Era uma semana difícil. O professor Milton Porsani, 67 anos, tinha pelo menos duas viagens para apresentações de trabalho em uma semana. Depois, na semana seguinte, devia concluir um relatório. “Está vendo como é?”, comentou, enquanto tentava conseguir encontrar espaço para a entrevista na agenda.
No dia marcado, no final de 2019, logo depois da conversa, levou o CORREIO para conhecer o Instituto de Geociências (Igeo), unidade em que é lotado na Universidade Federal da Bahia (Ufba). Geólogo de formação, tornou-se referência em Geofísica Aplicada enquanto professor e pesquisador da instituição.
No Igeo, que conhece de uma ponta a outra, está desde 1990. Enquanto conduzia a equipe de reportagem pelos corredores do prédio, apresentava alunos e laboratórios. Reconheceu cada estudante que encontrou no percurso: uma tinha trabalhado na Petrobras e recentemente entrara na pós-graduação, por exemplo; outro atuava com pesquisa desde a iniciação científica.
Em junho de 2020, pouco mais de seis meses após esse primeiro encontro, essa cena já não é tão corriqueira. Agora, o professor Porsani encara a distância do instituto – pelo menos, de sua estrutura física. Desde o dia 18 de março, está recolhido e cumprindo o isolamento social devido à pandemia do coronavírus.
Ainda que suas pesquisas e projetos não tenham relação direta com a covid-19, não havia como não terem sido afetadas por ela. Mas, de certa forma, nada parou: as viagens e reuniões técnicas presenciais deram lugar a encontros virtuais, assim como a gestão e a orientação de alunos.
“Meu desejo e esperança são de que nossos colegas pesquisadores que atuam em estudos relacionados à covid-19 tenham sucesso breve na descoberta de vacinas e medicamentos que permitam salvar vidas e reduzir o sofrimento dos brasileiros”, diz Porsani, que, por sua vez, trilhou um caminho na ciência há pelo menos três décadas.
Com o desenvolvimento e aplicações de métodos geofísicos para exploração de petróleo, gás, água subterrânea, recursos minerais e controle de qualidade do meio ambiente, chegou a um dos pontos mais altos da carreira acadêmica em 2004: foi quando se tornou um dos pesquisadores com produtividade 1A da Ufba no CNPq.
No próprio instituto onde trabalha, são três pesquisadores nessa condição. Ao lado da Faculdade de Comunicação e da Faculdade de Arquitetura, o Igeo é a unidade com o maior número de bolsistas 1A.
“O Instituto de Geociências tem quatro cursos de graduação: Geografia, Geologia, Geofísica e Oceanografia. O de Geologia é o mais antigo. Por isso, ter três pesquisadores 1A é até pouco para a história que nós temos”, diz.
A trajetória no CNPq também foi longa: a primeira bolsa veio com a classificação 2, em 1993. “Acho que é uma passagem natural de quem se envolve na pesquisa e se dedica à formação de pessoas. A gente tem obrigação de orientar alunos, dar aulas, formar pessoal e fazer pesquisa”, completa.
O professor Milton Porsani nasceu no município de Urupês, no interior do estado de São Paulo. Com pouco mais de 13 mil habitantes, a cidade fica próxima de São José do Rio Preto. No vestibular, acabou fazendo Geologia e Educação na Universidade de São Paulo (USP). Mas, como gostava de Matemática e Computação, acabou se aproximando da Geofísica.
“Achei que era a área que poderia me sentir mais confortável”, explica ele, que emendou o fim da graduação em Educação, em 1978, com um mestrado em Geofísica, na Universidade Federal do Pará (UFPA).
Ficou cinco anos em Belém. O plano inicial, na verdade, era se estabelecer por lá, mas as dificuldades de contratação no estado fizeram com que viesse para Salvador. “Entendi que era o caso de continuar estudando e comecei a estudar a geofísica da exploração de petróleo”, lembra.
Assim, ele já fez o doutorado na Ufba, entre 1983 e 1986, desenvolvendo algoritmos para o processamento de dados sísmicos. Por três anos, esperou por uma possibilidade de contratação – que só veio com o concurso de 1989, com ingresso na instituição em 1990.
“Foi quando comecei de verdade e já me envolvi com a pesquisa. Depois, já apliquei para o CNPq”, diz o professor.
De fato, a graduação em Geofísica da Ufba foi um dos primeiros do Brasil. Criado em 1992 – mais de duas décadas após a fundação do Igeo, em 1968 -, o curso só veio depois do da USP.
Os algoritmos, já presentes no doutorado do professor Porsani, continuaram em sua pesquisa nos anos seguintes. Ainda hoje, ele trabalha desenvolvendo métodos e algoritmos para filtragens, decomposição e análise subterrânea.
“Trabalhamos com a descoberta do petróleo e, para isso, são envolvidas várias técnicas de tratamento de dados e construção de imagens sísmicas”, explica.
Nesse contexto, estão incluídas desde a obtenção de imagens físicas e de melhoria dos sinais até a confiabilidade da informação registrada em 2D ou 3D.
O assunto pode até soar complexo, mas o professor Porsani costuma responder de forma objetiva quanto ao impacto da pesquisa dele na vida das pessoas: todo mundo precisa de gasolina, ainda que de forma indireta. “E, hoje, o Brasil produz gasolina. Só que, até chegar nisso, existe toda uma cadeia que envolve a descoberta, a exploração”, cita.
O petróleo é encontrado em bacias sedimentares. Mas, durante o processo de perfuração, há a participação de profissionais de diversas especialidades.
“A Petrobras precisa desses especialistas em Geofísica, por exemplo”, argumenta. É por isso que ele estima que 95% dos profissionais formados em Geofísica sejam absorvidos justamente por essa cadeia.
Desde 2009, o professor Porsani coordena um dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT) sediados na Ufba – o de Geofísica do Petróleo. Renovado em 2016 para seguir até 2022, o projeto conta com mais de 40 pesquisadores de instituições como a Universidade de Campinas (Unicamp) e do Senai Cimatec.
A missão, de acordo com ele, é desenvolver uma rede de pesquisadores que contribuam para os estudos de exploração de petróleo.
O INCT coordenado pelo professor Porsani ainda faz parte do GasBras, um programa ainda maior de pesquisa ligado à USP. Além dele, o INCT liderado pelo professor Jailson Andrade, que é de Energia e Ambiente, também faz parte do projeto. A proposta é estudar as melhores formas de desenvolver a indústria do gás convencional no Brasil.
“Faz parte do nosso objetivo estudar quais impactos e quais os cuidados poderiam ser tomados de forma segura. Na Geofísica, estudamos a qualidade das rochas geradoras, que são aquelas que podem sofrer estímulos para produzir o gás”, explica.
Em 2000, o professor Porsani se tornou professor titular da Ufba – justamente da disciplina de Extração de Petróleo. No segundo semestre do ano passado, porém, decidiu se aposentar.
“Mas continuo por aqui”, garante. Na ocasião, apontava as salas do corredor do Igeo onde ficam os pesquisadores do seu departamento.
“Essa aposentadoria me tira a obrigação de várias coisas. Embora eu esteja aposentado, nunca estive trabalhando tanto”.
Ele sabia que, se estivesse aposentado, conseguiria tocar outros projetos – inclusive, já tem ideias para escrever dois novos livros. Até hoje, já publicou mais de 70 artigos científicos. Um dos maiores problemas, porém, é perder o contato com os alunos na graduação. E, como alguém que dedicou a vida à ciência, ele sabe bem o que essa relação pode significar.
“Os professores que a gente tem são muito importantes para despertar o sentimento do aluno para a indagação, para a pesquisa”, diz ele, que vive em uma família de cientistas.
A esposa, Elizabeth Ramos, é professora do Instituto de Letras da Ufba e os dois filhos também são pesquisadores.