Anderson Luiz Moreira da Costa
Nascimento - 23/09/1970 | Nome da mãe - Sandra Maria Moreira
Na noite de 12 de dezembro do ano 2000, na BR-101, principal rodovia que corta o estado do Rio de Janeiro, um bando de 15 assaltantes aborda um carro-forte em um trecho entre Campos dos Goytacazes e Macaé, no Norte Fluminense. Dividida em dois caminhões roubados, a quadrilha porta escopetas e fuzis. Os criminosos atacam o veículo blindado pelo teto, único ponto que não conta com o revestimento. Atingido no pescoço e na cabeça, o vigilante Alexandre Henrique Moreira, 29 anos, morre na hora. Outros dois seguranças também são baleados na ação. Os assaltantes fogem levando cerca de R$ 700 mil, o equivalente a mais de R$ 2 milhões em valores atualizados.
A ação audaciosa, um dos maiores roubos da época, chamou a atenção da imprensa e das autoridades. Então secretário estadual de Segurança, o coronel Josias Quintal viajou para Campos e determinou empenho máximo na investigação. Quatro meses depois, no dia 15 de abril de 2001, Anderson Luiz Moreira da Costa, 30, foi preso enquanto voltava de Teresópolis, cidade turística na Região Serrana do Rio. Para a polícia, ele era um dos articuladores do assalto milionário. Embora fosse a primeira vez que Anderson - ao menos com essa identidade - ganhava as manchetes, o bandido, responsável por comandar a venda de drogas no Complexo da Serrinha, em Madureira, Zona Norte da capital, já era persona do crime muito antes disso. Estava na mira de investigadores há pelo menos sete anos. Em maio de 1994, um minucioso inquérito da Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE) apontava que traficantes de diversas comunidades haviam se reunido em uma espécie de consórcio criminoso destinado a roubar carros-fortes.
O líder do grupo, segundo a unidade especializada, era Anderson Vinicius Simplício. Não se tratava apenas de um xará de Anderson Luiz. Os dois chefiavam o tráfico na Serrinha e tinham as mesmas feições, idade e vulgo: “Espinha”, apelido originado de uma cicatriz na barriga devido a uma cirurgia. A informação que afasta a hipótese de uma incrível coincidência também constava na investigação: Anderson já havia sido preso portando documentos com ao menos outras cinco identificações diferentes. Ou seja, seus “eus” dentro da mesma personalidade criminosa eram muitos. De acordo com a investigação da DRE, a quadrilha comandada pelo multidentidades foi responsável por mais de 40 roubos a carros-fortes em menos de seis meses, com lucro bruto de US$ 8 milhões de dólares. O quartel-general do bando ficava justamente na Serrinha, reduto de Espinha.No ano 2000, a 29ª Delegacia (Madureira), responsável pela área da Serrinha, detectou uma peculiaridade na forma de Anderson controlar a comunidade — prática essa que se tornaria, nos anos seguintes, cada vez mais comum em favelas cariocas. O chefe do tráfico permitia o ingresso de adolescentes na atividade criminosa, e um dos chamados "gerentes" tinha, segundo a polícia, apenas 15 anos na ocasião.
O envolvimento com os roubos a mão armada e com o tráfico não foi o único motivo que levou Anderson a ser citado em registros policiais. No dia 13 de abril de 2001, uma jovem que se disse companheira de Espinha por 11 anos procurou a Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam) e relatou que "por várias vezes" já havia sofrido "violências praticadas pelo mesmo". Na data em que decidiu denunciar o parceiro, ainda nas palavras da vítima, ele havia tentado "lhe matar com enforcamento e agressões a socos e pontapés".
Rastreio complicado
As muitas identidades tornam uma missão quase impossível refazer com precisão, no presente, os passos de Anderson. Pode-se afirmar com segurança, por exemplo, que o bandido foi preso ao menos três vezes antes de mudar-se de vez para a Bahia. A Secretaria estadual de Administração Penitenciária, porém, só confirma uma única passagem do rapaz pelo sistema carcerário fluminense. Surgem, assim, duas hipóteses principais: ou ele ficou detido apenas em carceragens de delegacias até ser libertado nas outras ocasiões, algo permitido à época, ou chegou a ingressar outras vezes em penitenciárias fluminenses com uma identificação distinta.
A última vez que Anderson foi parar atrás das grades, até onde se sabe, se deu em abril de 2003. A mesma DRE prendeu Espinha em uma rodoviária de Vila Velha, no Espírito Santo, depois de seguir uma namorada do traficante. Ele permaneceu em uma penitenciária estadual por exatos 55 dias, de 25 de abril a 18 de junho, até obter "relaxamento de prisão, concedido pela Justiça", como informou a Seap. A partir daí, seu paradeiro só voltou a ser conhecido quando da detenção em Salvador.
Ao desaparecer sem deixar pistas, Anderson pode ter seguido os passos de um dos barões do tráfico a quem servia. Paulo César dos Santos, conhecido como Linho, um dos cabeças da facção integrada por Espinha, representa uma incógnita de uma década e meia na crônica policial do Rio. Linho foi visto pela última vez em janeiro de 2003, enquanto saía de um condomínio luxuoso em Pinheiros, bairro nobre de São Paulo.
Ao sumiço, seguiram-se um sem fim de teorias: o bandido teria sido morto por policiais corruptos, por inimigos ou até por comparsas; outros, entretanto, afirmam que ele fez plásticas, mudou de identidade e fugiu do país, onde teria passado a viver tranquilamente com os lucros da criminalidade.Na tentativa de desemaranhar o novelo da vida de Anderson, a reportagem planejou visitar o colégio que constava no histórico escolar que foi apresentado por ele no momento da matrícula na faculdade de Direito, em Salvador. A unidade não apenas é fictícia, como o suposto endereço da escola, em tese situada no bairro de Bento Ribeiro, na Zona Norte, também fica em uma rua que não existe. Um beco sem saída.
No Tribunal de Justiça do Rio, Anderson Luis Moreira (com S no Luis e sem o último sobrenome, "da Costa"), responde a um único processo, que corre na 1ª Vara Criminal da Capital. Trata-se de uma ação iniciada a partir de uma investigação de 1998, que indiciou seis traficantes. De lá para cá, após desmembramentos e prescrições, restaram somente dois réus além de Anderson, o único que se encontra preso.
Na decisão que absolveu um dos réus, de maio de 2012, o juiz Vinicius Marcondes de Araujo escreveu: "Narra a denúncia uma série de prisões, confrontos com a polícia e apreensões, de 1998 a março de 2001, para imputar aos denunciados o crime de tráfico de drogas e a associação, de maneira estável e permanente, para o tráfico de drogas no Morro de Serrinha, com emprego de armas de fogo, delineando que a liderança da quadrilha era exercida pelo acusado Anderson".
A defesa de Anderson chegou a ingressar com um pedido de habeas corpus em segunda instância, alegando "constrangimento ilegal do direito de ir e vir do réu". No pedido, os advogados ponderam haver "ausência dos requisitos para manutenção da prisão", tendo em vista as "condições pessoais favoráveis" do cliente, e frisam considerar que os fatos que motivaram o processo estariam "prescritos pelo implemento do lapso temporal".
Contudo, antes que os desembargadores da 7ª Câmara Criminal pudessem se manifestar, a defesa optou por retirar o pedido, e o processo relativo ao habeas corpus acabou extinto no dia 15 de outubro. Procurado pela reportagem, o advogado Allan Caetano Ramos respondeu apenas que a prática do escritório Arthur Lavigne Advogados Associados, que representa Espinha, é não comentar casos em andamento, e que "não seria diferente" no que diz respeito a Anderson.
Adson Moreira de Menezes, personalidade assumida por Anderson na Bahia, teria nascido no dia 7 de julho de 1971 e tem como mãe, na documentação, Sandra Maria Moreira de Menezes. Já Anderson Luiz Moreira da Costa, aposta mais segura para identidade real do traficante, nasceu em 23 de setembro de 1970. O nome da mãe, entretanto, é praticamente o mesmo: Sandra Maria Moreira.
Segundo a polícia carioca, tanto Sandra quanto Anderson são nascidos no Rio e moravam na Serrinha. Quando o filho decidiu fugir para Salvador, a mãe veio junto. Hoje, na Serrinha, ninguém parece inclinado a lembrar-se dos tempos em que Espinha era o mandachuva na região. Moradores e comerciantes, mesmo os que vivem ali há décadas, dizem não se recordar do nome ou simplesmente desconversam.
Não é para menos: palco de frequentes disputas por território entre quadrilhas, com tiroteios intensos, a comunidade é dominada atualmente por uma facção rival à que Anderson integrava à época. Mas, depois que fugiu do Rio de Janeiro, deixou tudo isso para trás. Deu-se o enigma. Anderson Moreira da Costa, o perigoso Espinha, assumiria na Bahia não só uma nova identidade, mas uma personalidade permanentemente bondosa, solícita e sem ligações com o crime. Nasceu um novo homem e com ele uma nova vida.