A caatinga não ressuscitou, nem o gado voltou ao curral. Mas são muitos os Fabianos que continuam sendo os vaqueiros das fazendas mortas. Em Morrinhos, povoado que fica no distrito de Jaguara, na zona rural de Feira de Santana, as fazendas mortas escondem plantações perdidas e dinheiro investido que foi e não volta mais.

Se tinha uma coisa que não faltava na mesa da lavradora Maria Isabel Pereira, 65 anos, era o feijão. Junto com o milho, feijão é o que mais se planta na zona rural de Feira de Santana. Em Morrinhos, povoado que fica no distrito de Jaguara, é difícil encontrar alguém que não plante seu próprio feijão.

Só que não teve feijão esse ano. Nem na lavoura, nem no almoço. “Ano passado, foi melhorzinho. Esse ano, não teve nem para comer. A gente vendia feijão quando sobrava, esse ano teve que comprar da cidade e comprar caro”, conta.

A própria Maria Isabel plantou feijão, milho e abóbora. Não conseguiu nada esse ano. Não tem dúvidas: foi dinheiro jogado fora. Se não fosse a aposentadoria rural que recebe, não sabe de onde viria o sustento da casa, com um neto e dois filhos. A filha, Isabel Cristina, 28, que trabalha com a mãe na lavoura, endossa: o ano foi difícil para todos. “A gente praticamente jogou a semente no mato. (A gente estava) acostumado a pegar sacos de feijão, só pegou dois litros, três litros".

Elas nem sabem, ao certo, quanto gastaram – ou perderam.

Mas o vaqueiro José Antônio Dias, 65, já fez suas contas. Perdeu R$ 3 mil investidos na roça. Faz projeções do quanto teria ganhado, sem a seca. Com esse valor todo, colheria 60 sacas de feijão. Conseguiu apenas cinco. Não vendeu nada.

"Quando tem bastante, a gente vende para tirar as despesas. Mas não deu para vender, não, só para tirar o comestível mesmo. A família é grande". Mesmo assim, ele diz que ainda ficou satisfeito. Deu, pelo menos, para “quentar a água” dos meninos.

Milho, outro produto comum, não teve nem para comer assado na fogueira. Então, a renda dele vem do trabalho com o gado e da aposentadoria rural. “É uma luta”.

Movidos pela fé

As perdas constantes na lavoura poderiam ser suficientes para fazê-los desistir. No entanto, movidos pela fé, entra ano, sai ano e basta uma chuvinha boa para que eles sigam com as sementes em direção ao campo, torcendo para que, dessa vez, a plantação vingue.

Morador da zona rural de Santa Teresinha, no Centro Norte da Bahia, o vaqueiro João Chaves dos Santos, mais conhecido como Pote, 59, sabe bem que o futuro da plantação é incerto, mas ele não desiste. Já deu sorte, mas, ultimamente, ela não anda do seu lado.

“Há 11 anos, plantei isso aqui tudo de milho e feijão e acertei. Foi a única vez. A gente, lavrador da roça, tem que tentar para ver se acerta. Aqui era uma safra de castanha de caju que dava prazer, hoje só tem para passarinho”, diz, apontando em direção ao terreno.

Há 11 anos, plantei isso aqui tudo de milho e feijão e acertei. Foi a única vez. A gente, lavrador da roça, tem que tentar para ver se acerta

João Chaves dos Santos, vaqueiro

Quando vê a plantação verdinha começar a secar antes mesmo de dar frutos, seu Pote é tomado por uma tristeza sem fim. Mas a vida lhe ensinou que não pode baixar a cabeça. Aos poucos, ganha forças para continuar a lutar contra os infortúnios da seca. “Tem hora que me dá uma tristeza, tanta coisa que a gente tinha na roça e hoje a gente vai para a feira só para buscar, não leva nada para vender. Todo ano plantamos milho, feijão, aipim e batata. Lá no meu quintal, tem de tudo que você quiser, agora tá feio. Fazer o quê? É esperar a licença de Deus. Jesus dá o jeito. Tenho pena de olhar e ver tudo morrendo. Hoje tem que se apegar a Deus, senão morre de fome. E não é falta de experiência nem vontade para trabalhar”, diz.

Também moradora da zona rural de Santa Teresinha, no povoado de Ferrugem, Dona Maria Lita Regis de Brito, 46 anos, e o marido Derneval Gonçalves de Brito, 48 anos, são insistentes. Já perderam as contas de quantas vezes plantaram e não colheram, mas não perdem a esperança. Entre erros e acertos, vão sobrevivendo e ganhando resistência para os tempos mais difíceis. “O feijão, quando dá, eu engarrafo todo para durar. Quando estava caro, eu tinha aqui. A gente conseguiu tirar um feijão aqui por teima, mas não deu o bastante”, lembra.

Se chovesse, o quintal de Lita seria de uma fartura só. Ela e o marido plantam de tudo. Mas, nos últimos anos, o sol não tem tido clemência e eles perdem quase tudo. O pouco que sobra é para a alimentação da família. “Agora tá pior, os pés de laranja lá embaixo estão morrendo tudo, a abóbora queimou. Aqui, a gente planta mandioca e faz a farinha. Esse ano a roça da mandioca quase acabou por causa do sol. Mas tem que agradecer a Deus. A gente cria galinha, não vende o ovo e fica para comer em casa. A gente vai arrumando a vida”, ressalta, enquanto mostra tudo que plantou e não conseguiu colher.

A salvação, às vezes, é o Bolsa Família no valor de R$ 166, além das compras que a filha mais velha faz e leva para eles, todo mês, quando recebe o salário. No mais, vão se virando como podem. Lita faz peças de artesanato em palha e leva para vender na feira de Amargosa, o marido faz bicos, quando acha, e também cria abelhas para vender o mel. “Antes o povo criava 10, 12 filhos, hoje está difícil. Eu só tenho duas e minha filha, quando recebe no fim do mês, faz uma comprinha e me ajuda”, conta Lita. “A gente vai aprendendo a viver com o que tem, o tempo vai ensinando a gente, senão passa fome”, completa o marido.

O presidente da Associação Comunitária Rural Lagoa Grande, Lagoa da Mata e Gavião, Edmilson Chaves, 35 anos, explica que a seca vem afetando a vida de todos os agricultores da região. “Durante um bom tempo que a seca vem castigando, não tem chuva de verdade, não chove com trovoada. É muita dificuldade, a gente planta, mas não colhe. Tem o prazer em plantar quando vem aquela garoa, nasce, mas com 30 dias o sol castiga e não vinga. Estamos passando muito sufoco. Aqui em casa a gente recebe R$ 157 do Bolsa Família. Ajuda bastante. É uma ajuda que só Deus é quem sabe”, pondera.

R$166

é o Bolsa Família de Maria Lita. A maioria dos agricultores consegue sobreviver graças aos programas sociais

Prejuízo em casa e na economia

Só este ano, a Associação dos Trabalhadores da Agricultura na Bahia (Fetag) estima que 70% da produção da agricultura familiar do estado tenha sido perdida em função da estiagem. Isso representa um universo importante, já que cerca de 70% do que é consumido na mesa dos brasileiros vem da agricultura familiar, de acordo com o assessor técnico da entidade, Marcos Vanderley.

“Mas, apesar de colocar tantos alimentos na mesa, nossa produção da agricultura familiar ainda sofre muito com as questões climáticas. O agricultor está passando por um processo de adaptação para produzir. O governo recentemente incentivou o armazenamento de água em cisternas, mas o plantio que depende da chuva sofre muito com a falta dela”, reflete.

Em 2016, houve chuva em algumas regiões do estado, mas, na opinião dele, serviram de “paliativo”, porque não foram distribuídas igualmente, em todo o território. O próprio feijão que não prosperou não foi exclusividade de Morrinhos. Em todo o estado, a produção foi baixa – assim, nos mercados, o quilo do grão chegou a custar R$ 12. “Até regiões que, historicamente, nunca tiveram registro de seca, como a de Itapetinga, Ilhéus e Itabuna, decretaram estado de emergência”.

De fato, na agricultura familiar, o feijão foi o que mais sentiu o impacto no estado. Isso acontece porque, segundo o chefe de gabinete da Secretaria de Desenvolvimento Rural do Estado (SDR-BA), Jeandro Ribeiro, os produtos que são cultivados em períodos curtos são mais afetados pela seca do que os que demoram mais de um ano – o feijão, por exemplo, tem um ciclo de três meses, enquanto a mandioca tem de um ano e meio.

Só para comparar, em 2015, foram colhidas 414 mil toneladas de feijão em todo o estado. Já em 2016, a previsão é de 130 mil toneladas. “A chuva não veio quando deveria vir. Quando a gente compara os dados desse período de novembro e dezembro, vem a trovoada. Nesse ano (2016), não veio. Numa região como a de Irecê (no Centro-Norte), o volume de chuvas passou de 200 mm em dezembro de 2013. Em 2016, ficou abaixo de 50 mm no mesmo período. Essas culturas de ciclo curto são muito vulneráveis”, explica.

Na contramão, a produção de outras culturas cresceu, no mesmo período. O mel, por exemplo, que tinha 2 mil de toneladas por ano na Bahia, passou para 4,5 mil toneladas em 2015. “Os últimos três anos têm sido bastante duros, porque a estiagem se prolongou. Mas não tenha dúvida que, se não fossem as ações paliativas e estruturantes do governo do estado, certamente esse cenário seria pior”.

A agricultura familiar na Bahia é uma das maiores vítimas da seca. Segundo a Fetag, as estimativas são de perda de 70% da produção em 2016. Já a Secretaria de Desenvolvimento Rural do Estado afirma que as culturas de ciclo curto são as que mais sofrem (Foto: Arisson Marinho/CORREIO)

Agronegócio em baixa

O drama dos pequenos agricultores diante da seca se soma a um prejuízo de cifras milionárias, no caso do agronegócio. A expectativa é que o rombo chegue a R$ 9 bilhões, de acordo com estimativas da Secretaria de Agricultura, Pecuária, Irrigação, Pesca e Aquicultura do Estado (Seagri).

“Ainda não temos o balanço, mas, pelo cenário, a expectativa é que seja como em 2015, quando os prejuízos foram de R$ 8,9 bilhões”, diz o titular da pasta, Vitor Bonfim. Os números das exportações da Bahia ajudam a entender o tamanho do problema: em 2015, o estado exportou o equivalente a US$ 7,9 bilhões – desse total, pouco mais de 50% foi de produtos da agropecuária.

As perdas são de diferentes tipos: a soja perdeu quase 40% da safra, enquanto o milho e o algodão, que completam o trio de principais produtos do agronegócio no estado, reduziram a colheita entre 30% e 22%, respectivamente. O cacau produzido no Sul da Bahia também registrou perdas de 40% do que foi plantado. Para completar, a pecuária vem de um declínio constante. De 2010, quando a Bahia contava com cerca de dez milhões de cabeças de gado, para cá, o rebanho foi reduzido em aproximadamente um milhão de animais.

“Quase 70% do território da Bahia está no semi-árido, então, esses municípios estão habituados a conviver com a seca. Mas, dessa vez, outras regiões, como o Oeste e o extremo-Sul, foram fortemente atingidas em 2015 e 2016, trazendo impactos significativos. A produtividade foi bastante atingida, a safra foi bastante atingida”, afirma.

O caso do Extremo-Oeste é emblemático, porque a região representa boa parte do prejuízo. Os grandes produtores da região fazem coro aos resultados apresentados pelo secretário: para eles, essa é mesmo a pior seca dos últimos anos. Só no caso dos municípios de Baianópolis, Formosa do Rio Preto, Riachão das Neves, Barreiras, Luís Eduardo Magalhães, São Desidério, Correntina, Jaborandi e Cocos, a perda chega a R$ 1 bilhão, somente em 2016.

“Só que a gente sempre tem um superávit de R$ 2 bilhões, então, deixou-se de circular R$ 3 bilhões. Desde que se produz essas culturas aqui no Oeste, foi a pior seca em mais de 30 anos. Já vínhamos de quatro anos ruins e esse foi o pior”, diz o assessor de agronegócios da Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia (Aiba), Luiz Stahlke. A entidade tem cerca de 1,3 mil associados – a maioria com uma produção média de dois mil hectares.

R$9bi

é o prejuízo do agronegócio na Bahia em 2016, pela seca

R$1bi

é o prejuízo somente em nove cidades do Oeste

As culturas a que ele se refere são a soja, o milho e o algodão. Enquanto a soja e o algodão são exportados principalmente para a Ásia, o milho fica por aqui, na Bahia e no restante no Nordeste. Normalmente, a colheita de todos chega a sete milhões de toneladas. Esse ano, só conseguiram colher 4,5 milhões – o pior resultado foi da soja, que passou das cinco milhões de toneladas esperadas para três.

Além disso, ele calcula os prejuízos individuais. Apenas nesses nove municípios, são mais de 20 mil empregos diretos ligados à agricultura, além das famílias de cada trabalhador rural. “Alguns tiveram dificuldade de honrar com as contas, com os compromissos. Por isso, essa questão da renegociação, porque todos os funcionários dependem dessa agricultura”.

A renegociação das dívidas é um dos benefícios que um município passa a ter, após ter a declaração de situação de emergência por seca ou estiagem decretada pelos governos estadual e federal. É com isso que os produtores podem tentar financiamentos para a safra seguinte.

O pior é que não vai dar para recuperar o que foi perdido em 2016 tão facilmente. Mesmo que 2017 tenha uma safra excelente, não vai ser suficiente. Stahlke estima que sejam necessários de três a quatro anos para voltar aos bons tempos. No Oeste, 90% da soja já foi plantada, assim como 85% do milho. O algodão, que só deve ser colhido em agosto, ainda está com 14% de plantio concluído.

O secretário Vitor Bonfim, por sua vez, tenta ser mais otimista – o governo do estado acredita que a recuperação venha em duas safras regulares. “Se as commodities se mantiverem nesse patamar elevado que estão hoje, com preços bons para o produtor, a gente estima que o setor se recupere”, explica.

A gente sempre tem um superávit de R$ 2 bilhões, então, deixou-se de circular R$ 3 bilhões. Já vínhamos de quatro anos ruins e esse foi o pior

Luiz Stahlke, assessor de agronegócios da Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia

Outra forma de sobreviver

Distante em espaço e longe da realidade dos grandes produtores, seu Sizino José Ribeiro, 61, é um autêntico representante da vida em Condeúba, no Centro-Sul do estado – que é o município que tem o maior percentual da população (100%, segundo a Defesa Civil do Estado da Bahia) afetada pela seca.

Foram quase dois anos sem chover: o intervalo foi de janeiro de 2015 até dezembro de 2016. Lá, a caatinga estende-se, de um vermelho indeciso salpicado de manchas brancas que eram ossadas.

Sem chuva, a agricultura – basicamente, feijão, arroz e mandioca – não prospera. O que é cultivado sequer dá para a subsistência. Assim como em muitas das cidades do interior baiano, a maior parte dos moradores vive de programas sociais como o Bolsa Família, Plano Safra e aposentadoria rural. O restante – cerca de mil dos 18 mil habitantes – trabalha na administração municipal.

Seu Sizino plantava os três principais produtos da cidade, até começar a perder tudo. Foi assim que aprendeu a ganhar a vida, ainda aos 13 anos, na roça com o pai. “Estamos perdendo praticamente tudo. Na região, não se acha mais nada para plantar”, diz ele, que vive com dois filhos – um menino de 23 e uma menina de 19.

O filho é mais um dos que deve deixar a cidade a qualquer momento. Sem conseguir nada na lavoura, trabalhava em um posto de gasolina até perder o emprego recentemente. O jovem pensa em ir para São Paulo, como muitos dos filhos da terra, mas o pai é contra. Diz que quer o filho com ele e quer tentar um emprego na prefeitura para ter o menino por perto.

Desde outubro do ano passado, Sizino recebe R$ 880 da aposentadoria rural. Com parte do dinheiro, compra rapadura e sal e revende em uma banquinha na feira. “Nós tivemos que partir para procurar outra maneira de sobreviver. Cada um se vira como pode, faz um bico, trabalha um dia para alguém. É muito difícil ver tudo isso. Chegar no final da história e ver que não conseguiu (viver com) a lavoura”, diz, tão resignado quanto o Fabiano de Graciliano Ramos.

O êxodo rural, tão comum nos anos 1980 e 1990, voltou a ser realidade em Morrinhos, na zona rural de Feira de Santana (Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO)

Êxodo rural

Para os jovens, como o filho de seu Sizino, a outra face da seca significa ter que ir embora, deixar a própria terra. O êxodo rural de que tanto se falava nas décadas de 1970 a 1990, voltou de forma dramática.

Os últimos dados oficiais sobre o êxodo rural na Bahia são de 2010, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Entre 2000 e 2010, a população que vivia em áreas rurais diminuiu 9% - mais do que a média brasileira, que é de 6,3%. Mas, apesar da falta de estatísticas recentes, o depoimento de gestores de outras cidades afetadas pela seca confirma o problema.

9%

foi a redução da população rural na Bahia entre 2000 e 2010

6%

foi a redução da população rural no Brasil entre 2000 e 2010

Na própria Condeúba, o secretário de Administração e Planejamento de Condeúba, Décio Pereira, diz que não existem alternativas. “Somos uma cidade que vive sem condições financeiras para manter seu povo aqui. Com 18, 19 anos, todo mundo vai embora, porque não tem condições de tocar a roça e os empregos são escassos”, diz.

E não é só seu Sizino que tenta um trabalho na prefeitura para o filho: o secretário diz ter 480 pedidos de empregos arquivados – todos de pessoas da zona rural que estão preferindo ir para a cidade e voltar diariamente, só para trabalhar, do que tentar plantar e não ter colheita.

No Vale do São Francisco, os gestores de Paratinga, a quarta cidade com maior percentual de população afetada no estado – perde para Condeúba (no Centro-Sul), Santa Teresinha (Centro-Norte) e Caém (Centro-Norte) e também figura entre as que amargam a seca prolongada há pelo menos cinco anos – engrossam o coro.

Dez anos atrás, a cidade produzia feijão de corda, mandioca, farinha e milho, com a agricultura familiar. Mas, com 2/3 dos moradores vivendo na zona rural, a produção passou a ser, segundo o prefeito Zequinha Dourado, praticamente zero. O destino de quem se aventura na lavoura agora já é sabido: vai plantar e perder tudo.

A prefeitura também é quem mais emprega na cidade e a renda da maior parte das pessoas só consegue se sustentar graças aos benefícios sociais. Sem perspectiva, é comum que os jovens deixem a cidade, depois que completam 18 anos. Embora não tenha dados oficiais, o prefeito estima que 80% dos jovens saiam de Paratinga nessa faixa etária. “É difícil ver um jovem de 16, 18 anos trabalhando na roça com esperança. Eles vão procurar cidade grande, em Minas Gerais, São Paulo. Muita gente vai para o corte de cana, vai catar feijão...”.

Ao andar pelas ruas de Campo Alegre, na zona rural de Santa Teresinha, num final de manhã de um dia de semana, dá a sensação de estar circulando por uma cidade fantasma. Muitas casas fechadas e quase não se vê pessoas circulando por lá. “Ali na outra rua mesmo, muita gente já foi embora. Aqui o pessoal quase todo vai para São Paulo ou Salvador. Tem muita gente também que vai para Amargosa. Tem um bairro que a população é toda daqui”, conta o lavrador Reinaldo dos Santos Oliveira, 35 anos.

É o mesmo drama de dona Damiana Maria de Jesus, 76. Ela é mais uma das que está assistindo a família ir embora da zona rural de Feira de Santana. Em Morrinhos, os filhos não quiseram ficar. Preferiram ir para a própria Feira ou para a capital Salvador. A maioria só volta ao povoado para visitá-la.

Os netos que continuam podem ir embora a qualquer momento. Sem lavoura, não encontram emprego na região. “Estão todos parados. Não tem trabalho para ninguém trabalhar. Está tudo difícil", conta. A neta mais nova, de 13 anos, é a única que vive com ela, mas não é a única que precisa de sua ajuda.

Vez ou outra, tira um pouco de sua aposentadoria rural para ajudar a família. "Tem um filho meu que passou aqui nestante, que tem uma casa cheio de filhos, está muito difícil pra ele trabalhar, e quando tem alguma coisa eu dou, e vai levando até Deus dar um jeito".

Enquanto Deus não dá jeito, o sertão continua a mandar gente para uma terra desconhecida e civilizada, para ficar presos nela. Como escreveu Graciliano Ramos, “o sertão mandaria para a cidade homens fortes, brutos, como Fabiano, Sinhá Vitória e os dois meninos”.