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Antonio Ferreira: da graduação em tempo recorde em Física às pesquisas sobre spintrônica

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Professor ainda surpreende em cada aula e não lembra quando conseguiu ter 30 dias inteiros de férias

O professor Antonio Ferreira da Silva sabe muito de números. Conhece materiais semicondutores, átomos e nanotecnologia como poucos. Mas, professor titular do Instituto de Física da Universidade Federal da Bahia (Ufba), tem um cálculo que ele não sabe fazer: há quanto tempo, desde que está na universidade, tirou férias de um mês inteiro.

Aos 72 anos, tem tantos projetos que não tem horário para trabalhar. Nem mesmo aos fins de semana está totalmente livre de relatórios, livros e pesquisas.

“A pesquisa que estou fazendo agora é spintrônica, que não é mais eletrônica. É quando você vai para o âmago do átomo para ter equipamentos eficientes. É o spin, não são mais os elétrons”, explica, referindo-se às partículas menores que os elétrons.

Mesmo hoje, com a universidade sem aulas, ele não parou o trabalho. Logo no início da quarentena, em março, teve que interromper o início de um período como professor visitante na Universidade de São Paulo (USP). Havia chegado em São Paulo pouco antes, em fevereiro. 

“Voltei no apagar das luzes, quase não acho mais avião. Até que peguei um e vim embora, porque já tinha recebido uma ordem da USP para não irmos mais, até pela minha idade. Mas a gente continua trabalhando pela web direto”, conta.

Antes da primeira conversa com o CORREIO, preferiu avisar: seu currículo Lattes era condensado. Para ajudar a conhecê-lo, enviou um documento – uma espécie de briefing – à reportagem. Se fosse colocar tudo lá, certamente ocuparia mais do que as 35 páginas atuais. Não é à toa que ele é um dos pesquisadores com produtividade 1A do CNPq na Ufba, sendo o único no instituto onde trabalha. Ou seja: ele está no nível mais alto da pesquisa científica no órgão federal.

“Você vê a importância que isso tem, mesmo com as nossas dificuldades. A Física só veio ter curso de doutorado há pouco tempo, mas não quer dizer que a gente não tinha pesquisa de ponta”, reflete o professor.

Justamente porque é um programa novo, ele é um dos professores que têm tentado inserir não só no Instituto de Física mas na Ufba, como um todo, o conceito de laboratórios de grande porte. Orgulhoso, anuncia: estão implantando o primeiro microscópio de transmissão da instituição.

O equipamento, que veio do Japão e custa mais de R$ 6 milhões, serve justamente para ver o âmago das substâncias que estão sendo analisadas. “Se você não conhece isso, não produz bons fármacos. É como se fosse um organismo para você ter uma ideia e estudar que aplicação vai ter. Na Medicina, isso é um espetáculo”, diz.

O professor Antônio fez doutorado na Suécia e no Japão
(Foto: Marina Silva/CORREIO)

Desde 2005, participa de editais da Financiadora de Equipamentos e Projetos (Finep), a empresa pública também ligada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, para conseguir aportes para grandes laboratórios interdisciplinares. “Nunca perdemos um”, revela, citando os espaços chamamos Lamume, laboratórios multidisciplinares utilizados por diferentes cursos.

Tempo recorde

Nascido em Salvador, o professor Antonio passou a infância em Conceição do Jacuípe, no Recôncavo baiano. Por pouco, quase enveredou para uma área completamente diferente. Já de volta a Salvador, quando saiu do Ensino Médio, no antigo Colégio Pamphilo de Carvalho, no Engenho Velho de Brotas, prestou vestibular para Arquitetura e Física.

Mas gostou tanto de Física que fez o curso em tempo recorde – apenas dois anos e meio contra a média de quatro anos. Logo depois, emendou o mestrado na Universidade de Brasília (UnB). 

No meio do primeiro ano, acabou indo para a Universidade de Campinas (Unicamp), onde concluiu o mestrado. Nessa mesma época, começou a ensinar. A sala de aula também é uma paixão: mesmo hoje, professor titular da Ufba, não deixou de ensinar nem mesmo na graduação. Antes do doutorado, passou um ano em Salvador. Mas, naquela época, aqui não queria ficar. 

“Eu queria ir para longe”, lembra. De fato, foi o que fez. Aplicou para duas bolsas de doutorado fora do Brasil: uma pelo mesmo CNPq pelo qual viraria pesquisador 1A anos depois e outra pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Foi aprovado nas duas. Resultado: casou e, em 1977, embarcou para a Suécia, para passar pelo doutoramento na Linkoping University. 

Lá, terminou o curso de outra forma meteórica – menos de três anos. No final, ainda chegou a passar seis meses na Kyoto University, no Japão, estudando semicondutores. Em 1979, já tinha defendido a tese quando recebeu uma carta do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Um de seus professores na Unicamp perguntava se ele não queria voltar ao Brasil – mais especificamente para o laboratório especializado em células solares. 

Era uma nova pesquisa, um novo centro.

“Um professor da universidade da Suécia foi na minha sala e disse: ‘olha, Antônio, está tudo certo para você ser contratado como professor aqui.’ Eu disse: ‘agradeço muito mas tenho um desafio maior no Brasil, que era fazer esse laboratório”, conta.

Foram 20 anos no Inpe até surgir um concurso para a Ufba. Na época, as coisas eram diferentes. O concurso para professor titular não era como hoje. Era aberto de forma nacional. Decidiu encarar o novo desafio e fazer. “Foram três dias muito pesados. Por isso, estou aqui desde 2000 e já vim como professor titular pelo concurso nacional”, diz. O professor titular é o ponto mais alto da carreira acadêmica nas universidades públicas. 

Somente quando chegou à Ufba pôde se tornar pesquisador do CNPq, já que tanto o órgão quanto o Inpe são vinculados ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações. Quando aplicou para a bolsa, já começou alto: com um currículo e uma produção como os dele, já foi classificado como 1B. Menos de cinco anos depois, já tinha virado 1A. 

Ele não sabe quando tirou férias de um mês pela última vez
(Foto: Marina Silva/CORREIO)

Na Ufba, seu trabalho é focado em semicondutores e materiais, a exemplo de óxidos e metais. Só para dar uma ideia do alcance disso, um aparelho de telefone, por exemplo, tem placas e dispositivos eletrônicos. O grupo do professor Antonio estuda como fazer esses dispositivos e, ao mesmo tempo, como otimizá-los. 

“Essa é uma das coisas que a gente faz. A outra é estudar como o material é altamente condutor. A gente começa a estudar também a parte biológica desses materiais, que é o que a gente chama de nanocristais, nanopartículas, para estudar quando ele pode ser adaptado, nocivo ou inofensivo ao corpo humano”, pontua.

Mas é como se não existem fronteiras. Faz parte do colegiado da Rede Nordeste de Biotecnologia, é vice-diretor do Laboratório de Nanotecnologia do Nordeste, membro titular do Comitê de Física e Astronomia e ainda criou um programa estratégico em nanotecnologia, o Sisnano, com um professor da USP. Na instituição, mesmo antes de ser professor visitante, ele orientava pesquisas de doutorado. 

Aula diferente

Entre os alunos, um comentário é comum: o de que ele nunca dá a mesma aula. É tão conhecido por isso que até se acostumou a ver estudantes que já cursaram a disciplina retornando para ver uma aula ou outra. 

“Ultimamente estou dando coisas relacionadas à física em sociedade, estudos de biologia, um curso contemporâneo, sobre o que está acontecendo na realidade. É uma aula bem diferente, extrapola o usual”, garante. 

Pai de uma arquiteta e um dentista, perde a conta de quantos físicos incentivou a seguir na pesquisa. Formou seis doutores e 19 mestres. O número de doutores só não é maior por uma limitação do próprio programa – o doutorado em Física existe há menos tempo na Ufba. Enquanto o mestrado data de 1975, o doutorado só foi implementado em 2007. 

“Eu podia me aposentar e ir embora (do Brasil), mas acho que você pode contribuir. Eu poderia estar aposentado há muito tempo na Suécia, porque tudo foi na mesma época. Lá, eles têm uma galeria com fotos dos estudantes que fizeram doutorado: eu fui o número 11. Hoje, tem mais de mil”, diz.

(Foto: Marina Silva/CORREIO)

A média de publicações por ano, conta, até baixou, nos últimos anos. Em alguns,  publica seis, sete artigos científicos, mas, no geral, acredita que a média fique por volta de três. “Tem pesquisa que leva um ano, dois anos para sair alguma coisa. E você é chamado para muitas viagens para o exterior, porque dou muitas palestras”, explica. 

No meio de tudo isso, vieram as dificuldades da Ufba e do próprio CNPq, principalmente no ano passado. A universidade sofre com o contingenciamento do Ministério da Educação (MEC); o CNPq, com recursos que já seriam insuficientes mesmo sem bloqueios orçamentários.

“Esse contingenciamento foi um terror, porque você não tem recurso para nada. Não tem recurso para comprar insumos. Se quebrar um equipamentozinho desse, você não tem dinheiro”, desabafa. 

Foi o que aconteceu há cerca de um mês, quando precisou importar uma peça para o microscópio eletrônico. A única verba que tinha era dele próprio – e foi a que usou.

Interdisciplinar

A quarentena impôs uma rotina de reuniões virtuais – pelo menos, uma vez por semana. Um dos projetos que desenvolveu nesse período foi em conjunto com pesquisadores de um consórcio de universidades da Noruega, da Suécia, da Alemanha, da Austrália e da Suíça justamente para a saúde. 

Uma das vertentes, a partir do trabalho de professores do Hospital das Clínicas da USP, é estudar como fazer um implante de ossos com uma placa e garantir que não haja rejeição. 

“Nesse projeto, está incluso o estudo de toda farmacologia e como nanopartículas podem ser usadas como substância para a cura de tumores. É um projeto bem grande, mas que ainda é sigiloso”, adianta. 

No fim, a Física não poderia estar mais interligada à saúde. O silício, enquanto substância química, é um dos exemplos que ele dá justamente por estar presente em materiais como cerâmicas, telhas e mesmo restaurações odontológicas. 

“O silício pode ser danoso ao corpo humano. Ele não se adapta. Mas, quando você consegue colocar ele em partículas muito pequenas, as nanopartículas, ele já não é mais silício. Ele atua como um material que pode destruir tumores”, explica o professor.

E é através da interdisciplinaridade que é possível chegar a conclusões como essa. O professor, defende, não pode estar focado numa única disciplina. O cientista, por sua vez, deve estar envolvido com pesquisas do mundo – não pode ficar preso. “Por isso, meus projetos têm Física, Química, Biologia, Saúde. Eu me comunico com todos”.

Formação acadêmica, segundo o Lattes

  • 1979 – 1979
    Doutorado em Física – Kyoto University (Japão).
  • 1977 – 1979
    Doutorado em Física – Linkoping University (Suécia)
  • 1972 – 1975
    Mestrado em Física – Unicamp
  • 1982 – 1982
    Aperfeiçoamento em Physics – Brown University (Estados Unidos).
  • 1967 – 1970
    Graduação em Física – Ufba

Produtividade em números

19

orientações de mestrado concluídas

6

orientações de doutorado concluídas

6

orientações de iniciação científica concluídas

1

orientação de mestrado em andamento

4

orientações de doutorado em andamento

1

supervisão de pós-doutorado em andamento

7

capítulos de livros publicados

236

artigos completos publicados em periódicos

4

trabalhos completos publicados em anais de congressos

2

participações em bancas de comissões julgadoras de livre docência

7

participações em bancas de comissões julgadoras de professor titular

2

participações em bancas de qualificação de doutorado

6

resumos publicados em anais de congressos

4

patentes registradas

6

participações em bancas de mestrado

9

participações em bancas de doutorado

31

apresentações de trabalho

2

livros publicados

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