Adson Moreira de Menezes
Nascimento - 07/07/1971 | Nome da mãe - Sandra Maria Moreira de Menezes
Em uma noite qualquer do primeiro semestre do ano de 2005, Adson Moreira de Menezes chega esbaforido na Faculdade Dois de Julho, bairro do Garcia, em Salvador. Vinha do Centro Histórico, onde havia deixado os mantimentos para o restaurante que administrava com a mãe. Adson vivia com pressa. Naquele dia, chegou a tempo para a aula no curso de Direito. Antes de entrar na sala, ainda encontrou com seu grupo de amigos preferidos: Américo, Paulo e Edilene. Foi quando, pela primeira vez, Américo fez uma brincadeira: “Eu sempre fazia uma piada com ele. Dizia: ‘Êta, esse Adson parece que veio fugido de um daqueles morros cariocas. Correu da polícia e veio parar aqui na Bahia. Só vive correndo!’. Hoje, é muito louco saber que essa brincadeira se tornou real”, contou ao CORREIO Antônio Américo Prates Fontenelle, 61 anos, um dos colegas que colou grau com Adson, em março de 2010. “Um cara trabalhador, tranquilo e prestativo. Adson era isso! Não tenho nada de negativo para falar dele”, garante Américo. O colega mal sabia que conhecera apenas a persona benquista, apenas um lado da moeda de faces opostas. O outro lado revelava a verdade que havia por trás da brincadeira inofensiva. Adson sequer era Adson. Provavelmente dois anos antes daquela piada (ou seria presságio) ser proferida pela primeira vez, o então Anderson Luiz Moreira da Costa chegava na Bahia fugido da polícia do Rio. Uma certidão de nascimento com data de emissão do ano anterior, em 2002, foi emitida em nome de Adson Moreira de Menezes em uma repartição pública de Salvador.
O CORREIO descobriu o local exato em que a certidão foi feita. No caso, o Cartório de Registro Civil de Nazaré, bairro homônimo, bem em frente ao prédio do Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA). A reportagem apurou com funcionários do Departamento de Polícia Técnica (DPT) que o documento consta no Livro A-65, Folha 065 do Registro 113.809. A certidão de nascimento teria sido expedida no dia 15 de janeiro daquele ano (ver foto). O curioso é que no ano seguinte, em 2003, Adson chegou a ser preso no Rio de Janeiro ainda como Anderson. Após ser solto, fugiu de vez. Não se sabe exatamente quando Adson veio para a Bahia. Mas, ao que tudo indica, já com a nova certidão emitida em 2002, chegou aqui entre o final de 2003 e o início de 2004.
Com o documento, o “recém-nascido” Adson conseguiria enganar diversas instituições: o próprio DPT (órgão da Secretaria da Segurança Pública da Bahia), a Faculdade Dois de Julho, o Departamento Nacional de Trânsito (Detran) e até a Ordem dos Advogados do Brasil, seção Bahia (OAB-BA). No Instituto de Identificação Pedro Mello, que funciona no DPT, Adson fez um novo Registro Geral (RG) onde constam o nome de sua mãe com um sobrenome a mais (de Sandra Maria Moreira para Sandra Maria Moreira de Menezes), o número do registro (13226457-95), o CPF (015.643.925-54) e a sua data de nascimento modificada (07/07/1971). A certidão de Anderson apontava o seu nascimento em 23/09/1970.
De posse da identidade novinha que tirou no Pedro Mello, Adson circulou livremente pelas ruas de Salvador. Na verdade, fez muito mais do que isso. Em 2004, prestou vestibular na Faculdade 2 de Julho e foi aprovado para o curso de Direito à noite, das 19h às 22h40. Para fazer a sua matrícula, foram apresentados os documentos requeridos, inclusive histórico escolar do ensino médio, expedido pelo Colégio Campos Sales, que seria localizado na Rua Henrique de Matos, número 1.772, Bento Ribeiro, Rio de Janeiro.
Como mostra a reportagem sobre sua vida como Anderson, o colégio é fictício e a rua simplesmente não existe. Mas, o documento apresentado na Faculdade 2 de Julho tem certificado de autenticação em cartório de registro público e, portanto, condizente com as regras da chamada “fé pública”.
Em cinco anos como estudante de Direito, Adson era considerado pelos colegas como um aluno comum. Quer dizer, “comum” é um adjetivo injusto. Na verdade, Adson se destacava. Primeiro pela inteligência e por participar ativamente das discussões, especialmente com os amigos Américo, César e Edilene. Segundo, por ser um amigo prestativo. “Era um cara fantástico, muito inteligente. Fazíamos seminários juntos. Era muito meu amigo mesmo”, conta Américo, que costumava dar carona para Adson na saída do curso.
“Eu era um dos poucos que tinha carro. A vida dele era uma correria só. Saíamos da faculdade e eu deixava ele na Ladeira da Praça, na entrada no Pelourinho. Aí ele ia andando até o restaurante”. Muitas vezes, por conta do restaurante, Adson não conseguia ajudar o grupo nos trabalhos. “Ele fazia o que podia, mas algumas vezes coloquei o nome dele nos trabalhos. Tanto que na formatura ele brincou: ‘Américo, 30% desse diploma é seu. Mas isso foi brincadeira mesmo. Até porque ele era extremamente inteligente”.
A advogada Edilene Alves Ferreira, outra ex-colega de turma, diz que Adson tinha uma inteligência diferenciada. “Dominava os estudos e só tirava boas notas. Tanto que o pessoal queria se juntar aos grupos de trabalhos que ele era integrante”, confirma. Mais do que a inteligência, porém, o fato de se colocar disponível para ajudar os colegas está presente em todos os depoimentos sobre Adson.
“Adson chegava junto mesmo. Ajudava quem quer que estivesse precisando. Não só a nós do grupo, mas qualquer um”, lembra outro colega, César Cabral, 52, hoje atuando na área de direito sindical. O fato de dividir o tempo entre os estudos com o restaurante era motivo de admiração por parte dos colegas. Muitas vezes, Adson entrava na faculdade esgotado. Mas, mesmo nos momentos de estresse, continuava afável. “Um cara muito esforçado. Tinha dias que você via a cara dele de cansado. Fazia a prova e saía correndo para voltar para o Pelourinho. Se você parasse para conversar com ele, acharia inofensivo. Um cara dado a qualquer um”, define Américo.
Ironia
Durante os estudos, Adson fez alguns estágios. Aí está uma grande ironia em sua trajetória em Salvador. Aprovado em um concurso público como estagiário da Penitenciária Lemos de Brito, na Mata Escura, prestava assistência jurídica aos presos e egressos. "Talvez ele visse nesses egressos ele mesmo. Adson era um cara muito humano. Eu o enxergava assim. Quando discutíamos as questões dos Direitos Humanos ele estava sempre do lado mais fraco", destaca César.
Entre os professores, apesar da quantidade enorme de alunos, Adson era logo notado. “Um professor tem vários alunos. Às vezes é muito difícil guardar até as fisionomias. Mas, o Adson é uma figura que se faz chamar a atenção. Não por atrapalhar e sim por participar da aula. Sempre muito participativo nas discussões, além de solícito e prestativo com os colegas”, lembra Carlos Martinez, especialista em psicanálise jurídica, então docente da 2 de Julho e professor de Direito Civil de Adson.
O dia em que os alunos se encontraram para fazer fotos da formatura, no Centro Histórico de Salvador, foi inesquecível. “Foi uma festa. Porque alguns não iam fazer solenidade. Então aquele foi o nosso dia de comemoração. Ele estava muito feliz. Estávamos muito felizes”, conta Edilene. “Ele não formou com solenidade. Mas, antes da cerimônia foi lá em casa, bateu na porta, me entregou um uísque e disse: ‘Trouxe para você beber por mim depois da solenidade’”, conta Américo, um dos poucos colegas que chegaram a conhecer Adson para além da vida acadêmica.
“Fui no restaurante dele algumas vezes. A mãe sempre muito carinhosa, muito dada. Sinceramente, não sei se ela sabia do que ele fez ou deixou de fazer no Rio. Agora, a mulher dele eu não cheguei a conhecer”, observa. Américo conta também que Adson adquiriu alguns imóveis no Pelourinho e que ele, Américo, o ajudou a legalizar as documentações.
Restaurante Tropicália
No Centro Histórico, onde mantinha o Restaurante Tropicália, Adson era conhecido principalmente por ser uma persona trabalhadora. Ia à feira para abastecer o estabelecimento, fazia às vezes de garçom e caixa, convidava turistas no meio da rua para almoçar. O Tropicália é, na verdade, um pequeno “comida à quilo” ao lado da tradicional Cantina da Lua, na Rua das Portas do Carmo, bem próximo ao Terreiro de Jesus.
“Ele chegava aí, descarregava o carro dele. Sempre muito educado. Um homem de bem”, avaliou o próprio Clarindo Silva, conhecido dono da Cantina da Lua. Adson, inclusive, costumava dar descontos para os taxistas, trançadeiras, ambulantes e outros trabalhadores da região que almoçavam no restaurante. O CORREIO não teve acesso ao Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) do restaurante que Adson mantinha com a mãe no Pelourinho. Por isso, não o localizou na Receita Federal. Mas, o Restaurante Tropicália aparece em nome de Sandra Maria Moreira de Menezes em uma lista de estabelecimentos que sofreram autos de infração por descumprir o Código de Defesa do Consumidor. Além do Tropicália, Adson mantinha uma loja de instrumentos musicais e uma oficina de venda de peças de motocicletas.
A Senzala Instrumentos Musicais e Acessórios aparece no CNPJ atrelada a seu nome. Descrita como média empresa, foi criada no dia 19 de maio de 2017. O mais curioso é que sua baixa (extinção) teria ocorrido no dia 1º de agosto, um dia antes da prisão do proprietário. As investigações da polícia mostram que Adson também tinha uma oficina de motocicleta e uma produtora de shows. A Mistura Fina Produções e Eventos foi criada no dia 12 de dezembro de 2002. Antes, portanto, de Adson vir para a Bahia.
OAB
Para advogar, Adson Moreira de Menezes foi aprovado no VI Exame Unificado da Ordem dos Advogados do Brasil. Fez as provas da primeira fase em 05/02/2012 e da segunda fase em 25/03/2012. Os colegas advogados afirmam que Adson atuava em diversas áreas do Direito, mas tinha preferência pelo Direito Criminal. Ele recebeu a carteira da OAB no dia 23/10/2012 e foi registrado com o número de inscrição 37.675. Segundo a atual presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-BA, Simone Neri, para fazer a carteira Adson teve que apresentar uma série de documentos.
Entre eles, certidões negativas das justiças estadual e federal. Ou seja, documentos que “comprovaram” seu passado limpo. Em uma das certidões, o próprio TJ-BA confirma o “nada consta” em seu nome. Mas, faz uma ressalva: “Os dados informados são de responsabilidade do solicitante, devendo a titularidade ser conferida pelo interessado e/ou destinatário”. Pelo visto, ninguém checou o que quer que seja. Nem mesmo as digitais que constam na carteira da OAB. Adson também conseguiu tirar tranquilamente sua Carteira Nacional de Habilitação (CNH), que teria sido emitida no dia 02/08/2017 e tem validade até 2022.