"A gente não queria dinheiro, a gente queria que isso não acontecesse, que fosse evitado. Aquele local estava interditado, mas para ter um estádio cheio eles liberaram o local, sem poder".

Waldemira Rosário Pereira, viúva de Djalma Lima, vítima da tragédia da Fonte Nova


Por Fernanda Varela e Gabriel Rodrigues

Ela viu o marido cair no buraco


Quando deixou a rua Diva Pimentel, no bairro da Fazenda Grande do Retiro, acompanhada do esposo Djalma Lima e de outros cinco amigos, Waldemira Rosário Pereira estava pronta para mais um dia de festa das que fazia quase todos os domingos em que o Bahia jogava em casa. O que ela não sabia era que aquele ensolarado 25 de novembro de 2007 ficaria cinza e marcado para sempre.

Djalma foi uma das sete vítimas da tragédia da Fonte Nova. Além do marido, Waldemira perdeu também os amigos e vizinhos Márcia e Anísio. Eles caíram de uma altura de aproximadamente 15 metros após um lance da arquibancada superior do estádio ceder. Ela estava no degrau de cima quando tudo aconteceu.

“Eu lembro de tudo como se fosse hoje, aquilo não sai da minha mente. Passa o tempo, a gente procura não estar lembrando, mas se tiver que contar eu lembro de tudo. A gente estava lá bem, brincando, dando risada, a torcida toda começou a pular e, de uma hora para outra, começou a tremer. Foi quando a gente viu abrir o buraco. O meu esposo caiu, outros dois amigos (Márcia e Anísio) que foram comigo também caíram. Dos sete amigos que foram, três morreram e quatro ficaram”, conta Waldemira.

As vidas do casal se cruzaram quando ela tinha apenas 15 anos. Aos 16, decidiram viver juntos. Durante os 12 anos de casamento, a rotina incluía dedicação também ao Bahia. Sempre que possível, estavam na Fonte Nova torcendo pelo clube.


Vida nova no Rio, sem futebol


Dez anos depois da tragédia, a vida de Waldemira mudou completamente. Há três anos ela deixou o emprego como merendeira e a Fazenda Grande do Retiro e mudou-se para o Rio de Janeiro, onde trabalha com tratamento capilar. Os dias de futebol também ficaram para trás.

“Eu só voltei à Fonte Nova uma única vez. Foi dois dias depois da tragédia. Eu lembro que saí de casa de manhã cedo, fiquei sentada perto do estádio, apenas olhando. Fui sozinha, sem nada na cabeça, não sei o que estava pensando. Fiquei lá apenas olhando por umas duas, três horas, até que o pessoal começou a me ligar, procurar saber onde eu estava. Mas para jogo eu não fui nunca mais”, conta.

A conexão com o ex-companheiro se faz presente em datas comemorativas e nos momentos de fé. Evangélica, ela costuma lembrar de Djalma durante as orações. E apesar do tempo, a ferida ainda está aberta. A voz firme de Waldemira ao telefone dá lugar à indignação ao lembrar que ninguém foi condenado criminalmente pela tragédia. Por causa da morte do marido, ela recebeu uma indenização de R$ 25 mil - dividida com um filho que Djalma teve com outra mulher e que na época tinha apenas três meses - e uma pensão vitalícia de um salário mínimo, também compartilhada com a criança.

“Teve culpados, mas a Justiça no Brasil é assim, apenas para os pobres. A gente sabia que depois daquilo ali tudo seria esquecido, e deu no que deu. Pagaram o que quiseram pagar, o que eles acharam que era direito... R$ 25 mil, R$ 300 mil não traz a vida de ninguém, mas eles acharam que a vida daquelas pessoas valeu 25 mil (...) Como aconteceu comigo e os meus amigos, poderia ter acontecido com outras famílias. Poderia ter sido muito mais gente a ter morrido ali. São coisas que deixa a gente triste. A Justiça no Brasil não tem jeito”, reclama.