Vez ou outra, a pergunta volta à mente: “Seria necessário mudar-se? Apesar de saber perfeitamente que era necessário, agarrou-se a esperanças frágeis. Talvez a seca não viesse, talvez chovesse”, tentava acreditar Fabiano, em Vidas Secas (1938).
Eles não querem se mudar. Há até quem o faça, se decidir que é a última alternativa – mas, mesmo esses preferiam ficar. Frágil ou não, a esperança pode ser a única coisa que resta ao sertanejo.
Assim como o mandacaru, que em meio ao sol inclemente, permanece resistente e até dá flores e frutos, o homem da seca parece estar tão habituado aos reveses da vida no sertão, que lhe parece nata a capacidade de se reinventar – e surgir mais forte diante de cada capítulo dessa longa história.
Em vez de lamentos, preferem acreditar que dias melhores virão. “Se sair daqui para outro lugar, pode estar pior. Aqui ou se vira, ou se vira. A gente tem que ir lutando devagarzinho, com o que Deus dá”, diz o lavrador Derneval Gonçalves de Brito, 48 anos, que vive no povoado de Ferrugem, na zona rural de Santa Teresinha, no Centro-Norte da Bahia.
Do jeito dele, Denerval é feliz. Vive numa pequena casa de dois quartos com uma mulher e uma filha pequena. Não tem fartura, mas, com sacrifício, a família garante o básico e vai vivendo. “Sou feliz assim, a gente acha que aqui está ruim, mas lá na frente tem gente pior. Porque, por nada, as coisas da roça, a gente tem, porque a gente guardou”, reconhece a mulher dele, Maria Lita Regis de Brito, 46, referindo-se a mantimentos como feijão e farinha.
Eles não têm medo de lutar e sabem que perder e ganhar faz parte do jogo. Podem plantar e colher ou ver tudo se perder. Vão continuar tentando. Mas eles não se lamentam. Mais adequado, talvez, seria dizer que se resignam. Afinal, se Deus quis assim, por que contrariá-lo?
“Há uns anos atrás era uma região boa, que chovia. Depois virou sertão. Mas também desmataram muita coisa. Tem que ser insistente. A gente vai levando a vida do jeito que Deus quer”, diz Maria Lita. Ao lado, o marido completa: É aquele ditado. Diz que a pessoa se vale do que tem, né?
de seca em Santa Teresinha
é a média de previsão de temperatura para janeiro em Santa Teresinha
Daqui para o cemitério
Santa Teresinha fica a pouco mais de 100 quilômetros de Feira de Santana – ambas no Centro-Norte do estado. Denerval e Maria Lita nunca encontraram dona Maria Izabel Pereira, 65, que vive em Morrinhos, povoado na zona rural de Feira; provavelmente, sequer fazem ideia de sua existência. Mas o casal e a lavradora aposentada têm muito em comum.
“É daqui para o cemitério. Eu não penso em sair daqui não" , responde, sem titubear, quando perguntada se pensa em sair de Morrinhos, tão castigado pela seca prolongada quanto o povoado de Ferrugem, na outra cidade. Ela ri, mas depois volta a ficar séria. É verdade: quer morrer ali, onde vive há 32 anos.
Aqui não tem os fatos que acontecem em Feira. Tem uns que vem bagunçar, mas é tranquilo
Antes, vivia na região da Fazenda Malhador, outra localidade do distrito de Jaguara, onde fica Morrinhos. Mas, desde que se mudou com a família para o povoado, não volta ao lugar onde nasceu. Lá está pior, inclusive. Na semana anterior ao dia da visita do CORREIO, em meados de dezembro, Maria Izabel tinha ido à fazenda. Diz que lá tem ainda menos água.
Por essas e outras coisas, não acredita em melhora – seja lá qual for o lugar para onde vá. Na casa dela, ainda são pelo menos duas gerações em Morrinhos, que não pretendem sair dali. A filha, a lavradora Isabel Cristina, 28, diz que não vê outro destino. Prefere viver diante da estiagem do que conviver com os problemas – especialmente, a violência – das cidades maiores.
“Aqui não tem os fatos que acontecem em Feira. É tranquilo. Tem uns de fora que chegam para bagunçar, mas é tranquilo”, diz. As situações mais preocupantes de Morrinhos são quando os “de fora” começam a “bagunçar”, andando de moto sem se preocupar muito com as crianças e idosos que andam pelas ruas. De vez em quando, até os de casa começam a bagunçar também.
Assim, a seca não as assusta mais. Maria Izabel, a mãe, diz que já perdeu a conta de quantos meses não via chuva em Morrinhos. Arriscou cinco meses, mas foi logo corrigida pela filha. Faz bem mais que isso – outros moradores ouvidos pelo CORREIO disseram que fazia quase um ano.
Maria Izabel perdeu tudo que plantou, no ano passado. Feijão, milho e abóbora não prosperaram. Mesmo assim, já se prepara para a safra de 2017. “Esse ano, a gente vai plantar em outro pasto. (Ano passado) plantou e não nasceu nada. Tem que trabalhar” , afirma, decidida.
Enquanto isso, ela espera ajuda divina. “Estou esperando Deus mandar a chuva, mandar a chuva para nós fazer outra roça".
Dias de sol e misericórdia
Mas eles sabem que, para ter os dias de chuva, precisam viver os dias de sol. Assim vão seguindo na certeza de há um Deus lá em cima olhando por eles. Ele há de ter misericórdia e dias melhores estão por vir.
E é encontrando alegria nas pequenas coisas que os guerreiros da seca vão tendo motivação para seguir adiante. O presidente da Associação Comunitária Rural Lagoa Grande, Lagoa da Mata e Gavião, Edmilson Chaves, 35, por exemplo, sabe que a vida no campo não tem sido fácil, mas sequer cogita sair.
“Tem uns indo para a cidade e outros apaixonados como a gente, que mesmo sofrendo não pensam em sair. A gente tem aquela expectativa de um dia melhorar. A gente não trabalha com carteira assinada, é vendendo uma galinha, um porco e é uma vida prazerosa”, conta. Ele se gaba ainda de ter de tudo no seu quintal e só ter comido ovo de granja uma vez na vida. “Não acostumo não, o sabor é outro. Como o ovo da galinha do meu quintal, ali sim”, diz, referindo-se à galinha caipira.
Para ele, luxo mesmo é ter água em abundância. Riqueza maior do que essa não há. “Água é vida, é um bem muito valorizado. Vamos levando a vida como Deus quer, até Deus mandar misericórdia”, completa.
Até o comércio fica parado. Dono de um bar sem nome no centro de Campo Alegre, povoado na zona rural de Santa Teresinha, o comerciante Antônio Jorge Souza, 71, diz que o negócio tem diminuído. Se antes comprava 20 caixas de cerveja para durar quinze dias, hoje trabalha com cinco – e ainda tem chance de que a bebida sobre, ao final das duas semanas.
“O negócio enfraqueceu demais. Ninguém sabe se é falta de dinheiro ou disposição do povo. Mas não pensei em fechar ainda porque sou aposentado, então, o bar acaba sendo uma distração. Qualquer RS1, R$2 que ganho no caramelo já ajuda”.
O vaqueiro José Antônio Dias, 65, também apela para os céus. Em Morrinhos, todos os dias, alimenta as 11 cabeças de gado que toma conta com mandacaru. São as sobreviventes; em setembro, ele se desfez de metade do rebanho, com medo de que morressem por fome e sede. Hoje, olha para as que ainda continuam com algum tipo de orgulho. “Até que o gado está bonitinho, gordinho, não é?”.
Mas ele mesmo explica o motivo: duas das vacas estão prenhas. Provavelmente, vão parir ainda em janeiro. “É o tempo de a trovoada bater”, afirma, esperançoso. Os filhos todos seguiram por outros ramos. Dos sete, três moram no centro de Feira de Santana, dois vivem em São Paulo (SP). Nenhum quis seguir o ramo do pai, que é vaqueiro desde os 15 anos.
Ele não se abala. Parece que nada lhe tira o sorriso do rosto.
Tem uns indo para a cidade e outros apaixonados como a gente, que mesmo sofrendo não pensam em sair. A gente tem expectativa de um dia melhorar
O lavrador Edmilson Chaves, 35, por exemplo, reconhece que a vida em Santa Teresinha não é fácil, mas não cogita deixar a cidade (Foto: Arisson Marinho/CORREIO)
Seca que só avança
Ao longo dos últimos anos, a faixa de vegetação atingida pela seca no semiárido brasileiro foi ficando maior. Imagens coletadas por satélite pelo Laboratório de Análise e Processamento de Imagens e Satélites (Lapis), da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), mostram a variação nos meses de março de 2011 até 2016 e o que fica evidente é que, além de uma porção maior ter sido afetada, as novas áreas vão cada vez mais se aproximando do litoral, onde o clima é mais úmido. É quase um sertão virando mar, como cantam Sá e Guarabyra, em Sobradinho.
Nos meses de novembro e dezembro do ano passado, a parte de vegetação considerada “muito seca” já atingia praticamente todo o estado do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, a porção leste do Piauí e o Norte da Bahia, passando pelos municípios banhados pelo Rio São Francisco e afetando, também, o Oeste e Extremo Oeste do estado.
Mas com tantos anos de seca, que tanto castiga o povo sertanejo, por que o poder público não consegue criar mecanismos para abrandar o problema? Fabiano e Sinhá Vitória, resignados, pediam paciência. “Governo, coisa distante e perfeita, não podia errar”, pensava Fabiano, nas palavras de Graciliano Ramos, em 1938. Para o professor Humberto Barbosa, Ph.D. em Ciência do Solo e Sensoriamento Remoto pela Universidade de Arizona (EUA) e coordenador do Lapis, da Ufal, a falta de ação por parte dos governantes, muitas vezes, está diretamente ligada à falta de informação.
“O monitoramento da seca é muito complexo e não existe uma metodologia muito clara, ainda hoje, para definir o início de uma seca e a duração dela. Às vezes, os municípios esbarram nessa falta de informações básicas, as agências federais têm dificuldade de atender a esse público e como cada região tem uma demanda, é difícil atender isso a nível regional”, explica Barbosa.
Para tentar auxiliar na coleta de informações é que o Laboratório coordenado pelo professor Humberto Barbosa vem trabalhando desde o ano passado, juntamente com o Instituto Nacional do Semiárido (Insa), numa ferramenta chamada SOS Brasil. Lá, os gestores de cada município poderão acessar informações socioeconômicas de suas cidades sobre chuva, produção agropecuária, vegetação atingida pela seca com detalhamento diário. A ferramenta deverá estar disponível gratuitamente entre os meses de fevereiro e março deste ano.
“A gente não tem financiamento para isso, mas corre para que essas informações possam chegar aos municípios. Não vai resolver todo o problema da seca, mas é uma ferramenta que ajuda o gestor a entender como ele deve recorrer, qual o percurso que deve fazer para identificar qual a gravidade do problema do município”, aponta o pesquisador.
Quem não vive a seca pode se perguntar como a vegetação ajuda a entender a gravidade do problema. Mas a caatinga, tipo de vegetação predominante no semiárido brasileiro, tem uma peculiaridade. “O mapa nos ajuda porque existe na caatinga uma resposta muito clara: se chovem 20mm ou 30mm, o suficiente para ter um pouco de umidade no solo, a caatinga tem uma resposta muito rápida e o satélite consegue mapear essas áreas através de uma resposta muito simples”, diz Barbosa.
E é justamente através do comportamento da vegetação, acompanhada diariamente via satélite, que se consegue chegar próximo de uma resposta sobre quando a seca começa, qual a duração e a intensidade dela. É a partir daí que se planeja como conviver com a falta de chuvas.
A gente não tem financiamento para isso, mas corre para que essas informações possam chegar aos municípios. Não vai resolver todo o problema da seca, mas é uma ferramenta que ajuda o gestor a entender como ele deve recorrer, qual o percurso que deve fazer para identificar qual a gravidade do problema do município
Para o ambientalista Luiz Dourado, integrante do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), aprender a conviver com a seca e a estiagem é fundamental. “Sempre se pensou, no governo militar principalmente, na ideia equivocada de que se combatia a seca. Não se combate, se convive com seca. A savana siberiana tem o seu equivalente à nossa seca aqui do Nordeste e lá não se combate, como aqui também não deveria fazer. O que se deve fazer é tomar ações preventivas, precaucionais”, aponta.
O ambientalista acredita que, quando pensa nas bacias hidrográficas somente como fonte de água e alimentação humana e animal, o homem acaba favorecendo impactos cada vez mais intensos. “A água tem a sua função de manutenção dos ecossistemas. Nós estamos vivendo umas das maiores secas que nós já vivenciamos nesses 100 anos, porque ela se prolongou por anos e o rio, impactado, está sofrendo a falta de água. Por isso, a grande importância de se fazer obras estruturais para dar assistência às comunidades ribeirinhas, que não têm equipamentos para alcançar aquela água, que morrem de sede”, diz Dourado.
Convivência, não combate
O superintendente de Proteção e Defesa Civil da Bahia, Rodrigo Mousinho, afirma que, nos últimos anos, medidas foram adotadas justamente na tentativa de fazer com que as pessoas possam conviver com a seca. “A gente não fala em combate à seca, mas convivência com a seca, porque é um fenômeno que existe e temos que ter melhores maneiras de conviver com ela. Conseguimos recuperar um recurso e fizemos cisternas em mais de 100 localidades, já executamos 80,90% do recurso junto com isso. E a própria Cerb (Companhia de Engenharia Hídrica e Saneamento da Bahia) fez muitos outros sistemas de água e poços artesianos”, diz.
Outra estratégia utilizada pela Defesa Civil do Estado é ajudar os municípios a criarem suas próprias defesas civis – são esses órgãos que solicitam ao governo federal ajuda para decretar situação de emergência por seca ou estiagem e também no caso oposto, quando chove demais.
Até o ano passado, o governo federal homologava os pedidos de ajuda por situação de emergência somente com as informações passadas pela Defesa Civil da Bahia. Agora, é preciso que os municípios preencham um formulário com suas próprias informações. “Diretamente da Defesa Civil Nacional, você tem o carro-pipa, caminhão-pipa do Exército, que só pode operar em lugares que o governo federal reconhece (a situação de emergência)”, explica Mousinho.
Mas, para ele, o grande desafio para este ano é conseguir regulamentar a chamada Lei do Semiárido. O projeto foi enviado pela Secretaria da Casa Civil da Bahia em 2015 e aprovado na Assembleia Legislativa em agosto do ano passado. A proposta é priorizar a aplicação de recursos para o semiárido, buscando garantir acesso à água e à terra. “Comunidades onde tem gente morando têm que ter água limpa de alguma forma para as pessoas. É chegar água onde tem que chegar”, pontua.
A gente não fala em combate à seca, mas convivência com a seca, porque é um fenômeno que existe e temos que ter melhores maneiras de conviver com ela
A Secretaria de Infraestrutura Hídrica e Saneamento (Sihs) da Bahia também disse possuir ações de convivência com a seca. A maior parte delas envolve ampliar o abastecimento de água para cidades afetadas pela falta de chuva. No final de dezembro de 2016, foi assinada a ordem de serviço para a implantação do sistema de fusegate na barragem de Ponto Novo, o que deve beneficiar 150 mil moradores de nove municípios.
“O sistema fusegate, sem dúvida, dará segurança hídrica na região de Ponto Novo, levando em conta que resultará em uma maior oferta de abastecimento de água para consumo humano, bem para as áreas irrigadas”, frisou o secretário Cássio Peixoto, explicando que trata-se de um equipamento formado por elementos independentes de concreto e aço, que elevam a altura do vertedouro e são projetados para ativar-se caso haja eventos de cheias extremas. A previsão para implantação é de 13 meses.
No início de dezembro, o Ministério da Integração liberou R$ 5 milhões para a primeira etapa de construção da barragem de Baraúnas, que tem como principal finalidade o abastecimento de água para as populações das sedes municipais de Seabra, Boninal, Mucugê, Palmeiras e parte do município de Piatã, contemplando, também, 180 hectares de irrigação, além da regularização da vazão do Rio Cochó.
localidades receberam cisternas do governo
O muro pintado em Santa Teresinha reflete a crença da maior parte da população: os moradores esperam ajuda divina para conviver com a seca (Foto: Arisson Marinho/CORREIO)
O mundo é aqui
“A seca aparecia-lhe como um fato necessário - e a obstinação da criança irritava-o”, pensava Fabiano, em Vidas Secas. A recusa de um dos filhos – o mais velho – de andar representava, para ele, uma tentativa de negar sua sina. Tentativa inútil, Fabiano não tinha dúvidas.
Conhecido como Seu Pote, o vaqueiro João Chaves dos Santos, 59, certamente aceitou o que a vida lhe impôs. Começou ‘na enxada’, aos 5 anos de idade, ensinado pelo pai. Esse, inclusive, morreu com 112 anos, tendo criado os filhos todos graças à lavoura. A Seu Pote, a estiagem parece não assustar mais. “Quem fez essa seca foram os homens. Ele dizia que no ano 2000 o mundo ia acabar e acabou mesmo”, Seu Pote.
Mas o futuro próximo pode ser mais animador. De acordo com dados do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CTPEC/INPE), há previsão de chuva entre hoje e a próxima segunda-feira (16) para 61% das cidades baianas que terminaram 2016 em situação de emergência por seca ou estiagem.
Das 77 cidades em emergência, 47 aguardam que o céu mande um pouco d’água pelo menos um dia dos próximos seis. Para essas cidades, o CPTEC aponta pelo menos 50% de chance de que a chuva caia. Quem melhor pode se encher de esperança são os moradores de Angical, Barreiras, Buritirama, Formosa do Rio Preto, Riachão das Neves, Santa Rita de Cássia e São Desidério, onde há projeção de chuva em cinco dias a partir de hoje.
No entanto, a previsão não traz notícias tão boas para moradores de 30 municípios que fecharam 2016 em situação de emergência. Nestas, existe uma possibilidade pequena de chuva – 5%. No grupo das 30 cidades nessa situação, dez estão na seca prolongada por, pelo menos, cinco anos.
Moradores de Canudos, Capim Grosso, Ipirá, Mairi, Manoel Vitorino, Maracás, Marcionílio Souza, Poções, Ruy Barbosa e Vitória da Conquista provavelmente terão que esperar um pouco mais pela ajuda dos céus. Quem vive em Morrinhos, na zona rural de Feira de Santana, em Campo Alegre e Ferrugem, povoados de Santa Teresinha, também precisarão de um pouco mais de paciência.
Mesmo assim, a semana já pode trazer esperança para quem vive na beira do Rio São Francisco: há previsão de chuva por lá, o que inclui Muquém de São Francisco – cidade que tem povoados abastecidos há pelo menos oito anos com carros-pipa – e Paratinga. No sul do estado, as boas notícias também podem chegar a Condeúba, com 100% da população afetada pela seca, e a Belo Campo, cidade em racionamento desde maio.
Embora a previsão não seja boa para Morrinhos, a lavradora Ana Rita Oliveira, 45, também diz que não tem medo. Enquanto puder andar e trabalhar, garante que nada é capaz de lhe parar. “A minha vida é aqui, minha vida é essa. Eu não tenho outra formação. A minha felicidade agradeço a Deus e à minha bolsa escola. Se não fosse minha Bolsa Escola, também passaria fome, porque o marido não tem condição, não é? Com tantos filhos. Então, agradeço muito a Jesus”.
A Bolsa Escola a que ela se referia, na verdade, era o Bolsa Família – um dos programas sociais do governo federal que, no sertão, salva muita gente. Mas Ana Rita está preocupada. Em 2017, o filho mais novo completará 18 anos e, assim, vai deixar de receber o benefício. Pela idade, nem ela, nem o marido, que tem 47 anos, recebem aposentadoria rural ainda. “Mas, com fé em Deus, quando chegar a idade, Deus vai abençoar”, afirma, esperançosa.
Enquanto isso, o jeito é conviver com a seca e com a fome. "Quando vem o verão, se não tiver roça, passa tudo fome. Ô, meu filho, que que eu vou fazer? Pegar com Deus e Jesus, né? Mal da gente se não fosse Deus, mal da gente se não fosse a roça".
Mas, como sabiamente anuncia seu Derneval: “Dizem que o sol é morador e a chuva é passageira. Então a chuva chega e passa e o sol permanece”. E, a cada dia, esse povo vai aprendendo a viver em harmonia com mais sol e menos chuva.
A vida, para eles, é sempre isso aí. O mundo é grande, mas, para eles, é bem pequeno.