A primeira surpresa veio logo no email de resposta. Em seu texto, o professor Pasqualino Magnavita explicava como poderia atender ao pedido de entrevista do CORREIO. Informava que morava em Itaparica, na Região Metropolitana de Salvador (RMS), e que, mesmo aos 90 anos, continuava lecionando no Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Bahia (Ufba).
Hoje, em 2020 e já com 91 anos, o professor Pasqualino é o mais longevo dos pesquisadores com produtividade 1A da Ufba. Talvez seja um dos mais antigos, inclusive, de toda a Ufba – pelo menos em atividade, ainda que seja aposentado desde 1995. Para continuar o ritmo, antes da quarentena pela pandemia do novo coronavírus, que suspendeu aulas na instituição, pegava o ferry-boat uma vez por semana para vir a Salvador.
Na resposta, ele explicou que preferia dar entrevista por email. Enviou, alguns dias depois, um arquivo de 11 páginas. Em alguns momentos, cita Michel Foucault e Jean Baudrillard, além de inúmeros conceitos da filosofia. Os livros de filósofos, explica, o atraíram desde a adolescência.
“Pesquisar depende muito da forma de pensar e, de fato, este objetivo foi minha permanente preocupação existencial”, explicou, referindo-se ao seu interesse pela pesquisa. Em 2019, completou 60 anos de Ufba – exatamente o mesmo aniversário que a Faculdade de Arquitetura (Faufba).
Quando começou a trajetória acadêmica, em 1947, não existia Faufba. O curso era ligado à Escola de Belas Artes. Fez, naquela época, Engenharia Civil. Por isso, em 1952, um ano após se formar, se inscreveu para estudar Arquitetura na Universidade de Roma. Retornou a Salvador cinco anos depois para trabalhar profissionalmente e se envolver diretamente com a futura Faufba.
A história do professor confunde-se com a própria história da faculdade. Lá, tornou-se uma figura icônica. “Os suspensórios são a marca dele”, contou uma orientanda que o acompanhava no dia em que encontrou a equipe do CORREIO para ser fotografado. Os acessórios, que adotou há uns 30 ou 40 anos para substituir o tradicional cinto, vinham com uma calça amarela presa com uma corrente de metal e tênis esportivos. Nos cabelos, um nó formava um coque baixo despojado.
Nada, em sua figura, parecia com o estereótipo de um senhor nonagenário. Subia e descia as escadas da faculdade com a disposição de alguém que faz exercícios físicos duas vezes por semana. Talvez a receita para a jovialidade seja a morada em Itaparica; talvez seja o contato constante com o conhecimento.
“A vida no sentido informal foi sempre, para mim, um campo de indagação, particularmente, no universo conceitual da filosofia e na dimensão perceptiva e afetiva da arte, pois, sempre considerei intuitivamente a filosofia como matriz da forma de pensar, o lugar onde o pensamento se orienta e a arquitetura como universo da arte”, disse.
As mudanças de rotina, garante, não têm prejudicado a pesquisa sobre a chamada neuroarquitetura – campo que une os estudos da neurociência com a arquitetura. “Conto com mais tempo disponível. Inclusive, estou elaborando um texto sobre Geofilosofia e Geopolítica em tempos de pandemia”, adiantou, poucos dias antes da publicação deste especial.
Doutores
Filho de italianos – o pai chegou na Bahia em 1898, aos 14 anos -, o professor Pasqualino teve 13 irmãos. O objetivo de seu pai, que trabalhou como agrimensor e comprou um terreno onde plantava cacau para sustentar a família, era que seus filhos estudassem. Queria que fossem “doutores”, como não tivera a oportunidade de ser.
De fato, vieram doutores na família. A irmã mais velha foi uma das fundadoras da Faculdade de Filosofia, Língua e Literatura Italiana enquanto outros três irmãos foram professores da Ufba. Duas sobrinhas e um sobrinho, já aposentados ou em aposentadoria, também foram docentes na instituição.
“Muitos de meus intercessores, filósofos, cientistas e artistas enquanto agenciamentos coletivos, me influenciaram bastante, contudo, não sei até que ponto, os meus entendimentos teóricos e as minhas atividades práticas repercutiram plenamente nas pessoas com as quais convivi”.
Até a década de 1970, não havia pesquisadores doutores formados no Brasil. O seu doutorado, inclusive, foi concluído na Universidade de Roma, em 1964. Isso o habilitou para participar da banca de seleção dos primeiros doutores na área no país, na Universidade de São Paulo (USP).
Na Bahia, o mestrado só foi criado em 1983, coordenado por ele. O doutorado, por sua vez, apenas em 2000. Anos antes, em 1974, criou, com colegas o grupo de pesquisa chamado Núcleo de Estudos de Habitação. Mais tarde, o grupo seria responsável por avaliar diversos conjuntos habitacionais do Banco Nacional de Habitação em bairros populares de Salvador.
Ainda nos tempos da Engenharia, se encantou por dois grandes temas: a Psicanálise e a Teoria da Relatividade. A ida à Itália, que aconteceu nos anos seguintes à Segunda Guerra Mundial, fez com que tivesse contato com movimentos sociais inspirados na União Soviética. Foi ali que aconteceu o que chama de sua “primeira e grande desterritorialização”: passou a frequentar o Instituto Cultural Antonio Gramsci, que levou-o à forma de pensar do materialismo histórico e dialético, conceitos marxistas.
“O interesse pela produção de arquitetura e arte de interesse social marcaram, então, as minhas subsequentes atividades teóricas e práticas no magistério universitário. E isto (ocorreu) com maior intensidade a partir dos atos institucionais que desrespeitaram os direitos civis com a implantação em 1964 do regime militar”, explicou.
Durante a ditadura, viu disciplinas como a Composição Arquitetônica e Filosofia da Arquitetura passarem a ser chamadas de Planejamento e Teoria, respectivamente – as mudanças foram parte de uma reforma após acordos negociados entre o Ministério da Educação (MEC) e a United States Agency for International Development (USAID) na ditadura militar. Naquele momento, despertou para as edificações de interesse social, sempre relacionadas a temas como habitação, saúde e educação.
O pensamento filosófico está presente em seus projetos de pesquisa. O mais recente, de 2016 para cá, usa justamente os conceitos de diferença e repetição no plano de imanência filosófico do pensamento rizomático. Tudo isso no âmbito da teoria e da crítica da Arquitetura contemporânea.
Na Filosofia, de acordo com os pensadores Gilles Deleuze e Félix Guattari, o rizoma é um conceito inspirado na Biologia. Assim, o pensamento rizomático é aquele que se abre como raízes. É um pensamento aberto para experimentações e se espalha em todas as direções.
“Trata-se de uma pesquisa que envolve as três formas de pensar e criar: Filosofia, Ciência e Arte, pois, elas se cruzam, se entrelaçam e fazem do pensamento uma Heterogênese. O enfoque maior é reservado à questão da criatividade, pesquisando as condições dos ‘territórios existenciais’ das subjetividades tanto a individual quanto a coletiva”, diz a descrição.
Para muita gente, a aposentadoria poderia ser sinônimo de descanso. De lidar com outros aspectos da vida que não o trabalho formal. No entanto, mesmo entre tantos colegas da Ufba que, mesmo aposentados, continuam a todo vapor na pesquisa, o caso de professor Pasqualino se destaca.
Em 1995, decidiu se aposentar, aos 65 anos de idade. Na época, o então presidente Fernando Henrique Cardoso tinha enviado uma proposta de reforma da previdência ao Congresso Federal. Aprovada três anos depois, a Emenda Constitucional 20 determinou a troca de tempo de serviço pelo tempo de contribuição.
Foi assim que os homens passaram a poder se aposentar depois de 35 anos de trabalho. Com as mulheres, o prazo foi de 30 anos. Só que, nesse contexto, muitos professores passaram a pedir aposentadoria – incluindo o professor Pasqualino.
Quando completou 70 anos, solicitou a obtenção do nível 1A em produtividade pelo CNPq. Desde 1988, participava como membro do Comitê Assessor do órgão, avaliando, inclusive, programas de pós-graduação.
A classificação aconteceu em 2003. Para ele, foi consequência natural, ainda que – como destaca em suas respostas – estivesse “ciente de que as inovações filosóficas e a produção arquitetônica como pesquisa sensorial/especial (perceptiva e afetiva), como arte” não viesse tendo acolhimento no órgão federal.
“Vale salientar que, progressivamente, através da micropolítica da subjetivação, venho ‘dissolvendo’ o Eu e a Competição e evidenciando ‘Anonimato’ como princípio (embora ainda utópico), e cada vez mais, estou apostando no Nós e na Cooperação, socializando, assim, a existência!”, exclamou.
Para continuar ensinando na Faufba, solicitou a bolsa de produtividade ao CNPq pela primeira vez. Na época, já ensinava no mestrado e já tinha “timidamente” publicado alguns artigos. Até então, a publicação não era exigência. De lá para cá, começou a produzir artigos e teve nove projetos apresentados e aprovados ao CNPq.
Os primeiros oito geraram 24 artigos e 14 capítulos de livro. “A minha previsão é publicar um livro ainda este ano, comemorando os meus 90 anos e outro no final da atual bolsa”, adiantou. Sua bolsa atual vai até o fim deste ano e não pensa em parar. Já avisou: “se a saúde mental e corporal permitir”, fará um novo projeto e vai pedir a renovação.
mestres orientados
doutores orientados
orientação de mestrado em andamento
orientações de doutorado em andamento
artigos completos publicados em periódicos
capítulos de livros publicados
textos em jornais de notícias/revistas
orientação de Trabalho de Conclusão de Curso de graduação concluída
trabalhos completos em anais de congressos
apresentações de trabalho
outras produções bibliográficas
participações em bancas de mestrado
participações em bancas de doutorado
participações em bancas de concurso público