Os lavradores prepararam a terra, compraram as sementes e esperaram que a tão aguardada chuva chegasse. Ontem, dia 19 de março - Dia de São José - era o dia. Como reza a tradição, se planta em São José para colher em São João. Mas neste ano não foi assim. Em Morrinhos, zona rural de Feira de Santana, algumas nuvens mantinham viva a esperança de que a água cairia a qualquer momento, mas o dia foi avançando, as nuvens se dissiparam e o sol queimava cada vez mais forte. Queimava com ele um pouco da esperança de 3,2 milhões de baianos atingidos pela seca no estado. Mais da metade dos municípios da Bahia já declarou situação de emergência e 21 deles vivem racionamento de água.
O CORREIO voltou a Morrinhos três meses depois de ouvir a população para a série Vozes da Seca, publicada de 9 a 11 de janeiro e encontrou uma situação ainda mais crítica. A vegetação secou por inteiro. Até o resistente mandacaru dá sinais de fraqueza. As aguadas e açudes esvaziaram, tornando água um bem escasso. Mas os guerreiros da seca persistem na luta diária para garantir a sua sobrevivência e a do rebanho. Anteontem veio um lampejo de esperança. Trovejou e relampejou, mas não choveu.
Nessa luta de todos os dias, às vezes há baixas no rebanho. “Essa vaca morreu ontem à noite. Ali tem outra que caiu de fraqueza perto de parir e não levantou mais. Pariu no chão. Já tem três meses e ela não consegue ficar em pé ainda. Esse vizinho já perdeu umas dez cabeças nos últimos meses”, contou o vaqueiro José Antônio de Jesus, 65 anos, enquanto mostrava o animal.
Ele foi um dos que prepararam a terra para esperar a chuva de São José. “Todo dia a gente pede a Deus que mande o bom tempo para melhorar a nossa situação. Deu uma chuva fininha há 15 dias, mas nem molhou a terra. Nossa esperança é que essas nuvens se juntem e Deus mande o bom tempo. O verdadeiro é Deus, mas a gente se apega muito a São José, pra ele mandar chuva”, disse o vaqueiro.
Esperança
A chuva era esperada para dezembro. Março chegou e nada dela. A esperança vai minando, mas, enquanto isso, as pessoas rezam, fazem promessas e até tiraram a imagem de São José da capela, na Praça de Morrinhos, no dia 11 deste mês, e a levaram em procissão para a fazenda de Osmundo, a cerca de quatro quilômetros dali. No cortejo, os mais de 50 lavradores seguiram rezando e pedindo por chuva. De lá, a imagem só sai quando chover. O retorno será festejado com mais orações e foguetório.
Maria Isabel Pereira Soares, 65 anos, a dona Nai, foi uma das pessoas que participaram do cortejo. “Aqui piorou muito nos últimos meses, os bichos estão tudo morrendo. Só se vê caveira”, lamentou. Há dois meses ela viu a água do açude que fica a poucos metros de casa ganhar uma coloração esverdeada, deixando de servir para o uso. A cada dia vê a situação se agravar, mas não deixa de ter esperança: “Já limpei o pasto. Agora é chover, passar o trator e plantar o feijão, o milho e a abóbora”.
de baianos são atingidos pela seca no estado
A gente pede a Deus que mande o bom tempo para melhorar nossa situação
Ela não está sozinha na fé. Ana Rita Oliveira da Silva, 45, acredita que para Deus tudo tem o seu tempo. Cabe ao homem ter paciência e sabedoria para esperar. “Nunca perdi a fé em Deus. Só ele é que resolve. Se perder a fé em São José, em quem vou me valer? Nas condições daqui, se Deus não abrir os braços, vai acabar tudo”, acredita a sertaneja.
Racionamento e situação de emergência
A estiagem que atinge diversas regiões do estado é tanta que subiu de dois para 21 o número de municípios baianos que vivem racionamento de água.
O ano de 2016 chegou ao fim com Vitória da Conquista e Belo Campo nessa situação. Agora, outros 19 municípios se juntam a eles. São elas: Queimadas, Santaluz, Senhor do Bonfim, Jacobina, Jaguarari, Caldeirão Grande, Andorinha, Itiúba, Ponto Novo, Filadélfia, Seabra, Brotas de Macaúbas, Ibitiara, Novo Horizonte, Bonito, Palmeiras, Tapiramutá, Entre Rios e Morro do Chapéu, além das localidades de Angico (distrito de Mairi), Umbuzeiro (distrito de Mundo Novo) e Altamira (distrito de Conde).
De acordo com a Embasa, a medida extrema do racionamento foi adotada por conta da diminuição do nível dos mananciais utilizados para o abastecimento dessas regiões.
Mais da metade dos municípios baianos declarou situação de emergência por conta da seca. Ao todo são 223, que representam 3,2 milhões de pessoas afetadas. O problema é que a seca, que antes só afetava o semiárido, hoje atinge várias partes da Bahia. “Temos municípios no extremo sul do estado que declararam situação de emergência”, informou o superintendente de Proteção e Defesa Civil do Estado, Paulo Sérgio Luz.
Segundo ele, desta vez há um quadro de pré-colapso para 80 cidades. “Se não chover nos próximos 90 dias, pode faltar água nessas cidades. Na Bahia nunca tivemos essa situação. É a pior seca da história, apesar de não ter ninguém morrendo. Começou em 2011, em 2012 se intensificou e, em todos os anos seguintes, a chuva veio abaixo da média”, explicou. Segundo ele, a população da cidade fica apavorada diante da iminência da falta de água. “O semiárido está virando deserto e o Sul da Bahia virando semiárido. É preocupante a abrangência da seca.”
Na Bahia nunca tivemos essa situação. É a pior seca da história
Em Morrinhos, zona rural de Feira de Santana, algumas nuvens mantinham viva a esperança de que a água cairia, mas o dia avançou e as nuvens se dissiparam (Foto: Arisson Marinho/CORREIO)
Até o mandacaru falhou
O mandacaru deu flor, mas a chuva não veio. Chegou o dia de Santa Bárbara, em dezembro, e a trovoada não deu o ar da graça na zona rural de Santa Teresinha. Havia um fio de esperança dela chegar ainda em dezembro, no dia de Santa Luzia. Falhou de novo. Mais um desapontamento para os agricultores que assistiram o mês passar sem sinal de chuva. Janeiro e fevereiro também foram áridos. Só restava um milagre de São José. Não houve.
“O mandacaru está bem colorido, mas nada de chuva. O pessoal comenta que quando floresce é porque vem chuva. Dessa vez falhou. O pessoal estava com a terra pronta esperando a chuva de São José. Eu desanimei, perdi a esperança”, disse o lavrador Reinaldo dos Santos Oliveira, 35 anos. Presidente da Câmara de Vereadores de Santa Teresinha, Julival Oliveira Correia diz que a situação é crítica. “Mesmo desanimados, agricultores prepararam a terra. Tem lugar que está tão dura que não passa o trator”.
Ele não se abala. Parece que nada lhe tira o sorriso do rosto.
O pessoal comenta que quando floresce é porque vem chuva. Dessa vez falhou. Eu desanimei, perdi a esperança
Previsão não é otimista
A falta de água tem deixado populações aflitas. O problema é que há regiões em que não choveu ainda e não deve chover tão cedo. Segundo a metereologista Cláudia Valéria, do Inmet, no Centro-oeste do estado o período chuvoso coincide com o Verão. Já no Centro-leste, a chuva inicia em abril e vai até o Inverno. “As chuvas do Oeste deveriam ter começado em 2016. Já se passaram dois meses e meio de 2017. Ano passado foi deficiente, mas em 2017 teríamos mudanças. No Centro- oeste não resolveu, e o período chuvoso de lá já passou”.
O Centro-oeste contempla parte da Chapada Diamantina, a região Oeste e a do São Francisco. Já o Centro-leste compreende parte do Nordeste do estado, a RMS, o Recôncavo e o litoral. “Em 2016 o El Niño foi muito intenso. No final do ano mudou para La Niña, mas não teve nenhum favorecimento do Oceano Pacífico pra cá, por isso permaneceu a irregularidade que já acontecia”.
Mesmo assim, Maria Isabel acredita que dias melhores virão (Foto: Arisson Marinho/CORREIO)