo muitas dores. Peguei uma imagem que era de minha mãe, já falecida, e botei sobre meus olhos. Fiz uma prece muito forte. Pedi que ela diminuísse minha dor. Quando eu acordei, olhei para minha mão e vi como se ela estivesse em uma nuvem. Pouco mais de um mês depois desse dia, a nuvem já estava completamente dissipada e eu já enxergava tudo. Eu tive um derrame no olho. Estava três dias sem dormir. Eu não aguentava mais de dor”, conta ele que, após ficar cego, estudou e tornou-se maestro.
A oração, segundo Maurício, foi feita em silêncio por volta das 4h. “Pedi um sono tranquilo e que minhas dores diminuíssem. Assim que eu terminei de rezar, botei a imagem no criado-mudo e já dormi. Umas 8h comecei a fazer umas compressas com água gelada para acalmar o olho com papel toalha. Em uma das vezes, vi minha mão. Entrei em pânico de felicidade”, recorda Maurício, que atualmente tem 51 anos.
Trabalhando em corais, conheceu Marise Mendonça, 54, funcionária do INSS. Foi justamente ela, com quem casou quando era cego, a primeira pessoa que Maurício viu. “Quando eu cheguei em casa, ele estava na porta tremendo. Ele pegou meu rosto, olhou bem de perto e disse que eu era linda. Foi a primeira vez que ele me viu. Nós jamais imaginaríamos que um dia ele ia voltar a enxergar”, conta Marise, que é mãe de dois filhos - criados, hoje, com ela e Maurício.
Muitas coisas mudaram depois que a visão de Maurício voltou. Uma das mais sofridas para ele, foi a separação da sua cão-guia, Dini. Ela teve que ser doada para outra pessoa cega. “Meu coração sente até hoje”, resume o maestro.
Depois que ficou cego Maurício teve que construir uma nova vida. “Eu tive que me redescobri. Como maestro, encontrei uma nova profissão e dei um novo sentido à minha vida. Irmã Dulce deve ter sentido isso. Eu acho que fui escolhido por ela para ser o objetivo desse milagre pela misericórdia. Ela intercedeu a Deus por mim. Foi muito misericordiosa comigo. Eu não pedi a ela para voltar a enxergar”, explica Maurício, que antes de se mudar para Recife chegou a trabalhar como maestro na Osid.
Eu tive que me redescobrir. Passei a trabalhar com o canto e isso mudou minha forma de sentir o mundo. Irmã Dulce deve ter sentido isso. Eu acho que fui escolhido por ela para ser o objetivo desse milagre pela misericórdia
A relação de Maurício e Dulce também tem um toque de herança familiar. O avô e o pai de Maurício, que comandavam o armarinho, eram doadores constantes para a freira. “A primeira vez que eu a vi foi quando eu tinha 11 anos em uma excursão da escola. Mas não falei com ela. Aos 14 anos, quando eu fui trabalhar com meu pai, a presença dela era sempre constante lá. Um dia, ela chegou perguntando o que tinha para ela. Saiu de lá com piso, portas e janelas”, recorda-se.
“Minha família é da Cidade Baixa e sempre tive boas memórias e histórias sobre Dulce. Sempre houve muito respeito e admiração da nossa família com ela em vários momentos das nossas vidas. Minha mãe, antes de morrer, por exemplo, nos falava muito sobre Dulce”, completa Maurício que domingo (13) estará no Vaticano.
Cláudia: a hemorragia interminável e a devoção eterna
A funcionária pública Cláudia Cristiane Santos, então com 31 anos, estava grávida de segundo filho quando, sem saber, virou instrumento para o reconhecimento do primeiro milagre de Irmã Dulce. O seu caso significou a beatificação de Irmã Dulce pela Igreja Católica - um dos passos para a santidade.
“Eu ia morrer. Não tinha salvação. Minha família toda foi desenganada e ela me concedeu o milagre da minha cura. Eu nunca imaginei, na minha vida, poder ter recebido uma graça tão grande quanto essa”, comenta Cláudia, hoje com 50 anos. O milagre, pela crença da Igreja Católica, aconteceu no dia 12 de janeiro de 2001, na Casa de Saúde e Maternidade São José, na cidade de Itabaiana, no estado de Sergipe quando Claudia deu a luz ao pequeno Gabriel em um parto normal, depois de um pré-natal feito com regularidade. Nenhuma anomalia havia sido identificada.
Cláudia nasceu na cidade do Rio de Janeiro, mas desde os 12 anos morava na pequena cidade de Malhador, perto de Itabaiana, no interior de Sergipe. Tudo corria bem, mas, após o parto, as coisas começaram a mudar e uma forte hemorragia acometeu o corpo de Cláudia. Foram três cirurgias, em vão, no intervalo de 18 horas para conter o sangramento.
O médico Antônio Cardoso Moura, responsável pela cirurgia, no prontuário da paciente, segundo registro do livro Irmã Dulce: os Milagres pela Fé (Jorge Gauthier/ Editora Autografia - 2014), descreveu a caminhada da Claudia pela sobrevivência. A primeira cirurgia realizada foi a histerectomia total abdominal, retirada total do útero, após agravamento da hemorragia genital e uterina. Seis horas após a retirada do útero, segundo o médico, “a paciente apresentou sangramento nos locais de punção venosa, ferida operatória, tecido celular subcutâneo, sufusões hemorrágicas, distensão abdominal, sudorese, palidez, choque hipovolêmico”. Com esse quadro, foi necessária a segunda intervenção cirúrgica para conter os coágulos e limpeza da cavidade abdominal. Doze horas após o início da segunda cirurgia, Cláudia voltou a apresentar sangramentos. Acumulavam-se até 500 ml de sangue na cavidade abdominal. Em seguida, a terceira cirurgia.
Diretora médica da maternidade na época do parto, a Irmã Augustinha Ferreira Santos estima que pelo menos 20 bolsas de hemoderivados foram usadas na paciente. “O sangue não fixava no corpo dela. Era aplicado pelas veias e saía pelo útero, que acumulava sangramento. Tecnicamente falando, a única esperança naquele momento era uma UTI, mas a maternidade não tinha. Os rins dela pararam e não tínhamos um nefrologista para atender. Era impossível transferi-la naquele estado”, relembrou a freira ao livro Irmã Dulce: os milagres pela fé.
Distante 50 quilômetros da maternidade, em Aracaju, capital de Sergipe, o padre José Almí de Menezes – que já havia sido pároco da cidade de Malhador, onde Claudia residia - atende uma ligação na casa paroquial de sua irmã relatando o sofrimento da funcionária pública. “Naquela hora, peguei uma foto de Irmã Dulce que eu tinha guardado comigo há vários anos e comecei a rezar mentalizando a salvação daquela mulher que agonizava depois de ter dado o dom da vida ao seu segundo filho”, conta o padre. Enquanto o padre clamava a intercessão divina, pelas mãos de Irmã Dulce, a hemorragia cessou. Os médicos não tiveram explicações clínicas para a recuperação da paciente.
Anos após a cura, em depoimento para o livro em 2012, Cláudia relatou que recorda com dificuldade os momentos vividos na maternidade. “Tenho poucas lembranças. Mas uma coisa de que me lembro é que senti, em algum momento, uma paz muito grande no meu coração. Tenho lapsos na memória de muita gritaria dos médicos, coisas desesperadas, mas não lembro com precisão desses momentos. Só me lembro de ter acordado e pedido para ver meu filho”.
Naquela hora, peguei uma foto de Irmã Dulce que eu tinha guardado comigo há vários anos e comecei a rezar mentalizando a salvação daquela mulher que agonizava depois de ter dado o dom da vida ao seu segundo filho
Filho mais velho de Cláudia, o engenheiro civil Francisco de Assis Araújo Junior, hoje com 29 anos, tinha 11 na época mas não consegue esquecer o desespero de amigos, parentes e vizinhos para conseguir bolsas de sangue. “O que me chamou muita a atenção foi o desespero das pessoas próximas à minha família para conseguir mais bolsas de sangue. Ali, eu percebi que tinha coisa séria acontecendo. Cresci com essa história da intervenção de Dulce na minha família. Isso é uma dádiva de Deus. Ele escolheu minha família para com a mão de Irmã Dulce interceder pela minha mãe.Tudo que Deus faz tem um propósito lá na frente e hoje eu posso afirmar que a minha mãe ficou aqui pra cuidar de mim e do meu irmão, nossa vida iria tomar outros rumos com a falta dela. Minha mãe é abençoada por Deus e Irmã Dulce”, diz Assis.
Hoje com 18 anos, Gabriel Araújo é a prova viva, dentro de casa, da intercessão de Dulce na vida de Cláudia. “Todos os dias quando eu olho para ele, eu sinto a importância do que Dulce fez na minha vida. Ela me permitiu ver ele e Assis crescerem”, agradece Cláudia, que é casada com o caminhoneiro Francisco de Assis Araújo e ainda vive até hoje na cidade de Malhador.
Gabriel sonha em ser jogador do Flamengo, mas pretende cursar Administração de Empresas. Estudante do segundo ano do ensino médio, o jovem pode até mudar seus planos de futuro, mas guarda consigo uma certeza eterna: a gratidão a Dulce. “Eu vejo Irmã Dulce como uma mãe. Tenho muita fé nela e uma gratidão por toda minha vida pelo que ela fez por minha mãe, por mim e por minha família”, conta o estudante.
Na época do milagre, Cláudia sequer conhecia a freira baiana. Hoje, virou - junto com sua família - uma multiplicadora da fé em Dulce. “Nunca tinha ouvido falar em Irmã Dulce. Hoje eu faço questão de, por onde passo, levar a mensagem de amor e de fé dela. Irmã Dulce sempre foi santa e nos deixa um exemplo de amar e servir”, diz Cláudia, que desde quando foi revelada pela Igreja como ‘miraculada’ participa de inaugurações de igrejas, capelas e espaços em devoção à Dulce. Hoje, ela tem um sonho que, no passado, foi de Dulce: construir um espaço de acolhimento de pessoas na cidade onde mora.
A Irmã Agustinha comenta que, enquanto a mãe se esvaía em sangue, o menino Gabriel se mantinha inerte. “Ele parecia esperar a mãe ficar boa para poder viver. Ele só começou a chorar quando a mãe recobrou a consciência, após 18 horas de sangramento”. Gabriel ganhou esse nome ainda na maternidade, em alusão ao anjo Gabriel que anunciou a chegada de Jesus Cristo. “Gabriel, filho de Cláudia, veio anunciar a chegada do milagre de Irmã Dulce”, resume a irmã Augustinha, que pertence à Congregação das Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição da Mãe de Deus, a mesma que Irmã Dulce pertencia.
Os dois milagres de Dulce
12 de janeiro de 2001
O milagre envolvendo a funcionária pública Cláudia Cristiane Santos, pela crença da Igreja Católica, aconteceu no dia 12 de janeiro de 2001, na Casa de Saúde e Maternidade São José, na cidade de Itabaiana, no estado de Sergipe, quando Claudia deu a luz ao pequeno Gabriel um parto normal, depois de um pré-natal feito com regularidade.10 de dezembro de 2014
Na madrugada daquele dia, há mais de cinco anos, José Maurício voltou a enxergar. E se os doutores não encontraram explicações, ele tinha: foi um milagre de Irmã Dulce. “Eu voltei a enxergar depois de uma oração que fiz. Peguei a imagem de Irmã Dulce e botei nos olhos”, contou o maestro.