Cérebros da Ufba Especial do CORREIO mostra trajetória de pesquisadores da principal instituição pública do estado e os impactos dos consecutivos cortes no desenvolvimento científico
Nunca foi tão importante falar de ciência. De fato, talvez a ciência nunca tenha sido tão debatida - no noticiário, nas redes sociais, nas conversas da quarentena. Diante da pandemia do novo coronavírus, que impôs novos hábitos e realidades em todo o mundo, há um consenso: as respostas para enfrentar a covid-19 virão e têm vindo da ciência.
Não se trata apenas de encontrar uma vacina ou uma droga eficaz o suficiente para curar doentes. É preciso entender contágios, compreender ocupações de espaços urbanos, impactos psicológicos de um confinamento nas pessoas e mesmo o grau de desinformação que as chamadas fake news (notícias falsas) podem provocar.
Fazer ciência, porém, não é fácil. Envolve investigação, empenho e, sobretudo, investimento. Precisa de pesquisa. E, no Brasil, quem mais faz pesquisa são as universidades públicas - entidades científicas costumam calcular que ao menos 90% da produção venha dessas instituições.
Mas isso vai além da pandemia da covid-19. Quem não tem estudado diretamente o coronavírus também não parou - especialmente porque seus objetos de estudo continuam por aí. A erosão costeira não deixou de atingir regiões como o Sul da Bahia, assim como não acabou o avanço de casos do vírus HTLV no estado, por exemplo.
Por aqui, a Universidade Federal da Bahia (Ufba) tem os maiores destaques nessa produção. Mesmo sem aulas presenciais, seguindo as recomendações de autoridades de saúde para evitar aglomerações, a universidade não parou. Seja com reuniões e debates virtuais, orientações de trabalho ou mesmo profissionais na linha de frente dos estudos sobre a doença, a instituição continua em ação.
Na Ufba, há pelo menos 16 pesquisadores que estão entre os maiores do Brasil: são os chamados bolsistas de produtividade 1A do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Entre os degraus da pesquisa científica, é como se tivessem subido todos.
Distribuição
É um posto difícil de ser alcançado – especialmente em um cenário de consecutivas crises no orçamento, como acontece hoje. Em todo o Brasil, em junho de 2020, eram 1.214 auxílios em 182 instituições.
O número caiu: no ano passado, eram 1.264 pesquisadores 1A, divididos em 179 instituições. A bolsa de produtividade, que já é concorrida, começa com o nível 2. Depois, vêm 1D, 1C e 1B. Ao todo, quase 15 mil pesquisadores recebem a classificação.
Na própria Ufba, a quantidade mudou no dia 1º de março, data em que, anualmente bolsas podem ser renovadas ou canceladas. Quando começamos a apurar esse especial, no segundo semestre de 2019, eram 19 pesquisadores 1A.
Quatro pesquisadores tiveram mudanças: dois, agora, têm auxílios ligados a outras instituições (Senai/Cimatec e Fiocruz-BA); um se tornou bolsista de produtividade sênior e outro – o professor Marcos Palacios – encerrou suas atividades. Aposentado, ele já tinha contado que não planejava mais renovar os projetos.
Mesmo assim, devido ao vínculo e à trajetória de cada um deles com a Ufba, decidimos mantê-los neste especial. Outro pesquisador – o professor Ronaldo Lopes Oliveira – foi incluído entre os 1A da Ufba. Assim, chegamos a 20 cientistas no topo da pesquisa da instituição.
Aqui, escolhemos chamar esse grupo seleto de Cérebros da Ufba. Não porque são os únicos pensadores da universidade, muito menos os únicos que têm pesquisas relevantes. Mas, ao mesmo tempo em que se reconhece a importância de cada um dos cientistas da instituição, é possível reafirmar a relevância desses pesquisadores de ponta.
O cérebro pode ser o mais importante dos órgãos do sistema nervoso, mas, sem outros sistemas, o corpo humano não consegue sobreviver. Precisa de coração, pulmões, fígado, estômago, rins e mesmo a pele.
Pela analogia, a Ufba funciona da mesma forma – necessita de professores, pesquisadores dos mais variados tipos, estudantes, servidores técnico-administrativos, ensino e extensão. Mas, ao mesmo tempo em que se reconhece a importância de cada um dos integrantes desse sistema, é possível reafirmar a relevância dos pesquisadores de ponta. Ou seja, do Cérebro.
"É importante celebrar esses pesquisadores e suas pesquisas, lembrando que eles são lideranças acadêmicas que representam a forte comunidade científica existente na Ufba”, defende o reitor da instituição e presidente da Associação de Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), João Carlos Salles.
“Essa comunidade é nacionalmente expressiva e, por sua feita, reafirma a qualidade da nossa universidade como lugar de pesquisa, ensino e extensão"
Ainda que as aulas presenciais da Ufba tenham sido suspensas desde março de 2020, devido à pandemia da covid-19, a instituição tem mantido atividades administrativas, de extensão e de pesquisa. De acordo com a assessoria da universidade, as aulas só devem voltar quando as condições sanitárias permitirem.
Até lá, contudo, a Ufba tem discutido as possibilidades virtuais - e chegou a promover um congresso online, ao longo de duas semanas, com participação de mais de 126 mil espectadores.
Em junho, a instituição lançou o manifesto Ufba em Movimento, convidando a comunidade acadêmica a questionar e fazer sugestões para elaborar uma proposta para o novo contexto da universidade.
As participações devem ser enviadas até o dia 2 de julho - data de aniversário de fundação da Ufba e também Dia da Independência da Bahia. Tradicionalmente, no dia 2 de Julho, pesquisadores de todo o estado participam do chamado Dois de Julho da Ciência, promovido pela Academia de Ciências da Bahia (ACB). Esse ano, o evento terá uma marcha virtual.
Consistência e permanência
Para o CNPq, a bolsa de produtividade de fato é um reconhecimento. Em nota, o órgão explicou que é uma forma de valorizar o trabalho de pesquisadores com alta produção científica e trajetória de excelência na comunidade científica. Nesse contexto, as bolsas 1A representam o reconhecimento máximo.
Desde que foram criadas, ainda nos anos 1980, o objetivo é incentivar o aumento da produção científica tecnológica e de inovação no país. Gente de todas as áreas pode concorrer, mas a avaliação é baseada não apenas na qualidade do projeto apresentado como também na competência comprovada do pesquisador.
Assim, são observados critérios que vão desde a publicação em periódicos nacionais e internacionais até a organização de eventos científicos. O valor não é alto – R$ 1,5 mil com um adicional de bancada de R$ 1,3 mil. O que mais importa, na verdade, é que ela é como uma condecoração.
“Chegar ao nível 1A requer uma trajetória consistente e permanente de pesquisas, atuação nas instituições de pesquisa e ensino, com produção acadêmica e científica de reconhecimento nacional e internacional”, informou o CNPq.
Ao contrário de outros auxílios – como os de mestrado e doutorado pleno, por exemplo – a bolsa de produtividade em pesquisa não é um tipo de salário. Ou seja: os pesquisadores 1A não sobrevivem dela. Na Ufba, a maioria dos que têm a classificação é também professor titular com regime de dedicação exclusiva.
Pela tabela de vencimentos da instituição, em 2019, isso significava um salário de R$ 10.981,17. Só para dar uma ideia, em países como os Estados Unidos, o salário anual de um pesquisador federal pode passar dos US$ 90 mil - mais de R$ 400 mil reais por ano, na atual cotação da moeda estadunidense - de acordo com os salários informados por usuários na plataforma Indeed, o maior portal de empregos daquele país.
Mas os projetos dos pesquisadores 1A, por outro lado, sobrevivem da bolsa. Seja para pagar material de escritório, reagentes químicos ou mesmo diárias de passagens, é um recurso valioso para o desenvolvimento de cada trabalho.
Anual
As chamadas públicas para seleção de propostas são anuais, mas cada bolsa tem uma vigência própria. Muitas variam entre três, quatro e cinco anos. Depois, precisam ser renovadas. Ou seja: o pesquisador deve concorrer novamente. Assim, a avaliação é constante. A produção científica, portanto, não pode diminuir.
“Temos hoje 350 mil pesquisadores ativos nas universidades. No CNPq, tem cerca de 15 mil bolsas. É uma proporção de 1 para 20, ou seja, menos de 5% dos pesquisadores brasileiros recebem a bolsa de produtividade”
Os 1A são menos ainda – seria algo como 0,5% de toda a população de pesquisadores do país. “Quando termina o período da sua bolsa, ela volta para o bolo e todos concorrem por ela. Precisa ser reconquistada. É um sistema que estimula os pesquisadores a permanecer muito ativos”, completa Oliva.
Ainda que exista uma reserva de pelo menos 30% dos recursos para projetos do Centro-Oeste, Norte e Nordeste, a Bahia está um tanto longe dos principais centros que recebem essas bolsas. De acordo com o Mapa de Investimentos do CNPq, o maior número, em junho de 2020, estava com a Universidade de São Paulo (USP), com 258 pesquisadores.
A Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) vêm logo em seguida, com 114 e 99, respectivamente. A Ufba é a 16ª instituição com maior número de bolsas – fica atrás de outras instituições federais, estaduais e mesmo de uma privada.
Nesse contexto, o coordenador de pesquisa da Pró-Reitoria de Pesquisa, Criação e Inovação da Ufba, o professor Thierry Corrêa Lobão, faz uma ponderação: justamente o tamanho da comunidade de pesquisa brasileira, que ultrapassa os limites do CNPq. "Embora esse programa tenha grande importância, ele tem uma limitação numérica. Acaba deixando de contemplar vários outros pesquisadores que estão fazendo pesquisa no Brasil", diz.
É a mesma ponderação da presidente do Sindicato dos Professores das Instituições Federais de Ensino da Bahia (Apub), Raquel Nery. Ela reforça o quanto é difícil se tornar pesquisador 1A.
Com recursos escassos, a reclassificação para outros níveis é rara.
"Um pesquisador não nasce 1A, ele se torna. É uma trajetória que vai depender de um conjunto tão grande de variáveis que alguns chegam a ser, caem para 1B e depois retornam"
Mesmo assim, o coordenador de pesquisa Thierry Lobão diz que, para a Ufba, ter 16 – ou mesmo 20 – pesquisadores 1A significa dizer que, independente da área em que se faça pesquisa, o nível da instituição é alto. Além disso, apenas pesquisadores 1A ou 1B podem, por exemplo, ser líderes dos chamados Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs). Esses institutos são centros de pesquisa multicêntricos, com o objetivo de desenvolver pesquisa e criar patentes.
Competitivo
Os INCTs, inclusive, costumam ser apoiados também por fundações estaduais de pesquisa. Na Bahia, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado (Fapesb), vinculada à Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado (Secti), apoia pelo menos quatro desses projetos.
“Ter expoentes como esses faz com que, ao mesmo tempo em que podemos dizer que temos um agronegócio extremamente competitivo, por exemplo, também temos um conjunto de pesquisadores no ramo da produção do conhecimento. Ter esses pesquisadores significa dizer que nós, na Bahia, lideramos essas áreas de conhecimento”, reflete a secretária Adélia Pinheiro, titular da pasta e ex-reitora da Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc).
Frequentemente, setores corporativos buscam o que é desenvolvido em universidades como a Ufba para otimizar os próprios processos.
“A gente vê a Ufba como extremamente confiável, por conta da metodologia, da maneira como é desenvolvido o processo, com total isenção de qualquer item que possa contaminar a pesquisa”
Alguns dos pesquisadores estão especificamente ligados a aspectos como o desenvolvimento industrial do estado. É o caso do professor Jailson Andrade, do Instituto de Química, que também é pesquisador do Senai-Cimatec.
“Muitas vezes, as ideias que vão mudar a realidade das empresas saem de ambientes onde pensadores se agrupam em uma comunidade, com identidade e cultura inovadoras”, afirma o superintendente de Desenvolvimento Industrial da Federação das Indústrias do Estado da Bahia (Fieb), Marcus Verhine.
Duas agências
O CNPq foi criado em 1951, mesmo ano em que foi fundada outra sigla que tem aparecido constantemente no noticiário nacional desde o ano passado: a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Enquanto a primeira é voltada à pesquisa, a Capes tem foco na formação de pessoal – seja apoiando a pós-graduação, seja dando auxílios a professores da educação básica.
Elas são tão diferentes que nem mesmo são vinculadas ao mesmo órgão: enquanto o CNPq é do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (Mcti), a Capes é ligada ao Ministério da Educação (MEC). Porém, as duas têm sido protagonistas de algumas das maiores polêmicas do ensino superior nos últimos tempos.
A Capes anunciou sucessivos cortes de bolsas ao longo de 2019, enquanto o CNPq quase ficou sem pagar os benefícios vigentes no segundo semestre do ano passado por um déficit no orçamento proposto ainda em 2018. O órgão só conseguiu cumprir os pagamentos em outubro, depois que o Congresso Nacional liberou R$ 250 milhões no orçamento.
Em 2020, a agência do MEC cortou 7,5 mil bolsas de pesquisa; o maior índice (12%) foi justamente no Nordeste. Além disso, em fevereiro, a Capes informou que mudaria o modelo de concessão de bolsas: agora, vai priorizar auxílios para programas de pós-graduação com as maiores notas.
No fim do ano passado, o CNPq também divulgou mudanças na distribuição das bolsas de pós-graduação: em vez do atual sistema de cotas, em que os programas têm um número fixo de bolsas e definem os pesquisadores que vão recebê-las, será por editais.
Boa parte dos cientistas e das principais entidades científicas do país, como a Sociedade Brasileira de Apoio à Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC), se opõem a uma proposta do governo federal de promover a fusão entre as duas.
Os rumores de que seriam transformadas em uma única agência eram fortes no fim do ano passado. O ministro Marcos Pontes, titular do Mcti, porém, se manifestou contrário à medida, enquanto o então ministro da Educação, Abraham Weintraub, que ocupou o MEC até meados de junho, era um dos entusiastas.
Diretora da ABC, a professora Marcia Barbosa, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), reforçou que a distinção entre as duas agências vem desde a época em que foram fundadas. O CNPq foi criado em um momento em que outros países davam passos semelhantes.
"O almirante Álvaro Alberto, que fundou, tinha essa visão de que, para um país ser desenvolvido, tinha que ter uma agência para fomentar a ciência através de ideias e pessoas. O CNPq, então, financia grupos de pesquisa, financia pessoas".
Já a Capes, por outro lado, nasce com uma filosofia de Anísio Teixeira - de que é preciso ter um sistema para avaliar e medir a pós-graduação. A Capes pode até conceder bolsas, mas o objetivo principal não é esse.
"Se formos olhar, pode ter um pesquisador top do mundo que esteja num curso de pós-graduação não tão bem avaliado, porque avaliar bem um curso tem a ver com um coletivo. Uma andorinha só não faz verão. E é bom termos as duas coisas, incluindo um instrumento que pega a pessoa num lugar pequeno e consegue fazê-la brilhar. A pesquisa do CNPq pode direcionar isso".
O presidente da SBPC, Ildeu Moreira, afirma que, ao longo de quase 70 anos, as duas funcionaram bem, de maneira independente. “Como qualquer outra instituição pública, podem ser aprimoradas, mas elas são das instituições de melhor desempenho nessas décadas todas”, diz.
Para ele, a ideia seria “lesiva” à ciência brasileira. Na prática, significaria também a fusão do CNPq. “É um impacto muito grande. No caso dos pesquisadores 1A, não é apenas para a pesquisa individual deles, porque trabalham em grupos. Aqueles que dependem de laboratório vão ter estrutura defasada e essa redução de bolsas da Capes pela metade vai ter um impacto tremendo. Os alunos vão ser afetados pelo corte de bolsas”.
O sistema de financiamento da pesquisa científica brasileira conta, ainda, com a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e as fundações estaduais, como a Fapesb. Também ligada ao Mcti, a Finep é uma empresa pública que apoia incubação de empresas, implantação de parques tecnológicos e compra de equipamentos para projetos de pesquisa.
Desigualdades
No Nordeste, a Ufba fica atrás da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), com 31 bolsas. A UFPE costuma ser comparada com a instituição baiana em diversos aspectos – pelo tamanho, pelo fato de serem nordestinas e mesmo pelo ano de fundação (as duas são de 1976), é como se fosse um contraponto mais justo.
"Faço uma mea culpa. Nós desenvolvemos e ampliamos número de estudantes de graduação enormemente, mas evidentemente, como nós temos recursos limitados, temos que dirigir esses recursos", diz o coordenador de pesquisa da Ufba, Thierry Lobão, referindo-se a investimentos do passado.
Nos últimos anos, porém, defende que a instituição tem fomentado mais a presença de professores aglutinadores - inclusive, convidando professores visitantes, que ajudam a elevar o nível de pesquisa e produção.
A desigualdade, porém, não é apenas regional. Entre os 20 pesquisadores, só há duas mulheres. Além disso, apenas dois são negros.
Para a professora Alda Motta, pesquisadora do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher (Neim) e da pós-graduação em Ciências Sociais, o recorte é segregador.
Ainda que o número de mulheres pesquisadoras hoje no país seja maior do que o de homens, por exemplo, chegando a 56% das pessoas com título de mestre no país, por estimativas de relatórios internacionais, elas ainda enfrentam problemas para chegar às hierarquias mais altas. Segundo a professora Alda, essa situação acontece até mesmo pelas escolhas dos projetos.
"Sempre tinha uma diferença porque você vai ver que não há uma maioria de Ciências Humanas, que muitas mulheres frequentam. As avaliações entram muito como se fossem voltadas para as ciências duras, naturais, de saúde"
Ainda que a Ufba não tenha gerência na escolha das bolsas, a instituição tem buscado formas internas de diminuir essas disparidades. Uma delas é o lançamento de editais para o Neim e para o Centro de Estudos Afro-Orientais (Ceao).
A coordenadora da Pós-Graduação em Estudos Étnicos e Africanos (Pós-Afro) da Ufba, programa vinculado ao Ceao, Jamile Borges, por outro lado, diz não ter ficado surpresa com o dado. Ela acredita que, ainda que na graduação, já exista um volume expressivo de estudantes negros – devido, principalmente, às cotas e outras políticas afirmativas –, os mestrados e doutorados representam outro desafio.
Enquanto isso, o caminho para tornar os doutores já formados em pesquisadores do CNPq é longo. “A gente tem pouquíssimos pesquisadores com trabalhos que discutem questões raciais, racismo estrutural, permanência negra na universidade e acompanhamento da política de cotas. Muitos programas até rechaçam esses temas”.
Como consequência, diz a professora, programas de pós-graduação que abraçam essas temáticas costumam ter maior número de inscritos. O próprio Pós-Afro, por exemplo, teve cerca de 300 inscritos na seleção para aluno regular para 2020. No ano passado, eram 170 concorrentes.
“Esse é um retrato que mostra que esses estudantes estão buscando uma porta na pós-graduação”, afirma. Jamile defende que, se existisse uma política nacional unificada para o credenciamento de professores nos programas, a disparidade seria menor. Hoje, cada programa e universidade tem regimentos próprios. “Isso é natural para salvaguardar a autonomia universitária, mas essa autonomia não pode ser pelo racismo estrutural”.
Por área
Em algumas áreas, porém, a Bahia – e, mais especificamente a Ufba – tem claro destaque. A Comunicação desponta, assim como a Arquitetura e o Urbanismo. Quatro pesquisadores têm bolsas em Comunicação – três são professores na Faculdade de Comunicação e um no Instituto de Artes, Humanidades e Ciências.
Para o presidente da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom), Giovandro Ferreira, o destaque da Ufba no campo está relacionado ao investimento feito, nas últimas décadas, na Faculdade de Comunicação. O Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas, que completa 30 anos em 2020, foi, por muito tempo, o único da área nas regiões Norte e Nordeste.
“Isso envolve a necessidade de professores capacitados, bem formados e muito engajados na pesquisa, ensino e extensão. Diria também que a Facom é uma faculdade aberta a pessoas de diferentes países e estados. Também tem colegas oriundos da Sociologia, da Filosofia, da Engenharia, além da Comunicação”.
Outros três pesquisadores são da área de Arquitetura e Urbanismo. Em todo o Brasil, são apenas 10 bolsistas com essa classificação – assim, a Ufba responde sozinha por 30% do total. “Eles pensam novas formas de enfrentar uma problemática urbana e formam seguidores com autonomia”, opina a arquiteta Solange Araújo, diretora do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB) na Bahia.
A existência desses pesquisadores tem reflexo direto na área e na formação dos novos profissionais. “Isso tem a ver com os profissionais, com a Ufba, no sentido de que ela é democrática, com as peculiaridades da Bahia, que tem um patrimônio histórico cultural”, sintetiza.
Futuro das agências
Através da assessoria, a Capes informou que “acatará a decisão que o presidente da República considerar mais conveniente para o Brasil”, sem entrar em detalhes sobre o estágio da possível fusão com o CNPq, se houver. Além disso, confirmou que o orçamento para 2020 é de R$ 3,6 bilhões.
Em nota, o CNPq afirmou que não houve redução de bolsas 1A, nem de nenhum outro nível. "O que pode ocorrer é que a informação seja das bolsas vigentes, então se a bolsa estiver suspensa, por exemplo, não aparece”, diz a assessoria do órgão.
Alguns dos casos de suspensão de bolsa acontecem se o pesquisador estiver realizando estágio no exterior ou recebendo temporariamente bolsa de outra agência. Outra possibilidade, segundo o CNPq, é de que, após o encerramento de alguns dos auxílios em fevereiro de 2020, as novas ainda não tenham sido implementadas, uma vez que dependeriam de assinatura de termos de outorga.
Na última chamada, cujos resultados também foram divulgados em fevereiro, foram 10.500 propostas. Dessas, 153 foram da Ufba, que teve 49 projetos aprovados.
Os Cérebros
Ao CORREIO, os 20 pesquisadores 1A contaram um pouco de suas trajetórias. Com idades entre 40 e 91 anos, eles conversaram com a reportagem pela primeira vez em meados do segundo semestre de 2019.
A pandemia da covid-19, porém, afetou as rotinas de cada um deles. Por isso, agora, em junho de 2020, eles aceitaram contar novamente como têm trabalhado diante de um novo contexto.
Conheça as histórias de cada um deles nesse especial.
• Arquitetura e Urbanismo
• Comunicação
• Física
Antonio Ferreira (Instituto de Física)
• Geofísica
Milton Porsani (Instituto de Geociências)
• Geografia
Pedro Vasconcelos (Instituto de Geociências)
• História
João José Reis (Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas)
• Imunologia
• Oceanografia
José Maria Landim (Instituto de Geociências)
• Psicologia
Antonio Virgilio Bittencourt Bastos (Instituto de Psicologia)
• Química
Jailson Bittencourt de Andrade (Instituto de Química)
Sergio Ferreira (Instituto de Química)
• Saúde Coletiva
Jairnilson Paim (Instituto de Saúde Coletiva)
Mauricio Lima Barreto (Instituto de Saúde Coletiva)
• Zootecnia