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Por Jorge Gauthier (jorge.souza@redebahia.com.br)
Ela passava o chapéu; ele tornava concreto o pensamento, construindo albergue, hospital, padaria e depósito. A relação de amizade entre Irmã Dulce e Norberto Odebrecht (1920-2014) começou quando ele ainda era estudante da Escola Politécnica da Universidade Federal da Bahia (Ufba). Ele foi o principal construtor das obras da religiosa baiana e um de seus mais próximos parceiros.
Norberto tirou do papel e ergueu a primeira sede do Círculo Operário da Bahia (COB), no Largo de Roma. O COB foi o embrião das Obras Sociais Irmã Dulce (Osid) e era tocado pela religiosa, pelo frei alemão Hildebrando Kruthaup, tutor de Dulce, além de operários.
A obra do COB – iniciada em 1946 na Península de Itapagipe, em Salvador, e concluída em dois anos – foi a primeira da construtora que tempos depois se tornou a maior do Brasil. Norberto atendeu a um pedido do seu pai, Emílio Odebrecht (1894-1962), que já auxiliava o frei franciscano em trabalhos assistenciais no Centro de Salvador.
O COB precisava de uma sede para abrigar os cursos de alfabetização, costura, farmácia e os cinemas. Itapagipe estava consolidada como área industrial entre os anos 1930 e 1940, mas multidões de desempregados se acumulavam pelas ruas em extrema pobreza, reflexo da grave crise mundial. Não havia escola nem posto de saúde.
Foi o frei que apresentou Dulce ao construtor. “Esse homem chamado Hildebrando, no fundo, foi o pai empresarial da Irmã Dulce e do Norberto Odebrecht. Ele mandava e nós dois obedecíamos. Esse homem pegou o operariado todo espalhado e desorientado e organizou. Conduzia todas as viúvas ricas da Bahia, dava o destino do dinheiro das mulheres. Mandava na Bahia mais do que governador. Ele mandava aqui com a massa operária na mão. Era um imperador”, relembrou o empreiteiro em entrevista concedida em 2012 para o jornalista Graciliano Ramos, autor do livro Irmã Dulce, a Santa dos Pobres (2019/Editora Planeta).
Para Norberto, Dulce havia sido “a mais santa das criaturas que conheceu na vida”.
De 1957 até 1960, Irmã Dulce não saiu do pé de Bonifácio Manuel dos Santos, que foi funcionário do grupo de 1929 até 2007, quando morreu. Mestre de obras da Odebrecht, o mestre Boni teve a missão de cuidar da obra do maior sonho de Dulce: o Albergue Santo Antônio, que em 1983 virou Hospital Santo Antônio. Dulce chegava na construção antes mesmo dos operários. Tinha pressa para ver tudo pronto pois, segundo dizia a Norberto, “os doentes não podiam esperar”.
“Ela gostava de acompanhar a obra em todos os detalhes. Irmã Dulce pegava ele pelo braço e saía andando na obra para ver se já estava perto de finalizar. Ela queria viver o momento da obra e cobrava agilidade porque pra ela tudo tinha que ser feito rápido”, relembra o técnico em Recursos Humanos da Odebrecht e filho de Boni, Eduardo Manuel dos Santos.
“Norberto acompanhou os primeiros passos de Dulce e participou do processo de crescimento das Osid”, ressalta Maria Rita Pontes, atual superintendente das Osid, destacando que o grupo mantém o apoio às Obras até os dias de hoje.
A parceria de Dulce com Norberto, segundo esclarece Osvaldo Gouveia, assessor de memória e cultura das Osid, foi fundamental para a transição de Dulce do trabalho no COB para uma profissionalização maior, quando ela criou o Hospital Santo Antônio e desenvolveu as Osid.
“Irmã Dulce sabia que precisava de mãos para executar as obras. Quando ela usou o galinheiro para abrigar os doentes, já sabia que ali seria insuficiente e que precisaria crescer mais em um curto prazo. Através da parceria com Norberto Odebrecht, ela pôde criar esses projetos maiores”, diz Osvaldo.
Dulce pediu dinheiro em todos os lugares para erguer as construções, a exemplo dos cinemas do COB, que garantiriam renda para as ações de caridade.
O financiamento para a construção do COB foi feito às custas de dinheiro do Banco do Brasil (BB) via Banco Mercantil Sergipense. Norberto contou com o apoio de um gerente do BB para assinar promissórias e Dulce foi a campo para buscar mais dinheiro para finalizar a obra.
“Era só papel. Nós fabricamos o dinheiro para fazer a obra”, explicou o empreiteiro em entrevista ao jornalista Graciliano em 2012.
Foi feito o seguinte: a construtora assinou um contrato com o Círculo Operário da Bahia. Nele, a entidade pagaria em notas promissórias e o papel era trocado no banco.
“O Ciclo Operário, que era representado por Irmã Dulce, recebia as prestações de conta semanais, ela assinava letras de câmbio, eu descontava e o Banco do Brasil aceitava no redesconto. Então o financiamento era feito às custas do dinheiro do Banco do Brasil via Banco Mercantil. Então era um jogo, uma engenharia financeira que foi financiando”, contou Norberto em depoimento ao documentário Memória Viva – 15 anos, feito pela construtora em 2004.
Para pagar a conta, Dulce apelou ao presidente. “Ela foi para o Rio de Janeiro sentar com o presidente Gaspar Dutra e só voltou com o dinheiro. Ela foi, levou 30 dias e voltou com toda a equação montada (…) Para ela não tinha dificuldade, para ela não tinha problemas”, relembrou Norberto no mesmo documentário.
As lições de filosofia aplicada à administração que Irmã Dulce costumava compartilhar com Norberto contribuíram para desenvolver o modelo de gestão empresarial da Odebrecht, usado até hoje na companhia. “Quando ela chegava na sala de Norberto para falar algo ela botava a mão em um dos ouvidos. Intrigado, um dia, ele perguntou porque ela fazia isso. Ela disse que era para que as palavras não entrassem por um ouvido e saíssem pelo outro. Segundo ela, as sábias palavras de Norberto deveriam entrar por um ouvido, ficar no coração e ir para as mãos”, conta Maria Rita.
Funcionário com o crachá de número 01 da Odebrecht, Emilton Rosa se recorda das inúmeras vezes que Dulce ia no escritório da empresa. Em todas, a principal característica era a persistência. Essas muitas visitas, segundo revela Emilton, serviram para que Dulce, o frei, Norberto e o banqueiro Ângelo Calmon de Sá, que também era benfeitor de Dulce, buscassem estratégias para ampliar as obras.
“Eu acompanhei muitas reuniões quando a atividade do Círculo Operário foi crescendo e o hospital também. Parte da diretoria do Círculo não queria que o cuidado de doentes tivesse tanto empenho e espaço. Foi nesse momento que esse grupo capitaneado por Dulce começou a pressionar o estado para desapropriar a área, indenizar o Círculo e permitir a construção do Albergue Santo Antônio, que foi concluída em 1960”, relembra Emilton.
Termo de Recebimento
Nesta data estou recebendo os novos pavilhões do hospital Sto. Antonio, construídos pela Odebrecht Construtora. Como tem acontecido nestes 37 anos, todos os nossos trabalhos têm sido feitos em união com o nosso grande amigo Dr. Norberto Odebrecht. Todos que visitam o hospital fazem os maiores elogios referentes não só a estrutura do prédio como ao acabamento. E eu me sinto muito feliz por poder, com a cooperação da construtora Norberto Odebrecht, dar condições mais humanas aos nossos pobres doentes. Tudo foi feito com muito interesse, nos seus menores detalhes, visando fazer o melhor possível para os pobres. Deus recompense a construtora, os engenheiros mestres e operários.
Associação Obras Sociais Irmã Dulce – presidente
Irmã Dulce Lopes Pontes
29/01/1983
O projeto Pelos Olhos de Dulce tem o oferecimento do jornal CORREIO e patrocínio do Hapvida