Por Vitor Villar

Marcado na história da Fonte Nova


Até janeiro de 2007, Raimundo Nonato Tavares da Silva, o Bobô, era reconhecido somente como um dos maiores ídolos da história do Esporte Clube Bahia. Foi com elegância sutil e a braçadeira de capitão que o meia conduziu, em 1988, o Esquadrão de Aço ao seu segundo título de campeão brasileiro.

Até que Bobô assumiu outra função de comando. No governo de Jaques Wagner, foi nomeado diretor geral da Superintendência dos Desportos do Estado da Bahia (Sudesb), autarquia que tem como principal missão zelar pelos equipamentos esportivos do estado. Cuidaria da Fonte Nova, estádio onde alcançou o seu maior feito.

O ex-jogador delegava suas primeiras ordens como superintendente quando, em 25 de novembro de 2007, testemunhou o desabamento de parte da arquibancada da Fonte Nova durante o jogo Bahia 0x0 Vila Nova. O incidente tirou a vida de sete torcedores.

Em março de 2008, Bobô foi denunciado pelo Ministério Público do Estado da Bahia por homicídio culposo. Em agosto de 2009, inocentado em primeira instância. Em 15 de julho de 2010, absolvido também no Tribunal de Justiça e o caso foi encerrado.

Mesmo sete anos após a sua total absolvição, Bobô é alvo certo para alguns dos sobreviventes e familiares das vítimas fatais da tragédia. “Ele é o culpado. Foi ele quem liberou (o estádio). Ele tem que pagar. Só Bobô pode responder o que ele pensou para liberar aquilo”, acusa Jader Landerson, 27 anos, um dos torcedores que despencaram pela fenda na arquibancada, mas que sobreviveu.

Bobô se defende. “Aí é conceito de cada um, não posso ficar mais com nada sobre isso. Cada um pensa o que quer de mim. Não ouço mais nada disso, mas paciência. Quem sou eu para ficar inibindo o sentimento das pessoas”, retruca em entrevista ao CORREIO.

“Pensar e julgar todo mundo faz, todo mundo quer punir e quer culpar. Mas para mim passou. Agora, não tenho mais nada o que tratar sobre isso. Acho que a vida segue para todo mundo. Embora com dores para todos, claro”, completa o ex-jogador.

Bobô continuou superintendente da Sudesb até abril de 2014. Foi eleito em outubro do mesmo ano deputado estadual pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Teve 27.242 votos, 0,4% do eleitorado baiano, e conseguiu a vaga graças ao quociente partidário.

 

Sempre na memória


O contato do CORREIO com o deputado aconteceu por telefone. Inicialmente, Bobô mostrou resistência para tratar da tragédia da Fonte Nova. “Não tenho mais o que falar, bicho, para mim já passou”, respondeu logo de cara. Mas aos poucos foi se soltando sobre o tema e revelou um pouco das suas impressões.

O ex-diretor geral da Sudesb acredita que a tragédia não pode ser esquecida pelos baianos: “Não é porque ela vai completar dez anos agora. Eu acho que tem que fazer (referência a ela) todos os anos. Por que só lembrar numa data fechada, como os dez anos? Eu não vejo assim. Entendo que todos os anos pode-se lembrar e se lembra. É uma lembrança eterna na cabeça de todos. Ela existe e fica na mente e nos corações das pessoas de qualquer jeito. Então falar dela é salutar, é importante”.

O deputado elogiou a cobertura da imprensa, que tem feito menção aos dez anos da tragédia. “Acho que isso tem que acontecer mesmo, para não ficar vazio. Porque as pessoas lembram quando chega a data, tendo ou não tendo cobertura. Eu mesmo, lembro todos os anos. É algo que marca na sua memória, na sua mente, não tem como esquecer. Independentemente dos resultados que foram, isso vai ficar marcado”.

 

Na opinião de Bobô, homenagens aconteceram


Comandante da Sudesb até 2014, Bobô não soube explicar por que houve tão poucas homenagens por parte do governo do estado, do Bahia e da Arena Fonte Nova às vítimas do acidente. “Não sei, não tem como saber isso aí. Foi feito tudo o que podia ser feito. Na época mesmo, não tinha nem como a gente homenagear, porque era preciso na verdade dar suporte às pessoas. Nesse sentido pelo menos, te digo que tudo o que tinha para se fazer, foi feito”, garante.

Ele cita a homenagem às vítimas na inauguração da Arena Fonte Nova, em abril de 2013, entre as medidas solenes. “Acho que foi feito sim, não? No telão, com os nomes das vítimas. A torcida aplaudiu, foi feito silêncio. Lembro que isso foi feito. Mas não partiu do governo, acho que a Arena conduziu isso”.

Bobô mostrou-se a favor de uma nova homenagem como aquela, agora que a tragédia completará uma década um dia antes da partida entre Bahia e Chapecoense, na Arena Fonte Nova. “A própria federação poderia ver isso, se achar que é conveniente. O próprio Bahia poderia fazer essa menção. Acho que isso tem que partir dessas instituições”, opina. “Agora, homenagem mesmo, para mim, são as orações. Eu mesmo faço isso, porque todo mundo saiu dolorido daquilo. Todos, todos, sem exceção. Claro que uns sofreram mais do que os outros”.

O deputado volta a resistir sobre o assunto quando a reportagem começa a abordar detalhes do passado. Questionado sobre as acusações dirigidas pelo ex-diretor de operações Nilo dos Santos Júnior, exonerado da Sudesb dois meses após a tragédia, Bobô é reticente: “Não sei, isso aí você tem que perguntar a ele...”. “Então estamos conversados já? Valeu amigão, a gente já se falou o suficiente e estou na estrada, tá? Um abraço”, despediu-se sem permitir a insistência nas perguntas. O engenheiro Nilo dos Santos Júnior não foi localizado pela reportagem.