A desgraça estava a caminho, escrevia Graciliano Ramos em 1938. “Olhou a caatinga amarela, que o poente avermelhava. Se a seca chegasse, não ficaria planta verde. Arrepiou-se. Chegaria, naturalmente”, avisou o escritor. Nesses quase 80 anos, ela chegou e retornou tantas vezes! Hoje, os Fabianos, as Sinhás Vitória, os meninos e as cachorras Baleia são outros, mas as vidas secas ainda se perpetuam.

E estão em mais lugares do que se pode imaginar: um em cada cinco municípios da Bahia decretou estado de emergência devido à seca ou à estiagem em 2016. O ano terminou com 77 dos 417 do estado nessa situação. Para muitos sertanejos, essa é a pior seca em muito tempo. E não é difícil entender: 2016 foi o quinto ano consecutivo de seca no Nordeste. É o pior ciclo de estiagem desde 1910.

Neste especial, o CORREIO vai mostrar histórias - e trazer as vozes - de quem vive a pior face da seca. Vimos os dramas dos moradores de zonas rurais que têm de caminhar quilômetros até uma fonte de água; sentimos o cheiro de fome da terra seca; testemunhamos o sofrimento e definhamento dos animais até a morte; descobrimos que o problema não é só nas zonas rurais: o racionamento também afeta cidades maiores, como Feira de Santana e Vitória da Conquista. Mas também conhecemos a pulsão de vida da gente que muitas vezes têm que escolher entre saciar a sede ou molhar a lavoura que lhes dará de comer.

Para nos ajudar a contar essas histórias, recorremos aos mestres Graciliano e Luiz Gonzaga, o Rei do Baião. Sem a sensibilidade de Graciliano, talvez não tivéssemos uma ideia do que encontraríamos no Sertão. Com seus personagens, fomos apresentados a outros tantos herois - que não foram eternizados na literatura brasileira, mas são os que resistem à dureza da seca. Aqui, ele é citado algumas vezes - sempre com trechos de Vidas Secas ou com frases baseadas no livro, sempre em negrito.

De Gonzaga, veio a inspiração para o título deste especial. Em Vozes da Seca, ele canta a dor dos nordestinos que convivem com a estiagem. E como entendemos que pouca gente soube traduzir a vida no Sertão tão bem na música quanto o Rei do Baião, decidimos batizar todas as reportagens com o título de músicas de Luiz Gonzaga.

A seca não é novidade: está aí, como sempre esteve. Isso também não vai mudar no futuro. Mas não podemos ignorá-la. Não podemos esquecer nossos conterrâneos - são baianos que vivem bem perto, mas, ao mesmo tempo, bem longe. Não podemos esquecê-los.