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Por Jorge Gauthier (jorge.souza@redebahia.com.br)
Em uma manhã de domingo, depois de 15 dias embarcado trabalhando em um navio, o auxiliar de navegação José Apolônio dos Santos (1914 – 1999) chegou em sua casa do bairro da Massaranduba, em Salvador. Sua esposa, Euvira Andrade dos Santos, hoje com 89 anos, havia preparado um almoço com comida baiana – a preferida de José. Quando ela foi desfazer a mala dele achou duas camisas sujas com marcas de batom no pescoço. Ficou em silêncio. Dois meses depois a cena se repetiu. O silêncio também. Três meses depois mais uma vez as camisas sujas de batom e no bolso do paletó a foto de uma jovem aloirada com cara de russa. Foi o suficiente para o caos se instalar na casa.
Nesse dia o prato preparado por Euvira havia sido uma macarronada, que foi parar toda na parede junto com as baixelas de vidro. Euvira pegou duas mudas de roupa e seguiu com sua filha (com 4 anos na época) pelas ruas da Cidade Baixa. Parou em frente ao recém inaugurado Hospital Santo Antônio. Aos prantos, pediu um abrigo para Irmã Dulce.
“Eu queria um lugar para dormir. Não queria mais voltar para casa. Eu estava com muito ódio do meu marido”, relembra Euvira quase 60 anos depois, no mesmo lugar, onde ainda hoje funciona o hospital.
Dulce não deu o lugar para Euvira dormir. Mas deu conselhos e se ofereceu para intermediar o conflito matrimonial. “Ela pegou no meu ombro e começou a alisar. Minha filha estava dormindo no meu colo. Ela disse, com toda calma do mundo, que entendia os motivos do meu nervosismo, mas também falou que um casamento que tinha a unção de Deus não poderia acabar assim. Foi aí que ela perguntou onde eu morava e mandou um funcionário do Cine Roma (que ficava ao lado do hospital) ir lá chamar meu marido”, conta Eunice destacando que essa havia sido a primeira vez que tinha visto Dulce na vida. Só foi parar lá porque sabia da fama do local de nunca ter uma porta fechada para quem precisasse.
Incrédulo com o chamado de Dulce, a quem também só conhecia pela fama, Apolônio chegou diante da freira e da mulher.
“Naquela hora Dulce puxou as orelhas dele. Mas não deu bronca. Só perguntou se ele me amava. Ela não julgou ele pelo que ele tinha feito. Disse várias vezes que o matrimônio precisava ser preservado e que ela estava ali para nos ajudar. Eu fiquei em silêncio. Não conseguia falar e ele só chorava”, conta Euvira.
Alguns minutos depois, Dulce lançou a pergunta final para o casal. Questionou se os dois tinham temor e crença em Deus. Diante da afirmativa apenas disse: ‘Então, vão para casa juntos e em paz. E você, meu filho, respeite e ame sempre sua esposa”. As palavras não saem até hoje da cabeça de Euvira.
Depois de falar que os dois deveriam se amar a freira saiu da frente deles e seguiu na missão de ajudar outras pessoas.
Os dois seguiram para casa, em silêncio. Passaram, segundo lembra Euvira, uma semana praticamente em silêncio. Quando Apolônio viajou novamente e voltou a mala estava completamente limpa. Sem nenhum vestígio da amante, que, anos depois, ele confessou ter mantido por dois anos no Rio de Janeiro.
“Mas Irmã Dulce mudou a história do meu casamento. Depois daquele dia Apolônio virou outro homem. Até o dia da sua morte foi um marido zeloso e dedicado. Todas as vezes que tivemos qualquer entrevero depois disso ele sempre falava que não poderíamos brigar. Ele dizia que fomos abençoados por uma santa e que deveríamos preservar nossa união por esse motivo”, emociona-se Euvira que desde 1999, quando Apolônio se foi, vítima de um câncer de próstata, não deixa de ir semanalmente à igreja onde está o túmulo de Dulce para rezar:
“Preciso sempre agradecer pelo que ela fez. Graças a ela depois tivemos mais quatro filhos que me deram 18 netos que serão minha alegria até o dia em que eu encontrar com ela e Apolônio lá no céu”.
O projeto Pelos Olhos de Dulce tem o oferecimento do jornal CORREIO e patrocínio do Hapvida