Em 2019, a professora Ana Maria Fernandes conseguiu desenvolver um novo projeto em sua vida. Ao longo da carreira, foram vários. Esse, porém, foi um tanto diferente. “Tirei um mês de férias e foi bem interessante”, diz, com naturalidade. Não é o único projeto do tipo: tem planos de instituir finais de semana em sua vida – sextas, sábados e domingos livres.
Ana é professora aposentada da Universidade Federal da Bahia (Ufba) desde 2018. Mesmo assim, não pensa em parar. “É parte da minha vida. Seria como se eu abdicasse de uma parte realmente muito significativa de mim. Até agora, não consigo”.
Nem mesmo durante a quarentena imposta pela covid-19, o ritmo foi menos intenso. Enquanto cumpre o próprio distanciamento social, ela dá conta dos compromissos que já tinha e dos novos cenários que foram aparecendo.
Talvez seja redundante, a essa altura, dizer que ela dedica muito de seu tempo ao trabalho. Professora da Faculdade de Arquitetura desde 1988, Ana já fez um pouco de tudo. Foi diretora de unidade, consultora de órgãos públicos que vão de secretarias municipais a programas de bolsas na Espanha, conselheira fiscal do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB) na Bahia, presidente da Associação Nacional de Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional (Anpur).
Enquanto desenvolvia cada função, se fascinava com a cidade. Cada aspecto do ambiente urbano, com suas dinâmicas, problemas e destaques, lhe parecia interessante. Foi o que a fez perceber que, ainda que apaixonada pela arquitetura, era o urbanismo sua maior paixão. A possibilidade de existir mais trabalho coletivo, no urbanismo, era o que a atraía.
“Ainda que a produção da arquitetura sempre indague a sociedade como um todo, culturalmente, tecnicamente, socialmente, o urbanismo parte do coletivo. Essa questão sempre me intrigou”, explica a professora de 65 anos.
Nos últimos meses, com seu grupo de pesquisa, ela continuou fazendo o acompanhamento das políticas criadas para as cidades. “Esse é um período de aceleração muito grande das políticas urbanas e isso gerou uma apresentação no congresso virtual da Ufba”, conta, referindo-se ao evento virtual que aconteceu em maio.
A pandemia acabou conectando a pesquisa ainda mais à conjuntura atual. Para a professora Ana, as fragilidades nas cidades vieram à tona com muita força nesse momento; inclusive, contribuindo para virulência da doença. É como se houvesse um reposicionamento das ausências de infraestrutura nos municípios brasileiros.
“Aquilo que se fala que o Brasil resolveu o problema da água, da infraestrutura, da saúde pública… Numa situação como essa, com as características que essa pandemia tem, falta água, falta saneamento, as encostas continuam desabando e pessoas alagadas. Isso torna o cenário ainda mais dramático. Se você tem que lavar a mão e não tem água, é uma situação quase kafkiana”, analisa, numa referência à obra do escritor austríaco Franz Kafka.
Autor de livros como A Metamorfose e O Processo, Kafka se tornou uma referência para citar situações que parecem absurdas, surreais ou mesmo que remontam a um pesadelo. Por outro lado, ao mesmo tempo, a professora acredita que é preciso analisar que tipos de demandas devem ser atendidas nos bairros populares.
Nesse contexto, para ela, os agentes comunitários de saúde são de extrema relevância. “Claro que a questão do tratamento final, com respiradores, hospitais de campanha e UTIs (Unidades de Terapia Intensiva) é importante. Mas todo o cuidado de proximidade, que é possível fazer através dos agentes comunitários de saúde, ficou no escuro”.
Foi com esses interesses de pesquisa que ela se tornou uma das principais pesquisadoras de sua área, no Brasil. Ana Maria é uma das pesquisadoras com produtividade 1A no CNPq na Ufba, o que significa dizer que ela está no nível mais alto da pesquisa científica no órgão federal. Mais que isso: ela é uma das duas únicas mulheres da lista, ao lado da professora Paola Jacques, também da Faculdade de Arquitetura.
O dado a surpreendeu. Não o fato de a outra pesquisadora ser justamente uma colega de área – a Arquitetura e o Urbanismo, ao longo dos anos, têm sido associados, em maioria, a profissionais mulheres. Por muito tempo, o próprio vestibular da Ufba já teve entrada de 80% de mulheres na graduação.
“Acho que tem a ver com geração. Lá atrás, só tinha homem. E se a gente olhar todas as bolsas do CNPq, vai ter mais mulheres, mas de qualquer forma, não tenho dúvida de que haverá muitas mulheres na Ufba com plenas condições de serem pesquisadoras 1A”, opina.
Na Ufba, de fato, quando são observadas todas as 209 bolsas de produtividade, a diferença diminui: a proporção passa de apenas 12,5% de mulheres entre as pesquisadoras 1A para 40% no universo total, com 80 bolsistas em todas as classificações.
O número, porém, ainda é pequeno. A maioria das pesquisadoras do CNPq na Ufba está na classificação 2 do órgão – 53 delas. Outras 12 são classificadas como 1D, enquanto as que estão nos níveis 1C e 1B são oito e cinco, respectivamente. Entre as áreas, as mais frequentes são Saúde Coletiva, que tem oito pesquisadoras; Artes, que tem seis, e Letras, com cinco. Historicamente, a presença de mulheres é maior nessas áreas.
Paulista de Birigui, município no interior de São Paulo, aos 17 anos, Ana Fernandes escolheu Arquitetura e Urbanismo no vestibular. A ideia sobre o campo, em sua própria definição, era bem pueril. Foi justamente na época em que um primeiro arquiteto chegara na cidade.
O curso só era oferecido nas grandes universidades, como a de São Paulo (USP) e a Presbiteriana Mackenzie. Ou seja: junto com a entrada na faculdade, viria também uma mudança para uma cidade grande.
Aprovada na USP, começou a ter contato com pesquisa desde cedo. Já no segundo ano do curso, convivia de perto com professores que se dedicavam à pesquisa e estimulavam os estudantes. Desde a década de 1970, já era uma opção para a formação dos estudantes.
Filha de um bancário e de uma dona de casa, Ana não tivera contato com produção científica em nenhum outro momento da vida. Em casa, os pais valorizavam muito a educação. Sabiam que era um ponto de partida para os filhos. Mesmo assim, a pesquisa não fazia parte do horizonte.
Logo percebeu que gostava mais do urbanismo. O ambiente ajudava. “A gente vivia uma ditadura militar com expansão brutal das cidades. E um outro elemento muito importante de todo esse processo é o próprio movimento estudantil”, explica.
Tinha sido líder do movimento estudantil? “Fui massa do movimento estudantil”, responde. Na faculdade, a professora Ana fazia parte de uma tendência política chamada Liberdade e Luta, de influência trotskista. Foi nessa época que conheceu aquele que seria um dos principais motivos para ter decidido vir para a Ufba: o baiano Milton Santos Filho, então uma das lideranças do movimento e, como o nome indica, herdeiro do renomado geógrafo nascido em Brotas de Macaúbas, na Chapada Diamantina.
Os dois se reencontrariam anos depois, em São Paulo. Foram juntos para a França e, de lá, decidiram aportar em Salvador, cidade natal dele. Àquela altura, Ana chegara à capital baiana com um doutorado e a possibilidade de solicitar uma bolsa de desenvolvimento científico regional com foco no Nordeste.
Com essa bagagem, bateu na porta do mestrado em Arquitetura e Urbanismo – naquela época, em 1985, o doutorado ainda não existia. “Falei com o professor Pasqualino (Magnavita, um dos pesquisadores 1A) e o professor Eliodoro Sampaio. Eles me acolheram prontamente”, lembra.
Entre bolsas e vínculos como de professora visitante ou substituta, passaram-se sete anos na Ufba. O concurso para docente efetivo só aconteceu em 1992. Ao longo de todo esse período, desenvolvia estudos que se apropriavam tanto do Urbanismo quanto da História, da Geografia e da Sociologia.
São disciplinas que, no processo, permitiram que ela compreendesse o processo de estruturação das dinâmicas urbanas, desigualdades e segregação. “Ao longo do tempo, isso vai se desdobrando em dois caminhos principais. Um que é a história do urbanismo e da cidade, que é um outro jeito de você se apropriar do próprio caminho e ter a possibilidade de entender a temporalidade dos processos”, diz. Ao mesmo tempo, ela focava também em políticas urbanas e em entender a relação do Estado com a cidade.
Esse olhar para a cidade a acompanha. Mesmo nas horas vagas, um de seus passatempos é passear por Salvador e olhar a paisagem – principalmente, entre o Centro, a Península de Itapagipe e o Subúrbio Ferroviário.
“Salvador é uma cidade muito bonita, embora muito desigual. (Meu costume) É sempre observar a cidade, se estou passando pela Avenida Paralela, pela Orla, se vou para o Miolo, pela Baía de Todos os Santos. Acho que tem uma certa atenção aguçada com a cidade”, explica.
Ela foi a criadora e uma das coordenadoras do Observatório de Bairros em Salvador, que construiu uma plataforma que reúne indicadores sobre temas de bairros da capital baiana. Mais recentemente, começou a desenvolver um projeto sobre a reforma urbana no Brasil, na década de 1960, diante de todo o contexto social e político da época.
Com a maioria dos pesquisadores desta lista, a professora Ana nunca teve o objetivo de chegar à classificação 1A. É difícil lembrar a data em que chegou ao maior degrau. Talvez 2013, 2014; é certo que alguns anos depois de ter começado, no início da década de 2000.
“Claro que, quando me tornei, fiquei feliz. Mas sou uma pessoa modesta, de forma geral. Não tenho ambição nesse sentido de ter essas metas todas a serem conquistadas. Realmente, não sou uma pessoa ambiciosa, mas não tenho nada contra ninguém que seja”, reitera.
Em casa, acabou ajudando a disseminar a veia de pesquisadores na família. Enquanto o marido fora professor da Escola de Economia, em vida, a filha fez doutorado em Comunicação e segue na área. O filho, que cursou Engenharia Mecânica, faz hoje mestrado em Economia na Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo.
“Acho que tem, aí, uma sementinha que foi plantada”.
Para ela, hoje, a ciência vive uma dupla crise. A primeira vem justamente do negacionismo. A outra, por outro lado, vem de um aspecto mais elitista. “É uma crise em termos do próprio modo que se construiu, com esse saber extremamente centralizado, vertical, descolado da realidade. Temos, aí, dois desafios políticos e também epistemológicos”, diz.
orientações de mestrado concluídas
orientações de doutorado concluídas
supervisões de pós-doutorado concluídas
orientações de trabalho de conclusão de curso concluídas
orientações de iniciação científica concluídas
orientações de mestrado em andamento
orientações de doutorado em andamento
orientações de iniciação científica em andamento
participações em bancas de professor titular
participações em bancas de mestrado
participações em bancas de doutorado
participações em bancas de qualificação de doutorado
participações em bancas qualificação de mestrado
artigos completos publicados em periódicos
livros publicados/organizados ou edições
resumos publicados em anais de congressos
apresentações de trabalho
trabalhos completos publicados em anais de congressos
participações em bancas de trabalho de conclusão de curso de graduação
capítulos de livros publicados