O destino, Graciliano Ramos já escrevera em Vidas Secas (1938): “a catinga amarelecera, avermelhara-se, o gado principiara a emagrecer e horríveis visões de pesadelo tinham agitado o sono das pessoas”.

Mas nem sempre é fácil aceitar o destino – especialmente porque a vaca Rainha fora um presente. Seu Lourival da Silva Oliveira, 52 anos, ganhou o animal de uma senhora para quem prestava todo tipo de serviço da roça, no povoado de Morrinhos, no distrito de Jaguara, em Feira de Santana. Em dois anos, porém, a figura de Rainha mudou bastante: emagreceu e os pelos que, um dia, foram preto lustroso, já não têm mais o mesmo brilho.

Chico tentava ajudar, mas com um gesso e um braço fraturado prestes a passar por cirurgia após a queda de um cavalo, era sempre afastado pelos demais. No momento que caiu, estava indo trabalhar numa fazenda da região, onde cuida do gado.

Impossibilitado de trabalhar e de ajudar muito no resgate de Rainha, o agricultor encara o buraco com desgosto. “Tem três anos que (o declive) não enche (de água). A seca está braba. A gente alimenta o gado com mandacaru. Tem palma por aqui, mas mandacaru tem mais. Palma é mais (comum) para os mais graúdos (mais abastados)”, diz. No caso dele, o gado se resume a dois animais: Rainha e seu filhote, um bezerro nascido há poucas semanas.

  • Vaca Rainha

    A vaca Rainha ficou atolada por horas até ser resgatada pelo grupo de moradores de Morrinhos (Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO)
  • Vaca Rainha

    Na noite anterior, com sede, Rainha tinha tentado descer até o poço de lama para beber água. Ficou presa até o dia seguinte (Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO)
  • Vaca Rainha

    A vaca Rainha foi um presente. É uma das duas cabeças de gado de seu Lourival, que gosta de ser chamado de Chico (Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO)
  • Vaca Rainha

    O agricultor Lourival da Silva Oliveira, 52 anos, o Chico, é o dono de Rainha. Só soube que ela tinha atolado no dia seguinte (Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO)
  • Vaca Rainha

    O grupo de vizinhos e parentes levantou Rainha. Agora, pelo menos poderiam ficar tranquilos - até que a sede voltasse (Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO)

De longe, o bezerro mugia fraco. Estava procurando a mãe, era a opinião de Chico. Os urros do filhote, depois, deram lugar aos do grupo de homens e uma mulher que lutavam para puxar a vaca. A mulher, a lavradora Ana Rita Oliveira da Silva, 45, foi justamente quem deu a notícia de Rainha a Chico, que é primo de seu marido. “Me dói muito no coração. Quando cheguei aqui e vi essa vaca caída nesse tanque, eu fiquei desesperada. Eu não posso ver um sofrimento desse, não, porque dói”, explica Ana Rita, como se estivesse se desculpando por não segurar o choro, pouco antes de voltar ao buraco para ajudar os outros.

De volta à Rainha, primeiro alguns do grupo a seguram com força para levantá-la o suficiente para passar dois pedaços de pau por baixo do corpo do animal. Em seguida, todo o grupo sustenta essa madeira para carregar a Rainha. Até Chico se meteu entre eles, para ajudar, mesmo com a tipoia.

Alguns minutos depois, o esforço conjunto deixou Rainha de pé novamente. Já livre, a vaca dá os primeiros passos e solta a urina que parecia estar presa desde a noite anterior. Depois, continua andando, como se o drama não tivesse acontecido.

Só que aconteceu. As pernas sujas de lama até os joelhos de Ana Rita são a prova disso. Ainda emocionada, começa a desabafar, enquanto os homens se dispersam. “A mesma coisa que a gente é bicho. O bicho dormindo, comendo... nesse sofrimento. Não tem um pingo de água para o bicho beber, não tem comida. O dono com braço quebrado. E ainda tem muita gente que faz pouco de Deus”.

Mas, agora, Rainha está feliz – pelo menos, até que a sede bata de novo. Assim como Rainha, outros tantos bois e vacas do semi-árido baiano se esforçam para não aceitar o destino. Tal qual o dono – e os amigos – de Rainha lutaram para que ela tivesse mais um dia, outros sertanejos batalham diariamente que seus animais não se tornem ossadas.

Nem todos têm a mesma sorte.

Me dói muito no coração. Quando cheguei aqui e vi essa vaca caída nesse tanque, eu fiquei desesperada. Não posso ver um sofrimento desse

Ana Rita Oliveira da Silva, a lavradora que primeiro avistou a vaca atolada

Mandacaru “para tapear” a fome

Na estrada de terra que leva a Morrinhos, um dos que se recusa a aceitar o que a ingrata seca lhe impõe é o vaqueiro José Antônio Dias, 65. Ele trabalha diariamente, das 8h às 17h, para que o gado sobreviva. Debaixo de sol forte, passa o dia preparando a terra e cortando mandacaru. O cacto vai alimentar as 11 cabeças pelas quais é responsável. Nenhuma pertence a ele; todas são de uma senhora que tem uma propriedade na região e para quem trabalha há 10 anos.

Ele diz que, só nos últimos dias, alguns conhecidos perderam gado em pastos na região. José Antônio, por sua vez, ainda não teve a infelicidade. Quando viu que a coisa estava ficando feia, se adiantou: vendeu metade do rebanho em setembro.

Como Fabiano, de Vidas Secas, que não viu alternativa além de sacrificar a cachorra Baleia, que definhava de fome e sede, José Antônio fez um sacrifício. Restaram as 11 vacas de hoje.

Mas o vaqueiro não está tranquilo.

“Se não chover logo, umas bichinhas dessas aí vão cair de fome”, diz, sem parecer saber como lutar contra o destino. A única alternativa é tirar os espinhos do mandacaru com um facão. Cada animal come uns cinco ou seis pedaços da planta. Alguns têm máquinas que trituram o mandacaru, transformando numa espécie de ração. Não é o caso de José Antônio.

“O recurso é esse aqui. Quando a seca pega, o recurso de todo mundo é esse aqui. E não é para encher a barriga, não. É para tapear”, admite. Mas só serve para as mais velhas. As mais novas precisam ir atrás das folhas verdes – já não tão comuns – das árvores da região. Já a palma, outra velha salvadora dos sertanejos para alimentar os animais, não é tão usada por eles. “Muita gente tem plantio de palma. Mas a gente mesmo não tem. Ajuda muito, nesse tempo, o plantio de palma”.

José Antônio aprendeu a ser vaqueiro aos 15 anos. Há dez, trabalha com aquele gado. Conhece cada um dos animais por nome: Maneco, Prateada, Nova Branca... A mais velha, Ponta Fina, uma vaca de pelugem preta, já se encaminha para o décimo aniversário também. Basta chamar pelo nome, que todas respondem.

Se, por acaso, ele chegar de manhã no pasto e não for logo dar a comida, as bichinhas começam a segui-lo. Não arredam até que ele dê o mandacaru. Nem todas estão magrinhas – pelo menos duas estão mais rechonchudas porque estão prenhas. Podem parir a qualquer momento.

Mas ele acredita que o as coisas não são tão ruins quanto parecem. “Tem lugar pior. Aqui mesmo, perto do rio (Jacuípe), tem um rapaz aí, que ele tem tipo um riozinho, que passa no terreno dele... Só na beira do rio, disse que tinha três (vacas) mortas e duas dentro da água”.

10h

por dia José Antônio trabalha. Ele é vaqueiro há 50 anos

O vaqueiro mostra, então, as marcas do trabalho. Mostra que o sofrimento do animal também é o sofrimento dele. Duas semanas atrás, sofreu um corte numa das mãos, enquanto cortava o mandacaru. Estava sem as luvas. “O espinho bateu aqui e eu estava sem luva aí, quando eu levei o facão, ela veio deu uma arraiada e quebrou aqui. Aí eu cheguei e puxei. Tem que melhorar assim, trabalhando, né?”.

E, assim, o pai de sete filhos – três morando em Feira de Santana, dois em São Paulo (SP) – vai vivendo. “E aí a gente vai tapeando até Deus ajudar que melhore a situação, porque o negócio não está bonito, não”.

A gente vai tapeando até que melhore a situação, o negócio não está bonito

José Antônio, vaqueiro

Encontrar água para os animais é uma das maiores dificuldades na zona rural. Com sede e fome, muitos definham (Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO)

Sem ossadas, mas com sede

Graciliano Ramos soube definir bem o destino: o gado curtia sede e morria.

A imagem do gado morto não é tão comum quanto parece. Não é mais como se fôssemos encontrar carcaças e ossadas pela terra vermelha, ao andar pelas cidades afetadas. Em cinco anos de estiagem, a maior parte das mortes de animais aconteceu nos primeiros anos.

O problema é o saldo – e a herança. Desde 2011, um ano antes do início da seca, cerca de 1 milhão de cabeças de gado foram perdidas. Na aquela época, o rebanho estava em torno dos 10 milhões, de acordo com a Secretaria de Agricultura, Pecuária, Irrigação, Pesca e Aquicultura do Estado (Seagri). “Claro que tem abate, mortalidade, mas houve uma redução por conta do período prolongado (de seca)”, afirma o titular da pasta, Vitor Bonfim.

1mi

de cabeças de gado morreram entre 2011 e 2016

O que restou ainda hoje é composto por sobreviventes como Rainha e as vacas cuidadas por José Antônio – magras, abatidas e já curtindo sede, com medo de que passem para o estágio seguinte, como as outras. Elas são a herança e o medo do futuro.

O rebanho de caprinos (bodes e cabras) também diminuiu: passou de 2,7 milhões de cabeças em 2011 para 2,65 milhões em 2015, que são os dados mais atualizados da SDR. Já o número de ovinos (carneiros e ovelhas) aumentou: eram três milhões em 2011, enquanto hoje são 3,168 milhões.

O reflexo na economia é inevitável. Hoje, o Oeste da Bahia tem o boi gordo mais caro do Brasil. De acordo com a consultoria Scot, a cotação da arroba na primeira semana de janeiro fechou em R$ 161 para vendas a prazo – R$ 159 à vista. De acordo com o presidente do Sindicato da Indústria de Carnes e Derivados do Estado da Bahia (Sincar), Julio Cesar Melo de Farias, o boi fica mais caro no Oeste do estado porque, com a seca, o milho e a soja foram afetados, o que acabou encarecendo a engorda do gado.

Mas, de um modo geral, a seca faz o boi ficar mais barato. "Hoje, Salvador, que o mercado com maior consumo, junto com Feira de Santana, o preço está exatamente igual ao ano passado, em R$ 150 a arroba". A seca afeta o preço porque faz com que a oferta de animais à venda aumente. "Agora mesmo está seco e o produtor está desovando por causa de necessidade. Não chove, falta alimento e ele acaba vendendo o boi antes de ele engordar", diz Julio Cesar.

A esperança de que março chegue trazendo suas águas enche o produtor de expectativa. Mas, por enquanto, o preço continua o mesmo. De cinco anos para cá, a variação foi apenas de R$ 10 - em 2011, a arroba custava R$ 140 em Salvador. "Nesses cinco anos, o nosso rebanho caiu em torno de 10% e a venda da carne reduziu em torno de 30%", afirma o presidente do Sincar.

Mas, quando se trata da produção de leite, a redução foi pequena, na avaliação do chefe de gabinete da Secretaria de Desenvolvimento Rural (SDR), Jeandro Ribeiro: saiu de 1,181 milhão de litros em 2011 para 1,17 milhão. “Com as nossas ações a nível de estado, esses impactos são menores. A diferença (na produção leiteira) é pequena”.

Do total de leite produzido, cerca de 80% vem justamente da agricultura familiar – ou seja, de vaquinhas como Rainha, Prateada e Ponta Fina. Mas, apesar de a maior parte do gado encontrada pelo CORREIO ser alimentada com mandacaru, Ribeiro diz que há um grande esforço para a alimentação com palma. Só nos últimos três anos, quando eles intensificaram uma política de distribuição de palma para agricultores do semi-árido, a SDR repassou cerca de 12 milhões de raquetes de palma.

Ao contrário do mandacaru, que é mais comum, a palma costuma ser plantada justamente para alimentar o gado. Mas, em tempos de estiagem, muita gente acredita que não dá para limitar a um ou a outro. “Dou palha de licuri, sisal, mandacuru e palma. Não é meu, mas dá uma pena ver os bichinhos com fome. Água o meu patrão já comprou duas vezes para dar ao gado e agora estou vendo a hora de comprar outra vez, porque onde tem essa semana acaba”, conta o vaqueiro João Chaves dos Santos, 59, conhecido como seu Pote.

Morador da zona rural de Santa Teresinha, seu Pote diz que sente um aperto no coração quando vê os bichos com fome e não tem o que dar para comer e o que beber. A saída tem sido improvisar. “Não tem lugar na região nem para lavar um lençol. Nunca vi uma crise dessa”, diz o vaqueiro, que atua há 39 anos na profissão.

Todos os dias, ele sai de casa cedo para cuidar dos bichos. Olha no entorno da fazenda o local mais perto onde ainda resta resquícios de água e segue tocando uma boiada sedenta. Com quase quatro décadas de labuta diária com os animais, se apegou aos bichos. Vê-los com sede e com fome, deixa seu Pote desolado. “Outro dia, quando o caminhão pipa chegou com a água em minha casa, apareceu um cágado, coitadinho, que não dava 100 gramas, do lado da cisterna. Deu dó ver o bichinho com sede. Coloquei um pouco de água pra ele numa vasilha e o bichinho passou uns dez minutos tomando a água”, lembra.

12milhões

de raquetes de palma foram distribuídas pelo governo em três anos

Êxodo animal

Colega de labuta de seu Pote, o também vaqueiro Nivaldo Aragão Ribeiro, 41 anos, sabe bem como é viver em busca de água, em Santa Teresinha. Ele já viu seca das brabas, mas custa a lembrar da última que chegou nesta proporção. “As águas estão secando muito rápido, principalmente água para os animais, que começam a emagrecer e a gente tem que tirar de um lugar para botar em outro. Mais cedo, mesmo, fui perto de Santa Teresinha levar o gado porque está faltando água”, conta o vaqueiro, informando em seguida que chega a percorrer 15 quilômetros com o animal na estrada, em busca de capim.

Diante da crise da água, o presidente da Associação Comunitária Rural Lagoa Grande, Lagoa da Mata e Gavião, Edmilson Chaves, 35 anos, decidiu reduzir a criação de porcos. As baias dos chiqueiros estão quase vazias. É que mantê-los só a base de ração em tempos de recursos escassos ficou insustentável. “Para manter o bicho, tenho que dar ração. Cheguei a gastar R$ 400 reais por mês, hoje caiu porque estou criando menos. Não dava pra manter mais não”, lamentou o lavrador, que também cria ovelhas e aves e enfrenta o mesmo sufoco para manter os bichos vivos.

Até as abelhas, com seu corpo franzino, sentem a falta da água e isso reflete diretamente na sua produção de mel. “A abelha só faz mel quando tem chuva para dar flor, sem flor ela não tem mel”, diz o lavrador Derneval Gonçalves de Brito, 48 anos, que, para ajudar no sustento da família, nos últimos anos passou a criar abelhas para vender o mel. Mas 2016 de fato foi um ano de vacas magras e pouco mel. “Esse ano foi fraco. Já cheguei a 150 litros de mel, esse ano, com muita dificuldade cheguei em 110”, contou. Cada litro, ele vende no atacado por R$ 15.

Enquanto seu Pote, Luciano, Edmilson e Derneval continuam firmes e insistem no propósito de manter a criação de animais, outros já foram abatidos pelo desânimo e optaram por desistir. “Criávamos, mas com o tempo assim a gente desistiu. Acabei com tudo. O jeito foi se desfazer porque começou a morrer. A valência é que meu marido é aposentado e eu recebo R$ 154 do bolsa família, senão, não sei o que seriam de nós”, disse Marisa Teixeira dos Santos, 40 anos, sem esconder o semblante desanimado.

Aos 78 anos, a lavradora Laura Oliveira da Cunha não fugiu ao destino. O mesmo que Fabiano, de Graciliano Ramos, esperava para os meninos. "Indispensável os meninos entrarem no bom caminho, saberem cortar mandacaru para o gado, consertar cercas, amansar brabos", escreveu.

"Desde que eu nasci, meu pai tinha gado. E eu sempre trabalhei com gado, para o leite e para carne", conta a dona de um pedaço de terra próximo ao povoado de Aroeira, zona rural de Mairi, no Centro Norte da Bahia. Sem chuva, o gado é alimentado há anos com ração de mandacaru e palma. "Tá uma seca braba. Aqui é assim. Passa um dia, dá uma chuva, mas não continua", explica.

Há cinco anos, Mairi enfrenta a seca prolongada e a rotina de Laura não é muito diferente da de Sinha Vitória. "Quando chove, o gado come 30 dias, 60 dias, mas aí volta pro mandacaru. A gente corta e ele brota. Tira os espinhos, corta e da para o gado comer. Desde a primeira gestão de Lula (2003), a gente está dando mandacaru", lamenta.

A renda vinda do animal é quase nada. A água é muito pouca e não tem encanada, a não ser que se pague uma taxa especial por ela. Em dezembro de 2016, Laura pagou R$ 350 pela água - dinheiro que sai da aposentadoria rural, de R$ 880. No mais, o que se vende na cidade é a conta de pagar o trabalhador que alimenta as 40 cabeças de gado.

Para Laura, apesar da seca que assola a região há mais de cinco anos, há situações piores, inclusive em fazendas vizinhas. "A dois quilômetros daqui tem uma fazenda que nessa chuva que deu agora não deu nada. Tem não sei quantos anos que a gente planta e não dá nada", diz.

O rebanho de caprinos (bodes e cabras) diminuiu: passou de 2,7 milhões de cabeças em 2011 para 2,65 milhões em 2015(Foto: Arisson Marinho/CORREIO)

Rio que vira sertão

O drama dos animais diante da seca não é exclusividade dos bichos terrestres. Nem os órgãos estaduais, nem as entidades que representam pescadores e aquicultores têm dados oficiais, mas não há dúvida: a seca prolongada também afeta os peixes dos rios que cortam o semi-árido baiano – especialmente, o Rio São Francisco. A situação no Velho Chico é tão complicada que, em alguns trechos, dá até para caminhar no leito do rio.

“A seca, infelizmente, é uma realidade que nos deixa bastante apreensivos e que tem trazido transtornos muito grandes para os pescadores”, afirma o presidente da Federação dos Pescadores e Aquicultores do Estado da Bahia (Fepesba), Raimundo Costa.

Ele diz que 2016 foi ruim, mas 2015 foi o ano mais difícil para os rios e açudes. Para 2017, está pedindo proteção a Deus e ajuda a São Pedro. A cada dia que passa, é mais difícil para os pescadores encontrar algumas espécies “de água doce”. Começa a listar os peixes que estão desaparecendo: surubim, pirarucu, tambaqui, dourado, piranha, piau verdadeiro (cabeça gorda), traíra mandi...

Os dois primeiros, inclusive, são espécies originalmente do Rio Amazonas, mas foram introduzidas no Rio São Francisco e em açudes nordestinos. “Com a falta de água, eles já morrem e ainda tem a poluição ambiental. A vida do sertanejo é sofrida... Coitado. O pescador do litoral sofre bem menos. O sertanejo sofre dia sim, dia também”, lamenta.

O maior impacto foi nos pequenos reservatórios, na avaliação da Bahia Pesca, empresa estadual que busca desenvolver a piscicultura e a aquicultura. “Nos grandes, apesar de termos uma vazão bem reduzida, os projetos não foram afetados. Isso foi um grande avanço que tivemos e revela o compromisso do estado com as políticas de incentivo para criar o peixe e desenvolver essa alternativa”, afirma o gerente de operações do órgão, Antonio Laborda.

Uma das principais ações da empresa é a produção de alevinos – que são os peixes recém-nascidos. Eles são distribuídos gratuitamente para que os produtores possam criar os peixes dentro de suas propriedades rurais. Ou seja: ao invés de simplesmente pescar os peixes que naturalmente vivem nos rios, os produtores são incentivados a criar os peixes.

Hoje, oito estações de piscicultura distribuem os alevinos no estado – nas cidades de Boa Vista do Tupim, Cachoeira (na barragem de Pedra do Cavalo), Camaçari, Cipó, Itamaraju, Jequié, Paulo Afonso e Santana. “As de Boa Vista, Pedra do Cavalo, Paulo Afonso e Cipó tiveram problemas de captação de água por níveis baixos em pequenos reservatórios e isso prejudicou a nossa produção”. A região de Paulo Afonso responde por cerca de 80% do pescado do estado.

Mas foi devido à criação de alevinos, de acordo com Laborda, que a produção de pescado não caiu – até cresceu um pouco, no início, mas hoje está estagnada. Em 2011, foram produzidas 102 mil toneladas de pescado na Bahia. Já em 2015, que são os dados mais recentes, a produção chegou a 111 mil toneladas.

Para 2017, a Bahia Pesca pretende implementar um novo modelo: o sistema de produção em tanques para 100 famílias. Cada tanque terá uma rede que pode produzir até 700 quilos de pescado. “A seca não tem como evitar, mas conviver, saber tirar proveito dela e produzir o máximo com esse recurso que é tão importante para essas pessoas”, diz.

Pássaros da seca

Diante de tanto sofrimento dos animais, quem vive no semi-árido é contagiado pela tristeza. A lavradora Ana Rita Oliveira, lá de Morrinhos, é uma das que não consegue entender a razão de os bichos passarem por esse castigo. “Como vai deixar o bichinho morrer? O mesmo sofrimento que o bichinho passa a gente pode passar”, dizia, como quem procurasse uma resposta.

Sinhá Vitória, de Vidas Secas, tinha certeza de qual era o motivo para a morte dos animais na caatinga – eram os urubus. Ou melhor: as arribações. Bastava vê-las no céu, que sabia que era mau sinal. E elas bebiam a água que deveria ser do gado.

“Quando elas desciam do sertão, acabava-se tudo. O gado ia finar-se, até os espinhos secariam. Suspirou. Que havia de fazer?”, questionava Graciliano Ramos. Para os personagens, os pássaros são tão cruéis quanto a seca.

Acreditavam que não podiam dormir como gente e que seriam comidos pelas aves.

Sem esperança, aceitavam o destino.