Desde cedo, os caminhos do professor Antonio Virgílio Bittencourt Bastos pareciam estar, de alguma forma, ligados à sala de aula. Neto, sobrinho e filho de professoras de Ensino Fundamental, chegou a morar em um colégio. Na época, quando a mãe era chamada para dar aulas em cidades como Ubatã, Barra do Choça e a própria Ipiaú, onde nasceu, era comum que os colégios tivessem apartamentos para os docentes.
“As professoras eram muito disputadas no interior. Com um ano e pouco, eu já vivia em ambientes de escolas. Aprendia muitas coisas enquanto minha mãe dava aula e eu ficava escutando”, conta ele, que acredita que a marca familiar influenciou na escolha da carreira.
Isso sem contar o interesse pelas disciplinas da área de Humanas, a exemplo de Sociologia e Filosofia, logo no primeiro ano do Ensino Médio. Quando decidiu estudar Psicologia na Universidade Federal da Bahia (Ufba), o curso estava no começo. Entrou em 1971 – a graduação foi criada apenas três anos antes, em 1968.
Na época, o professor Antonio Virgílio nem mesmo sabia, com clareza, o que era ser psicólogo. Por pouco, não fez Administração. Àquela altura, porém, era difícil imaginar que, anos mais tarde, seria um dos pesquisadores com produtividade 1A no CNPq na mesma Ufba onde se formou e onde logo se tornaria professor. Pesquisadores 1A são aqueles que estão no nível mais alto da pesquisa científica no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
“No fundo, eu já tinha a ideia de que a minha carreira era para ser professor, pesquisador. Nunca me dediquei a ser psicólogo, nunca atuei como psicólogo. Fiz meu curso e já fui monitor, trabalhei com professores e, assim que terminei, entrei no mestrado em Educação”, lembra ele, hoje com 65 anos. Ao mesmo tempo em que entrava no mestrado, também se tornou professor colaborador da Ufba.
Aos 10 anos, o pequeno Antonio Virgílio foi morar em um pensionato. Por razões políticas, a mãe foi retirada da direção de um colégio onde trabalhava. Enquanto isso, ele foi morar a 20 quilômetros da escola inicial, no pensionato.
Aos 14, novamente, foi viver em uma pensão de um conhecido da família: dessa vez, em Salvador, para estudar no Colégio Antônio Vieira. Foi quando se encantou pelas Ciências Humanas e onde, pouco depois, optou pela Psicologia no vestibular. Na época, o curso de Psicologia era tão novo que algumas disciplinas nem tinham professores aqui; os docentes precisavam vir de fora, de estados como São Paulo.
As primeiras experiências foram no campo da psicologia experimental e da análise de comportamento, enquanto trabalhava como monitor em um laboratório. “Eram as disciplinas com ratinhos. E também tive uma professora que ensinava teorias da personalidade. Como não existia bolsa de iniciação científica, todo o nosso trabalho era voluntário”.
Formou tão rápido que, em pouco tempo já era docente colaborador da Ufba. Aos 22 ou 23 anos – difícil dizer ao certo –, chegou a dar aulas para alguns de seus próprios colegas que porventura tivessem atrasado algo do curso.
Com um mestrado em Educação, logo assumiu a disciplina de metodologia de pesquisa. De certa forma, a Psicologia vinha sempre alinhada à área educacional, principalmente a alfabetização e, de forma mais específica, à formação do psicólogo.
“Sempre trabalhei formando pesquisadores. Minha dissertação de mestrado já foi um trabalho sobre isso, sobre comunidade científica”, explica.
Talvez o professor Antonio Virgílio seja um dos que mais se envolveu com a gestão. Na própria Ufba, no começo, trabalhou em um órgão suplementar que coordenava a pesquisa de avaliação da reforma universitária. Já no Instituto de Psicologia (IPS), a gestão começou a aparecer nas investigações científicas.
Cada vez mais se aproximava da psicologia organizacional do trabalho, com a interface entre sua própria área e a Administração – aquela que quase foi sua escolha, nos tempos de vestibular. O doutorado que fez na Universidade de Brasília (UnB) também foi na área da psicologia organizacional do trabalho.
Resultado: quando voltou, além de dar aulas no curso de Psicologia, ensinava no mestrado de Administração. Se dividiu entre as idas à Estrada de São Lázaro, no IPS, e ao Canela, na Escola de Administração, por décadas – até ficar apenas na Psicologia, quando o programa de pós-graduação foi criado.
Aposentado desde 2018, continua desenvolvendo a pesquisa na pós-graduação. Além disso, ainda ocupa o cargo de superintendente de Avaliação e Desenvolvimento da Ufba – algo que, para ele, une seus maiores interesses: a Psicologia, a Administração e a Educação.
Mesmo aposentado, não pensa em se afastar da universidade agora. Pode ser até que as coisas mudem no futuro, mas, por ora, não se vê deixando de ser professor e pesquisador. Não quer deixar os alunos.
“A gente não imagina a vida sem o trabalho. Termina sendo uma coisa central na vida da gente e é um tipo de trabalho que está associado com satisfação, realização. Não é como você dizer ‘pare aqui’. É um trabalho que faz parte da nossa identidade como pessoa e se dissociar dele não é uma coisa tão simples”, refletiu.
E se tem uma pessoa que entende da relação que as pessoas estabelecem com seu trabalho, é justamente ele. O significado do trabalho é uma das linhas de pesquisa desenvolvidas pelo professor Antonio Virgílio desde o doutorado. Ou seja: estuda o que, para as pessoas, significa trabalhar e quais são os impactos disso tanto no desempenho quanto nas organizações, considerando também as mudanças do mundo produtivo.
Há, ainda, outras duas linhas de pesquisa: a psicologia organizacional – quem é o psicólogo e os desafios da profissão – e a promoção de rede sociais no trabalho. Aqui, rede social não tem nada a ver com sites como Facebook, Twitter e Instagram, mas com a própria interação humana nos ambientes de trabalho. Ou seja: o que aproxima e o que afasta pessoas, bem como o impacto dessas redes nas organizações.
Agora, no meio da pandemia, com tanta gente trabalhando em home office, o tema talvez nunca tenha sido tão atual. Ao mesmo tempo, outras tantas pessoas encaram os riscos de trabalhar nos serviços essenciais ou o medo do desemprego.
“A gente fica à disposição do trabalho e perde a noção do tempo”, diz o professor Antonio, ele próprio alguém que tem trabalhado mais na quarentena. Na conversa mais recente com a reportagem, há pouco mais de uma semana, ele tinha acabado de sair da segunda reunião virtual do dia. Até o fim daquela tarde, teria outros duas videoconferências.
Assim como todos os pesquisadores – e como a maioria dos profissionais hoje em teletrabalho -, o professor Antonio tem feito tudo que pode. Mas, ao mesmo tempo que tem limitações, sente que está “a todo vapor”.
“No nosso grupo, isso é um objeto de estudo. Estamos estudando os impactos psicossociais dessas mudanças na nossa rotina de vida. Nós ainda não temos os resultados, mas já estamos com os dados. Vamos começar a analisar, porque é bem qualitativo”, adianta.
A pesquisa é direcionada à população em geral. Nos últimos meses, quase mil pessoas responderam questionários sobre a rotina. A ideia é tentar entender a situação – que vai deste a luta contra um inimigo invisível até as demandas de trabalho nesse contexto.
“Você tem duas condições potencializadoras de ansiedade, de medo, de insegurança e incertezas. Às vezes, as pessoas não têm recursos psicológicos. Isso sem falar nas perdas, nas situações de luto que não podem ser vividas plenamente”.
Situações como a pandemia de covid-19 se tornam fenômenos sociais, justamente por afetar toda a vida das pessoas, segundo o professor Antonio. Daí a importância de investigações nas áreas de humanidades e ciências sociais. Entender o comportamento das pessoas diante da quarentena, por exemplo, pode ser uma tarefa das diferentes áreas das ciências humanas.
“Isso convoca questões psicológicas, questões sociológicas, questões de vida das pessoas, e a gente vê que a ciência não tem limites. O problema é global e depende de todos os campos científicos para ser compreendido”, defende.
O professor ainda está envolvido com outra pesquisa diretamente ligada aos efeitos da covid-19. Essa, por outro lado, é vinculada ao Conselho Federal de Psicologia (CFP) e deve investigar o impacto da pandemia nas condições de trabalho dos psicólogos – desde o modo de trabalhar até os reflexos na vida familiar dos profissionais.
Não é a primeira vez que ele participa de pesquisas com a entidade profissional. Em 1984, enquanto membro do CFP, coordenou o primeiro grande estudo da Psicologia no Brasil. A partir daí, vieram outras funções como essa. Por anos, foi membro da Comissão de Psicologia do Ministério da Educação (MEC). Lá, integrou a equipe que elaborou a minuta para as novas diretrizes curriculares do curso no país.
Passou pelo Inep, na avaliação dos cursos de Psicologia no Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade), e, por ser pesquisador do CNPq, foi presidente do Comitê de Assessoramento da área no órgão. De 2000 para cá, entrou na área de Psicologia da Capes, coordenando o setor de 2011 a 2018 – sem deixar de tocar as próprias pesquisas.
Para ele, que conheceu a realidade dos órgãos financiadores de pesquisa, o número de pesquisadores 1A em todo o país – inclusive na Ufba – poderia ser maior.
“O CNPq vem, historicamente, enfrentando dificuldades para as bolsas. Muitas vezes, o professor até tem qualidade para ser 1A, mas fica anos ali por restrições orçamentárias. Agora, o cenário é ainda pior, porque a gente não sabe nem se vai continuar sendo bolsista”, lamentou.
Sua classificação veio entre 2004 e 2005 – quando já tinha deixado a presidência do Comitê de Assessoramento do CNPq. “Eu já era 1B, mas eu não ia me promover”, explicou.
O professor Antônio Virgílio é casado com uma colega – a também psicóloga Ana Cecília de Sousa Bittencourt Bastos, igualmente professora aposentada do Instituto de Psicologia. Os dois se conheceram ainda na graduação e fizeram o doutorado juntos, em Brasília, quando o primeiro filho do casal tinha dois anos.
“Já temos 42 anos de casados e convivíamos muito no dia a dia, mas a gente nunca trouxe as coisas do trabalho para casa. Nunca sentimos que essa proximidade fosse um problema, tipo trazer tensões ou brigas. Eu com minha história, ela com a dela. Ela tem outras habilidades que eu não tenho”, disse.
O filho é arquiteto, mas a filha seguiu os passos dos pais. Formou-se psicóloga, fez mestrado e doutorado na Ufba. Mas, professora da Universidade Católica do Salvador (UcSal), encontrou outros rumos de pesquisa, a exemplo do luto.
“Influenciei bastante gente a seguir na pesquisa. Já formei uma geração bem grande de orientandos que estão na Universidade Federal do Recôncavo (UFRB), na Universidade de São Paulo (USP), em Feira de Santana, alguns na própria Ufba. No ano passado, teve um concurso para a minha vaga – que eu não participei da banca – mas quem passou foi uma ex-orientanda minha”, conta.
Fora da universidade, gosta de curtir a vida familiar – inclusive os quatro netos (três meninas e um menino). Fora isso, gosta de caminhar. Era a sua atividade física principal, antes da quarentena. É nesses momentos que sai para pensar e elaborar, enquanto escuta música.
Sua playlist tem mais de três mil músicas. “Em geral, são músicas mais antigas. Tem internacionais, mas também da Jovem Guarda, Chico (Buarque), Milton (Nascimento), Gal (Costa), Caetano (Veloso)… Os clássicos todos, músicas que marcaram minha adolescência”, contou.
Só não tem hábito de assistir televisão. Acredita que acompanhar a TV acaba sendo uma fonte de adoecimento para seu corpo. Crítico do enquadramento dos meios de comunicação, prefere se informar por portais e sites de jornais. Nos últimos tempos, porém, aumentaram os convites para assistir algo na Netflix.
“Minha mulher adora séries, vive chamando. Volta e meia assisto, mas eu mesmo nem sei entrar nessa Netflix”, brincou. Mas não pense que ele é avesso a redes sociais e novas tecnologias: no Whatsapp, participa de vários grupos sobre trabalho e política; no Twitter, também acompanha a política.
Só no Instagram, avisa, quase não entra. Não posta fotos pessoais, nem fotos suas. Prefere deixar para compartilhar imagens interessantes, geralmente registradas em viagens.
Depois que teve um câncer de próstata, queria diminuir o ritmo. Foi quando saiu da Capes. No entanto, acabou se envolvendo com mais um projeto: anos depois de ter sido membro do CFP, participou da chapa que venceu as eleições da entidade, em agosto deste ano.
“Foi com medo dessa chapa que nós organizamos uma frente em defesa da Psicologia e da diversidade humana, porque a Psicologia está sendo fortemente atacada”, explicou, referindo-se a uma chapa que tinha lideranças que defendia a “cura gay” e ficou em último lugar. Mesmo assim, ele não vai assumir cargos na diretoria.
“A essa altura da vida, não sou tão maluco de ter mais uma coisa”, disse, aos risos.
orientações de mestrado concluídas
orientações de doutorado concluídas
orientações de iniciação científica concluídas
orientações de doutorado em andamento
orientações de mestrado em andamento
orientações de iniciação científica em andamento
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trabalhos completos publicados em anais de congressos