Com uma câmera Canon 7D Mark II e uma lente 100-400 mm – equipamentos profissionais –, o professor Ronaldo Lopes Oliveira desenvolveu um de seus maiores hobbies: a fotografia de pássaros. Em três anos, quando a paixão começou, foram mais de 29 mil registros. Desse total, aprova a qualidade técnica de apenas 10%.
Em uma ou outra incursão ao ar livre, se deparava com alguma ave que chamava atenção.
“Fui encontrando um bichinho aqui e outro ali, achando bonito, e acabei descobrindo que gostava de pássaros e de observá-los. Descobri o Wiki Aves, conheci o mundo da observação e passei a fotografar”, conta o professor de 46 anos.
Hoje, ele contabiliza 829 espécies fotografadas – a maioria das imagens é da região de Porto Sauípe, em Entre Rios, no Litoral Norte baiano, mas há registros de todo o país. A frequência de saídas era alta antes da pandemia: nos tempos pré-confinamento, saía quase todos os finais de semana. Mesmo assim, durante todos os outros dias, a rotina do professor Ronaldo está diretamente ligada à natureza e aos animais.
Enquanto professor do Departamento de Zootecnia da Universidade Federal da Bahia (Ufba), ele troca as aves pelos mamíferos – pelo menos, em seus estudos. A pesquisa sobre os chamados ruminantes – bovinos, caprinos e ovos – fez com que ele se tornasse um dos pesquisadores 1A da instituição, a partir do dia 1º de março de 2020. Assim, desde então, ele está no nível mais alto da pesquisa científica no órgão federal.
A notícia da classificação, na verdade, veio em fevereiro, depois de ele ter passado quatro anos como pesquisador 1B – a categoria anterior. Na data prevista para sair o resultado da renovação das bolsas de produtividade, ele entrou no site do CNPq. Já era a segunda vez, naquele mês, que conferia as respostas.
O resultado estava lá, mas apenas os números das bolsas tinham sido publicados. A lista com os nomes completos só seria divulgada após a fase de recursos. “Fui em minha página ver o número do processo, coloquei o número e vi: bolsa 1A”, lembra.
Achou que o número estivesse errado. Decidiu voltar e conferir. “Anotei de novo, conferi número por número. Só então fui comemorar. É um fantástico reconhecimento. É gratificante e valeu a pena o esforço de trabalhar tão perto com os meus orientandos”.
Agora, com o distanciamento social, essa convivência tem sido apenas digital. As atividades de campo, assim como as laboratoriais, foram suspensas. “Por sorte, estávamos no intervalo de pesquisas e não temos nenhum animal que precise de cuidados diários”, conta.
No entanto, o professor encontrou uma forma de continuar incentivando a produção e a divulgação científica. Primeiro, fez um levantamento da situação de acesso à internet de todos os integrantes de seu grupo – dos estudantes de graduação a outros professores. Após a confirmação de que havia condições, deram início a um ciclo de encontros para discussões, apresentações de projeto e palestras com gente do Brasil inteiro e de países como Portugal e Moçambique.
“Foi interessante porque o nosso grupo discutia para dentro. Hoje, a gente está abrindo uma sala virtual e convidando. Isso está sendo muito bom porque a gente debate e qualifica nossos dados”, explica.
Buscar uma graduação que tivesse relação com a vida no campo pareceu natural para o então adolescente Ronaldo, na época do vestibular. Nascido no município de Nova Andradina, interior do Mato Grosso do Sul, cresceu na cidade vizinha, Batayporã. Filho de lavradores, viu o pai ser funcionário de fazendas da região; a mãe, por sua vez, trabalhava como empregada doméstica nas mesmas propriedades.
“Era meu pai na produção e minha mãe cuidando de galinha. Cresci naquele meio. Como fui o primeiro de minha família a entrar na universidade, tentei ir para cursos vinculados àquela praia”, explicou.
Pensou nas opções: agronomia não o agradava; medicina veterinária estava fora das opções porque não queria “cortar bicho”, ver animais doentes. Um dia, lendo o Guia do Estudante, descobriu o curso de Zootecnia.
Em seu estado, porém, não havia nenhuma instituição que oferecesse a graduação. A mais próxima ficava na Universidade Estadual de Maringá (UEM), no Paraná. Fez o vestibular mas, na primeira vez, não foi aprovado. Passou seis meses em um cursinho pré-vestibular social e, na prova seguinte, foi selecionado.
“Foi paixão à primeira vista pela profissão. Mas, como eu tinha uma dificuldade financeira grande, fui em busca das oportunidades de bolsa, muito mais do que pelo desejo de iniciação científica. Só que acabei me apaixonando enquanto via meus professores no mestrado e no doutorado”, lembra.
Assim que acabou a graduação, entrou no mestrado da Universidade Federal de Viçosa (UFV), seguindo com o doutorado. Na época, a instituição já era uma das melhores do país na área. O programa, inclusive, tem conceito 7 na avaliação quadrienal da Capes – ou seja, a nota máxima e que indica um desempenho de alto padrão internacional.
O professor Ronaldo concluiu o doutorado em 2001, numa época em que os concursos andavam escassos. Acabou trabalhando por seis anos em uma universidade particular em Brasília, mas não esquecia o desejo de trabalhar com pesquisa. O concurso para a Ufba só foi lançado em 2005.
Lá, o foco sempre foi mostrar a produtividade com a divulgação científica. Assim que as pesquisas começaram, já investia em artigos e outras produções. De 2010 a 2018, o professor Ronaldo foi coordenador de ensino de pós-graduação e cuidava diretamente da pesquisa da universidade.
“Uma coisa que eu sempre fiz questão e que a gente acabou atingindo (na Zootecnia) é que a gente produzisse trabalhos com resultados que tenham foco na Bahia, no Nordeste e no país, mas os resultados têm que ser divulgados para o mundo. Por isso, buscamos as maiores revistas internacionais. Quebramos a cabeça muitas vezes, tivemos algumas rejeições, mas conseguimos galgar isso”, conta.
O caminho do professor Ronaldo na Ufba está diretamente ligado ao desenvolvimento do Departamento de Zootecnia. Na instituição desde 2006, ele foi o fundador do curso de Zootecnia, criado em 2009. Quando chegou, era professor de Medicina Veterinária. Mas com o lançamento do programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), em 2007, o professor Ronaldo decidiu propor o curso que viria a ser um dos maiores destaques da instituição.
Um ano antes, em 2006, ele tinha vencido as eleições para ser o presidente da Sociedade Brasileira de Zootecnia (SBZ). O planejamento incluía o futuro: a meta era, em 2010, organizar o congresso da entidade em Salvador. Isso aconteceu justamente em 2010, praticamente ao mesmo tempo que a criação do curso, com a presença de mais de três mil pessoas.
“Quando a gente contratou os primeiros professores da Zootecnia, entrou um grupo bem forte e já com bastante publicação. Era um pessoal jovem que estava esperando a hora de entrar na universidade. Contratamos uns 10, 12 professores, que se engajaram na organização do congresso”, lembra.
Mas ele queria ir além. A graduação estava em seu segundo ano, mas o professor Ronaldo já via, ali, a oportunidade de criar a pós-graduação. Queria trazer o mestrado em Zootecnia para a Escola de Medicina Veterinária e Zootecnia.
Para apresentar uma proposta forte ao Ministério da Educação (MEC), decidiram solicitar um mestrado e um doutorado. “Pensava que se eles fossem cortar algo, cortariam o doutorado. Mas tivemos a grata surpresa de termos sido aprovados já com mestrado e doutorado e nota 4”, lembra, referindo-se ao chamado conceito Capes, que avalia os programas de pós-graduação. A nota 4, que ainda é a do programa, significa que o conceito o curso é considerado bom.
No caso do professor Ronaldo, a pesquisa é sobre a alimentação de bovinos de corte e de leite, caprinos e ovinos. “Eu sou um nutricionista de ruminantes”, explica. Assim, seu maior interesse sempre foi buscar a melhoria da nutrição desses animais ao encontrar novos alimentos que possam baratear ou melhorar a qualidade da carne dos bichos. Além disso, esse aperfeiçoamento também deve visar a saúde humana.
Ao chegar na Bahia, o foco foi encontrar alimentos típicos do estado que possam ser usados como alternativas na alimentação dos ruminantes. Ou seja: valorizar o que é produzido aqui, inclusive o que inicialmente seria descartado. Foi assim com estudos sobre resíduos de óleos como o de licuri e o de dendê.
“A gente estudou o quanto usar de dendê, até quanto eu posso ter na dieta de caprinos, bovinos e ovinos e como fica a qualidade dos produtos se o animal consome isso. Temos trabalho publicado em revista de alto impacto sobre a qualidade da carne do sol de bovinos que consumiram o resíduo de dendê”, conta.
Spoiler: a carne do sol fica mais macia. O dendê não a afeta negativamente; pelo contrário: a carne fica mais barata e melhor. Há, ainda, estudos sobre resíduos de frutas como umbu e acerola, além de óleos como o de amendoim.
“O Brasil tem o maior rebanho comercial de bovinos do mundo, porque o da Índia é sagrado. Então, a produção de carne de ruminantes do Brasil é um carro-chefe da Zootecnia, da agropecuária nacional”, completa.
A bolsa de produtividade, para ele, é um estímulo. O professor Ronaldo a coloca no mesmo patamar de outra iniciativa do CNPq: o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica, mais conhecido até pela sigla Pibic.
A reclassificação, inclusive, é fruto de um trabalho antigo. Um passado recente, mas ainda um passado. “Se tem um conselho que eu poderia dar a quem está começando é não colocar isso como objetivo (se tornar 1A), mas fazer pesquisas para solucionar problemas que a sociedade tem. Esse é o papel. A bolsa é consequência”, enfatiza.
Nesse primeiro semestre de 2020, porém, só aceitou uma nova orientanda – uma estudante de doutorado. Ao todo, tem seis, entre mestrado e doutorado. Em outros anos, chegou a ter dez orientandos simultaneamente.
A queda vem por motivos como a redução de bolsas. “A gente tem tido uma procura menor pela pós por isso e também eu só poderia abrir uma vaga de atividade experimental. Temos que ter o dinheiro para o experimento acontecer. Se eu não tiver, não tem como ter o (projeto do) mestrado ou o doutorado do estudante”, completa.
Hoje, ele é coordenador da área de Zootecnia na Capes. Assim, antes da pandemia, viajava duas vezes por mês. No restante do tempo, dá aulas, faz pesquisa e ainda trabalha na Assessoria para Assuntos Internacionais da Ufba.
As atividades administrativas, assim como as de extensão, continuam à distância mesmo hoje, com o coronavírus. O momento, para ele, pode até ser definido por um clichê: na crise, é preciso criar, buscar alternativas e, acima de tudo, não se deixar paralisar.
“A ciência não pode ser paralisada. Ela é a resposta para uma série de coisas, inclusive para a pandemia. Um aspecto que alguns segmentos da sociedade mais critica é a paralisação econômica, mas a gente está estudando alternativas de produção de alimentos para a população humana. Tudo isso também contribui para um retorno e as pessoas não param de se alimentar. Por isso, a gente não pode parar”, defende.